Opinião

Espólio de empregado morto não pode pedir indenização por danos morais

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19 de agosto de 2017, 10h24

Como se tem visto, a Lei 13.467/2017, dita reforma trabalhista, trouxe significativas mudanças no âmbito do Direito do Trabalho, tanto no campo material quanto processual. Sem adentrar no mérito do avanço ou retrocesso das novas disposições, este artigo limita-se a analisar o novel artigo Art. 223-B a ser acrescido à CLT.

Tal dispositivo assim dispõe:

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’

Já o artigo que o precede determina:

Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.’

Antes de tudo, necessário ressaltar que cuidam tais dispositivos do instituto da responsabilidade civil, o qual é definido por Maria Helena Diniz como “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou simples imposição legal”[i]

A responsabilidade civil, embora seja instituto oriundo do direito civilista, tem aplicação em todos os ramos do Direito. No Direito do Trabalho, em que pese alguns insistam em denomina-la indenização do direito civil, tal não faz mais sentido, eis que desde a CF/88 é instituto previsto expressamente no âmbito das relações de trabalho:

Art. 7ª São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)

XXVIII- seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Sendo assim, tecnicamente, a responsabilidade civil trabalhista, o dever de indenizar por conta de danos do trabalho, decorre expressamente da CF/88, e não no direito comum. Ocorre que de um acidente trabalhista, podem advir diversas consequências, tanto diretamente ao empregado (sua incapacidade ou sua morte) como para as pessoas/familiares que o cercam (perda de um ente querido ou perda da pessoa que sustenta a família).

Contudo, a responsabilidade do causador do dano, no caso o empregador, é medida unicamente por um instituto: a responsabilidade civil. Seja indenizando diretamente o empregado, seja indenizando seus familiares, esse dever decorre da responsabilidade civil.

No que tange ao dever de indenizar o empregado, a responsabilidade civil é contratual, pois preexiste um vínculo obrigacional. O dever de indenizar é consequência do inadimplemento – dever de manter meio ambiente de trabalho seguro e a integridade física e psíquica do empregado- e está prevista, como dito, diretamente na CF/88 – art. 7ª, XXVIII.

Em relação aos familiares, a responsabilidade civil é do tipo extracontratual ou aquiliana, pois o dever de indenizar surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre ofensor e vítima preexista qualquer relação jurídica[ii] e está previsto no art. 5º, X, da CF/88.

Dessa forma, quando ocorre a morte de um empregado, a empresa indiretamente causa danos patrimoniais e morais a seus familiares, os quais são denominados danos em ricochete. Os danos patrimoniais dos familiares se manifestam nos gastos decorrentes diretamente com a morte ou com a falta que a renda auferida pelo de cujus fará no bojo familiar. No primeiro caso, temos os danos emergentes, já no segundo caso temos os lucros cessantes, materializados pelo pleito de pensão pelos próprios familiares lesados.

Não se discute mais sobre a legitimidade e o cabimento de tais danos aos familiares do empregado falecido. Os titulares do direito a reparação patrimonial e moral são os próprios familiares lesados, e a competência é da Justiça do Trabalho.

Incontestável também que a essa relação jurídica são aplicáveis os preceitos da responsabilidade civil extracontratual, de matriz civilista, uma vez tratar-se de relação puramente civil. Nesse sentido a Súmula 393 TST, alterada em 2015 ante a decisão do STF em RE com repercussão geral que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho propostas por sucessores do trabalhador falecido.

No entanto, divergência surge quando do acidente do trabalho advém a morte do empregado. Isso porque se discute se seria possível o espólio pleitear dano moral de titularidade do de cujus. Quando da abertura da sucessão (morte), os bens ou a herança transmitem-se, desde logo, aos sucessores ou herdeiros, transmitindo-se também o direito de exigir reparação (art. 943 do CC).

Todo o acervo de bens do de cujus (materiais e imateriais, como por exemplo a honra, imagem, etc.) é representado pelo espólio, o qual é mera fixação jurídica, sem personalidade jurídica, criado para otimizar a defesa dos interesses da própria herança. O representante do espólio é o inventariante, que no processo do trabalho, ante a simplicidade inerente a esse ramo, é entendido como sendo os habilitados perante o INSS e os sucessores da lei civil do empregado morto, nos termos da Lei 6.858/80.

Assim, o dano moral seria mesmo do empregado morto, cuja titularidade do direito à reparação seria do espólio, representado pelos habilitados no INSS ou sucessores da lei civil do de cujus.

A doutrina e a jurisprudência se dividem. Jose Affonso Dalegrave Neto entende que há dano moral do empregado morto, cujo fundamento está no fato em si da perda da vida da vítima, que ao morrer deixou de satisfazer suas necessidades e expectativas legitimas[iii].

O STJ, segundo Sebastião Geraldo de Oliveira[iv], pacificou sua jurisprudência no REsp 978.651, afirmando o cabimento da indenização por danos morais sofridos pelo de cujus, cuja legitimidade para postular seria do espólio e dos sucessores, concorrentemente.

O TST tende a não considerar dano moral próprio do morto:

RECURSO DE REVISTA. (…) 2. INÉPCIA DA INICIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO PROPOSTA EM NOME DO ESPÓLIO DO EX-EMPREGADO E FILHO MENOR DEPENDENTE. Embora seja possível afastar a inépcia da inicial é inviável o conhecimento do recurso para retorno dos autos ao Regional a fim de que seja examinada a pretensão, tendo em vista a evidente falta de proveito/utilidade da medida processual, pois como visto o pedido de dano moral formulado pelo espólio em razão do fato de o ex-empregado perder a vida, não tem guarida em nosso ordenamento jurídico, mas tão somente o dano moral indireto, reflexo ou ricochete já devidamente deferido na reclamação. Recurso de revista não conhecido. Processo: RR – 11362-10.2013.5.15.0031 Data de Julgamento: 23/11/2016, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/11/2016.

Nesse sentido veio a regulamentar o novel artigo 223-B CLT:

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’

Ao dispor o referido artigo que a pessoa física é a titular exclusiva do direito à reparação está simplesmente a acolher o entendimento de que o espólio não pode pleitear dano moral do empregado morto. Sendo assim, não há que se falar em extinção dos danos em ricochete, sofridos pelos familiares do empregado morto, pois estes são regulamentados pelas normas civilistas, não se aplicando o disposto da CLT, que rege somente a responsabilidade civil contratual.

A reforma trabalhista optou por dispor expressamente a impossibilidade de deferimento de danos morais ao espólio, isto é, danos morais sofridos em vida pelo empregado morto. Ressalta-se que a novel disposição não impede a continuidade, pelo espólio, de ação indenizatória proposta ainda em vida pelo empregado posteriormente falecido.

Portanto, frisa-se, não há que se falar em extinção dos danos em ricochete dos familiares do empregado morto, mas tão somente na impossibilidade do espólio pleitear danos morais do de cujus, indo ao encontro, como visto, da própria tendência jurisprudencial do TST.


[i] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.v.7.p.35
[ii] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil.12. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 33
[iii] DALEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 5ª. ed. São Paulo: LTr, 2014.p. 492.
[iv] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 8ª. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 327.

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