Briga sem fim

MPF no Rio critica Gilmar por libertar empresários e questiona imparcialidade

Autor

18 de agosto de 2017, 19h07

Os procuradores que integram a força-tarefa da operação “lava jato” no Rio de Janeiro criticaram a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes de libertar os empresários Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira — donos de empresas de ônibus do Rio de Janeiro — e disseram que o magistrado não tem imparcialidade para julgar esses casos.

Carlos Moura/SCO/STF
Gilmar Mendes não poderia julgar empresários por sua mulher ser sócia de banca que os defende, dizem procuradores.
Carlos Moura/SCO/STF

Barata Filho e Teixeira foram presos em 3 de julho sob suspeita de corrupção passiva, lavagem de ativos e organização criminosa. Nesta quinta-feira (17/8), Gilmar Mendes concedeu Habeas Corpus aos dois por entender que, ainda que graves, fatos antigos não autorizam a decretação de prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de não culpabilidade.

Porém, poucas horas depois de o ministro ter ordenado a soltura deles, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, determinou a expedição de novos mandados de prisão preventiva contra os dois, mantendo-os encarcerados.

Em nota divulgada nesta sexta-feira (18/8), os procuradores da República que atuam nos desdobramentos da “lava jato” no Rio manifestaram “sua apreensão diante da possível liberdade precoce de empresários com atuação marcante no núcleo econômico de organização criminosa que atuou por quase dez anos no Estado, subjugando as instituições e princípios republicanos, e que detêm poder e meios para continuarem delinquindo em prejuízo da ordem pública e da higidez da instrução criminal”.

Segundo os integrantes do Ministério Público Federal, a interpretação de processo penal que entende não ser cabível a prisão preventiva de um acusado de pagar quase R$ 150 milhões de propina a um ex-governador (Sérgio Cabral) mostra que a lei não é aplicada de forma “igual para todos”.

Além disso, os procuradores dizem ficar preocupados com o fato de a mulher de Gilmar, Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima, ser sócia do escritório Sérgio Bermudes Advogados, que defende a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro. A entidade, da qual Teixeira era presidente, representa as empresas de ônibus dele e de Barata Filho.

Essa ligação “deveria determinar o autoafastamento do ministro Gilmar Mendes da causa”, argumentam os procuradores. Para que o magistrado não cuide mais de processos em que haja dúvidas sobre sua imparcialidade, os membros do MPF pediram ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que apresente exceção de suspeição ou impedimento contra o ministro do STF.

Gilmar x Janot
Essa não é a primeira vez que o MPF alega parcialidade de Gilmar Mendes pelo fato de sua mulher ser sócia do Sérgio Bermudes Advogados. Quando o ministro concedeu HC ao empresário Eike Batista, Rodrigo Janot pediu a suspeição do ministro sustentando que a banca representa Eike nas áreas empresarial, comercial e trabalhista. Em casos penais, quem defende Eike — e assinou o HC concedido por Gilmar Mendes — é o advogado Fernando Teixeira Martins.

Ao pedir a suspeição do ministro, Janot, citou um precedente do STF que, no entanto, tem tese exatamente oposta ao que o PGR argumenta. O pedido afirma que o Supremo já definiu, num HC relatado por Gilmar Mendes, que pode haver “impedimento por analogia”.

Mas o acórdão define justamente a “impossibilidade de criação pela via da interpretação de causas de impedimento”. A interpretação que o PGR quis dar ao caso foi a mesma tese desenvolvida pelo ministro Eros Grau, então relator do caso usado por Janot. Mas o ministro ficou vencido, porque a maioria dos integrantes da 2ª Turma concordou com Gilmar Mendes.

Inclusive, o trecho do voto de Gilmar citado por Janot contraria a tese da PGR: “Quando esta corte assenta que não se pode estender, pela via da interpretação, o rol do artigo 252 do Código de Processo Penal, quer ela dizer que não e possível ao Judiciário legislar para incluir causa não prevista pelo legislador. Essa inclusão pode se dar por analogia a pura e simples, como também pela dita interpretação extensiva, que nada mais é do que a inclusão, a partir de um referencial legal, de um item não previsto num rol taxativo”.

Leia a nota:

Lava Jato/RJ – Nota Pública

Em relação à liminar em habeas corpus concedida na data de ontem (17/08/2017) pelo Ministro Gilmar Mendes, os membros da Força Tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro vêm a público manifestar a sua apreensão diante da possível liberdade precoce de empresários com atuação marcante no núcleo econômico de organização criminosa que atuou por quase dez anos no Estado, subjugando as instituições e princípios republicanos, e que detêm poder e meios para continuarem delinquindo em prejuízo da ordem pública e da higidez da instrução criminal.

A Operação Ponto Final é um desdobramento de diversas operações que têm ocorrido desde novembro de 2016 no Rio de Janeiro, reunindo um esforço imenso de vários órgãos de Estado com o objetivo comum de infirmar a atuação de detentores de espaços de poder corrompidos há muitos anos, e que, não obstante, nunca cessaram as suas atividades insidiosas, nem mesmo com o encerramento da gestão estadual anterior, havendo registros recentes de pagamentos de propina e atos de obstrução a Justiça.

A aplicação de um processo penal em que se entende não ser cabível a prisão preventiva para um acusado de pagar quase R$ 150 milhões de propina a um ex-governador e que tentou fugir do país com um documento sigiloso fundamental da investigação, definitivamente não é a aplicação de uma lei que se espera seja igual para todos.

A apreensão dos Procuradores sobreleva diante de contexto em que o prolator das referidas decisões é cônjuge de integrante do escritório de advocacia que patrocina, em processos criminais da Operação Ponto Final, os interesses de pessoas jurídicas diretamente vinculadas aos beneficiários das ordens concedidas o que, à luz do art. 252, I, do Código de Processo Penal, e do art. 144, VIII, do Código de Processo Civil, aplicável com base no art. 3º do Código de Processo Penal, deveria determinar o autoafastamento do Ministro Gilmar Mendes da causa.

Para garantir um juízo natural sobre o qual não paire qualquer dúvida de imparcialidade, e em respeito aos jurisdicionados e à instituição do Supremo Tribunal Federal, os Procuradores encaminham na data de hoje ao Procurador-Geral da República ofício solicitando o ajuizamento de exceção de suspeição/impedimento, instrumento processual disponível às partes em tais hipóteses.

Integrantes da Força Tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro – PR/RJ e PRR2".

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!