Opinião

Não se crê que a LC 160 colocará fim à guerra fiscal entre estados

Autores

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

  • Gabriel Hercos da Cunha

    é advogado especialista em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário tem MBA em Agronegócios pela USP/Esalq e é cofundador do Grupo de Estudos de Tributação no Agronegócio.

17 de agosto de 2017, 7h16

Assim é se lhe parece — essa frase é o título de um conto de Luigi Pirandello, que poderia ser utilizada para analisar a Lei Complementar 160, que foi aprovada visando por fim à guerra fiscal entre os estados da Federação. Será que uma declaração de paz definitiva ou se trata de apenas uma trégua, uma pausa para rearrumar as armas e identificar a dos adversários?

A LC 160 estabelece que: 1) Os estados deverão listar todos os atos normativos que concedem benefícios fiscais e depositá-los na secretaria do Confaz; 2) Será editado um convênio para confirmar ou não esses benefícios, o qual terá quorum reduzido, pois bastarão 2/3 dos estados, sendo 1/3 de cada região, para aprová-lo, o que deverá ocorrer até o início de fevereiro de 2018; 3) A partir de então, o prazo de cada incentivo poderá ser prorrogado pelos governadores, por até 15 anos para a maior parte das atividades econômicas, havendo prazos reduzidos de oito, cinco, três e um ano para outras atividades listadas na norma; 4) Existe ainda a possibilidade de os governadores concederem incentivos a outros contribuintes que se localizem em seu Estado, sob a forma de extensão dos já existentes e sob os mesmos prazos; 5) É também possível que um estado venha a dar os mesmos benefícios fiscais que foram concedidos por outros estados da mesma região; 6) A LC 160 concede efeito retroativo à essas disposições, o que afasta todo o eventual passivo existente, embora não conceda direito a compensação, à restituição ou aproveitamento de crédito extemporâneo; 7) A concessão de outros benefícios fiscais, que não os listados, sujeitará os estados às penalidades previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, tais como vedação ao recebimento de transferências voluntárias e a restrições creditícias.

Em breve síntese, é esse o programa da norma, que visa pacificar a enorme litigância acerca da matéria, uma vez que convalida todos os incentivos fiscais concedidos à margem do Confaz, projetando-os por mais alguns anos — 15 como padrão — e afastando o passivo eventualmente existente. Com isso, todas as ações judiciais, inclusive as que tramitam no STF, devem ser encerradas, bem como as lides administrativas em todos os Estados da Federação.

A despeito da singeleza da norma, algumas dúvidas já assomam no horizonte. Será apenas um convênio ou poderão ser vários? Como ficam os benefícios fiscais que, eventualmente, por erro ou omissão, não forem inseridos nessa listagem estadual? Podem vir a ser validados posteriormente à edição do super convênio? É necessário estar atento a essa possibilidade.

Deve-se observar ainda duas hipóteses que permitem a concessão de incentivos como uma fórmula de proteção concorrencial: a) o governador pode conceder a uma empresa o mesmo incentivo que já foi concedido a outra, que esteja ou tenha interesse em se instalar naquele local; b) um governador pode conceder incentivos que já tenham sido concedidos por outros estados, dentro da mesma região. A lógica regional é restritiva, pois não alcança problemas que podem ocorrer entre São Paulo e Paraná, por exemplo, ou entre o Pará e o Maranhão. Todavia, é um passo avante. Por outro lado, deve-se atentar que ainda é possível obter desonerações via Confaz, na forma usual, desde que pela unanimidade dos votos — sistema inconstitucional, que permaneceu intocado pela LC 160.

Na verdade, a LC 160 determina que haja uma imensa operação de disclousure, obedecendo aos parâmetros de publicidade e transparência constitucionalmente exigidos de todos os níveis federativos do poder público. Embora seja uma norma prenhe de dúvidas para sua aplicação, pode-se afirmar que busca dar alguma certeza jurídica às empresas, que acumulam enorme passivo fiscal, colocando-as nas mãos dos governadores, que terão, às vésperas das eleições, a oportunidade de limpar esse passivo e dar novos benefícios, como é permitido pela norma.

Acabará a guerra fiscal? Não se crê. As sanções descritas já existiam e não foram cumpridas — por qual motivo agora serão? Tal disputa federativa só acabará quando for alterado o sistema de ICMS, de cobrança predominante na origem para o destino. Ou federalizado o sistema. Não parece haver vontade política para isso.

O ponto altamente positivo da LC 160 é dar certeza sobre o passado — o que não é pouca coisa, observando o Brasil. Todas as empresas que possuíam provisionamento para enfrentar essa incerteza liberarão seus recursos, e quem tem lides administrativas ou judiciais envolvendo essa matéria, pode pedir baixa dos autos. Eventuais créditos podem ser reanalisados, pois pode ocorrer que, em algumas situações especificas, hajam recursos a serem recuperados.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!