Homologado pela Justiça

Decisão do TRF-4 sobre leniência não invalida acordo com a Odebrecht, diz MPF

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23 de agosto de 2017, 21h34

O Ministério Público Federal informou nesta quarta-feira (23/8) que vai recorrer da decisão que o declarou incompetente para assinar acordos de leniência sem o aval da Controladoria-Geral da União. Nesta terça-feira (22/8), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve o bloqueio de bens da construtora Odebrecht, porque o não bloqueio havia sido combinado num acordo firmado com o MPF, sem ratificação pela CGU, a quem a Lei Anticorrupção dá o poder de negociar a leniência.

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TRF-4 manteve bloqueio de 3% do faturamento mensal da Odebrecht por causa da invalidade do acordo.
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Em nota, o MPF disse que a decisão “não invalida o acordo”, apenas permite que a ação de improbidade ajuizada pela Advocacia-Geral da União, em que é pedido o bloqueio de bens, continue. “O acordo da Odebrecht, se tomado em conjunto com o da Braskem, resultou no maior acordo da espécie em termos monetários na história mundial. Foram ainda revelados milhares de crimes, em depoimentos e provas, os quais têm gerado inúmeras operações policiais e acusações criminais por corrupção em todo o Brasil”, disse o MPF.

O acórdão da decisão do TRF-4 ainda não foi publicado, mas ela foi unânime. Os desembargadores da 3ª Turma mantiveram bloqueio de 3% do faturamento mensal da Odebrecht por causa da invalidade do acordo e possibilitaram que a ação de improbidade da AGU continue a tramitar, por mais que o acordo tenha cláusulas de não autoincriminação. A justificativa é a falta de ratificação do acordo pela União, por meio da CGU, conforme interpretaram o artigo parágrafo 10 do artigo 16 da Lei Anticorrupção.

As reclamações do MPF são semelhantes às da própria Odebrecht. Também por meio de nota, a empresa disse que o acordo já foi homologado pela Justiça e seus relatos “são um relevante acervo para a Justiça no sentido de melhorar a conduta empresarial e política e a gestão pública no Brasil e na América Latina”.

“A Odebrecht acredita que o acordo de leniência é instrumento útil e importante para a sociedade, e espera que a legislação evolua de modo a trazer segurança jurídica para acordos assinados com o Estado brasileiro, através de qualquer um dos seus entes”, afirma a companhia, que também negocia acordo com a CGU

Estado canibal
Na prática, a decisão do TRF diz que um acordo assinado com uma parte do Estado não tem validade porque outro pedaço não foi avisado e não pôde dar sua opinião. “Eis aí a mais cabal demonstração de autofagia do Estado brasileiro”, comenta o advogado Sebastião Tojal, que negociou o acordo de leniência da construtora UTC com a CGU e com a AGU.

Em entrevista à ConJur, Tojal disse que essa autofagia decorre da disputa por protagonismo dentro do governo federal. “Isso acaba fazendo com o que o interesse público fique em segundo plano, o que não pode acontecer”, afirmou.

Também atuante em negociações de leniência, o advogado Igor Tamasauskas se preocupa com as repercussões da decisão. “Ela vai na contramão da segurança jurídica para quem está querendo prestar contas à Justiça”, diz. “Reconhecer a atribuição da AGU e da CGU para negociar os acordos não pode significar a negativa de atribuição à autoridade mais atuante nessas investigações [MPF].”

Limites da decisão
Para o advogado Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da USP, a decisão é polêmica, mas não terá o poder de anular o que já foi assinado pelo MPF com as empresas. Segundo ele, o TRF-4 apenas autorizou a União a buscar medidas reparadoras para além do que foi combinado no acordo de leniência firmado com os investigadores, “o que já é problemático o suficiente”.

De fato, a ata do julgamento só diz que “a turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o bloqueio dos bens das empresas do grupo Odebrecht”, sem menções à competência do MPF sobre acordos de leniência.

Na opinião de Justino de Oliveira, a decisão se aplica apenas ao caso concreto e às medidas cautelares em discussão. “Se essa tese virar precedente, não vejo problemas para os acordos futuros. O problema é olhar para trás e dizer que eles têm de ser ratificados. Os acordos foram assinados e estão sendo executados”, diz. “Mas não acho que essa decisão vá colocar em xeque o que já está valendo.”

Cofre vazio
Um dos principais pontos de atrito em relação ao acordo são os valores combinados. O MPF divulgou que a empresa pagará R$ 8 bilhões. É o resultado de uma conta: nas delações premiadas, os executivos contaram superfaturar os contratos da Petrobras em 3% sobre o valor real. Aplicado a todos os contratos em que foram apontados indícios de ilegalidade, esse sobrepreço deu em R$ 3,8 bilhões. Esse dinheiro, espalhado em diversas parcelas e aplicada a taxa Selic, chegou aos R$ 8 bilhões.

A União discorda desse valor. Prefere seguir os parâmetros definidos pelo Tribunal de Contas da União, que resultaram em R$ 6 bilhões de superfaturamento. Os desembargadores da 3ª Turma do TRF-4 entenderam que o MPF não pode dispor de patrimônio público e concordaram com a AGU.

Justino discorda do entendimento. “O fato de a Lei Anticorrupção dizer que é a CGU quem assina o acordo não significa que o Ministério Público não possa”, afirma. Segundo ele, embora o acordo tenha sido batizado de “leniência”, “vai muito além da Lei Anticorrupção e decorre das próprias atribuições, tanto constitucionais quanto legais, do MP”.

Leia a nota do MPF: 

Os procuradores da República que atuam na operação Lava Jato perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), perante a Justiça Federal em Curitiba e no Grupo de Trabalho da Câmara de Combate à Corrupção explicitam sua discordância da decisão da 3ª Turma do TRF4 proferida ontem, contra a qual será apresentado recurso para as instâncias competentes.

A decisão não invalida o acordo feito, mas apenas possibilita a continuidade da ação de improbidade oferecida pela Advocacia-Geral da União, com base em provas obtidas pela operação Lava Jato. Os acordos feitos pelo Ministério Público têm surtido efeitos regularmente e não sofreram questionamentos em outros julgamentos. Foram, ainda, homologados para fins criminais pela Justiça Federal de Curitiba, produzindo igualmente seus efeitos nessa esfera. Por fim, a homologação dos acordos pela Câmara de Combate à Corrupção do Ministério de Público Federal tem garantido, em grande medida, segurança jurídica para as partes, vinculando a atuação do Ministério Público Federal.

Os acordos de leniência são feitos com o objetivo de expandir as investigações, angariando informações e provas sobre crimes graves, assim como maximizar o ressarcimento aos cofres públicos. O acordo da Odebrecht, se tomado em conjunto com o da Braskem, resultou no maior acordo da espécie em termos monetários na história mundial. Foram ainda revelados milhares de crimes, em depoimentos e provas, os quais têm gerado inúmeras operações policiais e acusações criminais por corrupção em todo o Brasil".

Leia a nota da Odebrecht:

Os relatos da Odebrecht são um relevante acervo para a Justiça no sentido de melhorar a conduta empresarial e política e a gestão pública no Brasil e na América Latina. O acordo de leniência da Odebrecht foi firmado com o Ministério Público Federal e homologado pela Justiça. A Odebrecht está em entendimentos para firmar acordos também com a AGU, CGU e TCU. A Odebrecht acredita que o acordo de leniência é instrumento útil e importante para a sociedade, e espera que a legislação evolua de modo a trazer segurança jurídica para acordos assinados com o Estado brasileiro, através de qualquer um dos seus entes".

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