Condições chinesas

Reforma trabalhista é influência do capital internacional, diz presidente do TRT-BA

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6 de agosto de 2017, 9h42

Divulgação/TRT-5
Maria Adna do Nascimento acredita que muitos pontos da reforma serão revistos nos tribunais, por serem inconstitucionais.
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Para a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (Bahia), Maria Adna Aguiar do Nascimento, a reforma trabalhista recém-aprovada pelo Congresso é um reflexo da influência dos grandes conglomerados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, a desembargadora baiana diz perder o sono pensando na entrada do capital internacional no país e afirma que há uma real ameaça à Justiça do Trabalho no Brasil. A China é uma das principais, pois não tem “nenhum ordenamento jurídico trabalhista” e quer implantar as mesmas condições no Brasil.

Maria Adna defende a contribuição sindical obrigatória, é contra a liberação da terceirização de atividades-fim e aposta que muitos pontos da reforma trabalhista serão revistos pelo Supremo Tribunal Federal por serem inconstitucionais.

Contra a ideia de que a Justiça do Trabalho sempre ajuda o trabalhador, a desembargadora apresenta dados do TRT-5: Somente 2% dos pedidos foram totalmente julgados procedentes ao trabalhador, 16% totalmente improcedente, 30% terminaram em acordos e 40% foram julgados parcialmente procedentes.

A desembargadora assumiu a presidência do TRT-5 em novembro de 2015. Naquele momento, o Brasil entrava em um das maiores crises políticas e econômicas da sua história. Para enfrentar a situação, o uso da tecnologia foi imprescindível. De acordo com a magistrada, o lançamento do aplicativo TRT-5 para celulares ajudou a reduzir os custos do tribunal.

Maria Adna é graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e especialista em Direito Processual Civil pela Ufba e em Direitos Humanos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi procuradora do Trabalho e ingressou na magistratura, na vaga destinada ao quinto constitucional.

Leia a entrevista:

ConJur – A senhora assumiu a presidência do TRT da 5ª Região em momento de crise política e econômica grave do país. De que maneira, essa situação afetou o tribunal?
Maria Adna –
Eu assumi no dia 5 de novembro de 2015, quando já se descortinava essas questões políticas e se anunciava cortes no orçamento. Então, assumimos pensando em como vencer a crise no tribunal e traçamos algumas metas. A primeira, que achei a mais importante, foi criar um sentimento de valorização e unidade entre servidores, juízes e desembargadores no conceito de que a Justiça do Trabalho é uma Justiça da paz, social e que, ao longo da sua história, é de vital importância para nação brasileira. Ao lado disso, cuidamos da questão financeira. Fizemos as contas e verificamos onde poderíamos reduzir, porque nós tivemos 33% de corte de custeio e 90% em investimento no orçamento. O mobile foi a primeira ação concentra para que nós pudéssemos enfrentar o corte orçamentário, porque tínhamos que reduzir energia, contratos de terceirizados, estagiários, enfim, fazer economia. Ficamos sem condições de comprar um aparelho de celular. Tivemos que tomar emprestado um notebook da Apple da Universidade Federal da Bahia, para desenvolver o aplicativo. Fizemos uma solicitação à vice-reitora dizendo que não tínhamos recursos. Agora, que melhoramos o orçamento, nós devolvemos. Foi um momento que houve a solidariedade e a compreensão de todos. Mesmo dentro dessa possível normalidade continuamos economizando.

ConJur – Como o aplicativo para celulares ajudou na gestão do tribunal?
Maria Adna –
Nesse enfrentamento da crise, nós pensamos: como fazer para atender a população, os advogados, os empresários e, ao mesmo tempo, economizar? Vamos investir em tecnologia, que foi a grande opção. Temos uma equipe muito boa de servidores atualizados e comprometidos. Investimentos na capacitação e compra de software. Foi estratégico porque precisávamos reduzir a presença dos advogados nas varas. Não só por causa do corte no custeio e no investimento, mas também de pessoal. O advogado foi conscientizado de que ele tinha na mão [com o aplicativo] todas as informações. Não precisava se descolar para as unidades do Judiciário. É uma ferramenta democrática e transparente. Esse mobile é uma conquista da sociedade. Na gestão, esse aplicativo foi importante instrumento para enfrentar a crise.

ConJur – Na época do contingenciamento, o TJ-BA tentou implantar o turno único, com atendimento das 8h às 15h. Houve resistência da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil?
Maria Adna –
Não houve uma compreensão. Os advogados alegavam que deveriam ter aquele tempo tradicional à disposição e que [a mudança] era uma violação ao exercício da profissão. Ingressaram no Supremo e o ministro Luiz Fux deu aquela liminar e o nosso ato foi revogado parcialmente, no sentido de que estendemos [o atendimento] até às 17h. No mais, foi mantido. O problema de estender [o horário] é que tem uma legislação determinando quanto de [servidores de] limpeza e segurança têm que estar presentes. Então, é um impacto grande no orçamento. Mas estávamos com algum recurso e fizemos apertos em outras áreas. Ao lado disso, foi desenvolvido o mobile e eles [os advogados] ficaram seguros e deixaram de estar com essa exigência na prática, mas a liminar está mantida.

ConJur – Mas já houve uma melhora no orçamento do tribunal?
Maria Adna –
Houve. Nesse período, o tribunal contou com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que nos possibilitou algum recurso fora do orçamento. Nós mostramos a nossa necessidade, a capacidade de execução e de pagamento. Hoje, tem que executar e pagar até o dia 30 de dezembro, porque senão implica em redução do orçamento do ano seguinte. Isso os nossos servidores compreenderam e os nossos projetos foram executados e pagos. Quanto ao nosso orçamento deste ano, houve uma recomposição, mas nós continuamos na economia.

ConJur – Muitos especialistas têm dito que a reforma trabalhista aprovada recentemente no Congresso foi uma reação política à jurisprudência da Justiça do Trabalho, que protege o trabalhador. A senhora concorda?
Maria Adna –
Toda ação tem uma reação. Há esse víeis de que houve essa reação por conta de um pensamento que se diz favorável ao trabalhador. Eu penso que temos de evoluir. Após a Constituição de 1988 e das leis ordinárias, trabalhou-se muito o conceito de direitos, porque viemos de um período sem direitos. A legislação ordinária foi só nessa linha e não se fez a contrapartida dos deveres. A gente verifica isso no dia a dia. Você contrata e o profissional que saber quais são os seus direitos, mas jamais pergunta: E os meus deveres? Essa foi uma falha cometida pela sociedade. Historicamente o Brasil foi um país escravagista, então, o TST conduziu os julgamentos nessa linha compensatória, que são os princípios do Direito do Trabalho. Mas o Congresso, com empresários em sua maioria, achou que era o momento de reagir e reagiu com a reforma trabalhista.

ConJur – A senhora acha que a Justiça do Trabalho favorece o empregado?
Maria Adna –
No nosso TRT, fizemos um estudo e verificamos que, em nossos julgados, somente 2% dos pedidos foram totalmente julgados procedentes ao trabalhador, 16% totalmente improcedente, 30% de acordo e 40% parcialmente procedente. Esse conceito de que a Justiça do Trabalho só decide em favor do empregado, pelo menos na 5ª Região, não é bem assim.

ConJur – A senhora acredita que haverá agora uma reação dos trabalhadores?
Maria Adna –
Ainda não se conhece bem essa situação. O meu balizador é Constituição de 1988 e os direitos dos trabalhadores estão lá. Se modificar a Constituição, aí sim tem esse norte. Mas a reforma trabalhista, no que for inconstitucional, será revista. No mais, acho que houve muita campanha e pouca discussão. O diferencial não é a reforma trabalhista nem essa reação, mas a entrada do capital internacional. Por que a reforma não é nem tanto pelos empresários? É porque o capital internacional quer interferir na nossa legislação interna. Essa para mim que é a preocupação. Não é porque o TST modificou sua súmula ou jurisprudência. Nada disso.

ConJur – Houve uma pressão internacional para mudar a legislação trabalhista brasileira?
Maria Adna
– Sim. Para mim, não foi nem o Congresso, mas o capital internacional pressionando as nossas empresas, comprando as ações e, para tanto, precisa da nossa estrutura. A China me preocupa, porque não tem nenhum ordenamento jurídico trabalhista. Então, mais do que o Congresso, eu acho que é o capital internacional que está entrando sem nenhum ordenamento. Não tem nos seus países e querem encontrar as mesmas condições [aqui]. Dizem que vão acabar com a CLT, vão fazer uma reforma trabalhista, mas isso é uma coisa pontual. O alvo mesmo é a Justiça do Trabalho.

ConJur – Um dos pontos mais polêmico da reforma trabalhista é o fim da contribuição sindical obrigatória. O que a senhora pensa sobre essa questão?
Maria Adna –
A contribuição sindical obrigatória já vinha sendo tema de debate. Isso é sempre um desvio, porque tem muita gente que tem raiva. Mas o trabalhador pode renunciar. É um poder dele. Eu acredito que os sindicatos precisam ser revistos. A pauta tem que se atualizar para o momento e compreender que não se deve levar por coisas pontuais. Se o sindicato for bom, ele se mantém. Agora, tem sindicatos de trabalhadores que não têm uma grande representação econômica. Mas quando se pensa na discussão sobre sindicatos é sempre voltada para São Paulo. Não se pensa no Nordeste, no Norte, onde os sindicatos precisam dessas contribuições para sobreviver e representar. Os lugares que não têm representações econômicas, como vão sobreviver? O Brasil é muito grande.

ConJur – A senhora então acha que deveria ser mantida a contribuição sindical obrigatória?
Maria Adna
– Acho. Não podemos tomar como norte apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, os grandes centros econômicos. Temos que encontrar um meio-termo. E é uma opção do trabalhador decidir se contribui ou não. Os sindicatos patronais também recebem contribuições das empresas que são associadas a eles, mas isso ninguém fala. Só fala dos trabalhadores. É por isso que tem que ter essa reforma e o diálogo. O que vai para mídia só é a contribuição dos trabalhadores, mas os empregadores também contribuem. E eles também não gostam de contribuir.

ConJur – Ao lado da reforma trabalhista, era importante ter uma sindical?
Maria Adna –
Tem no Congresso Nacional proposta de reforma sindical. Tem que ter porque precisa renovar a pauta. Acho que tem que ter com ampla participação dos trabalhadores. Inclusive, havia alguns anos atrás um fórum para discutir a reforma sindical, mas não foi adiante.

ConJur – Há um discurso no Brasil de que a legislação trabalhista prejudica o crescimento da economia. A senhora concorda?
Maria Adna –
Não, pelo contrário, a legislação trabalhista ajuda a economia. Aí é o capital internacional sem regulação que quer vir para o Brasil. Nós chegamos a ter uma das maiores economias do mundo dentro das normas que temos. Minha única preocupação é com o capital internacional que não é regulamentado nos países de origem. Isso me tira o sono.

ConJur – Houve uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal de que a administração pública não é responsável pelas dívidas dos terceirizados. O que a senhora achou desse entendimento do STF?
Maria Adna –
A terceirização já começou com um certo vício. Eram empresas de empresários, que não tinham a intenção de cumprir a legislação, e celebraram contratos com a administração pública direta ou indireta. Mas faltou o compromisso deles de pagar pela força do trabalhador que terceirizava. Essa decisão do STF explica que quem contratar precisa fiscalizar, porque a grande maioria dos entes públicos que tomava [o serviço] não fiscalizava. O erário público respondeu a muitos pagamentos que, no fundo, deveriam ser fiscalizados pelos gestores que celebraram contratos com as empresas terceirizadas. Então, acho que o STF protegeu o dinheiro público. Essa decisão é moralizadora e tem que ser aprofundada.

ConJur – A Procuradoria-Geral da República ingressou com ADI no STF contra a lei que libera a terceirização da atividade-fim. O que senhora pensa sobre isso?
Maria Adna –
Sou contrária à liberação da terceirização na atividade-fim. A atividade-fim é a finalidade da empresa, onde empregou todo o seu investimento. Terceirizar sempre é um problema, porque não remunera igualmente nem dá os mesmos direitos dos outros. O trabalhador, às vezes, trabalha mais e ganha menos do que alguém que é da instituição. Tenho muitas dúvidas sobre esse novo ordenamento jurídico, mas duas posições consagradas: a primeira é que seguirei a Constituição de 1988 e a segunda é de que sou totalmente contrária a terceirização de atividades-fim.

ConJur – O que a senhora pensa sobre a mudança que prevê a quitação anual de obrigações trabalhistas perante os sindicatos?
Maria Adna –
É inconstitucional. Tem que se discutir sempre pela luz da Constituição de 1988. Pelo conjunto do que está aí, os sindicatos devem questionar muitas inconstitucionalidades na reforma trabalhista.

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