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Caráter público da magistratura permite que jornalistas critiquem decisões de juiz

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5 de agosto de 2017, 7h52

As críticas feitas pela imprensa são protegidas constitucionalmente, principalmente quando direcionadas a pessoas públicas. Nessa classificação entram políticos e servidores públicos, como magistrados. Esse entendimento, já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, foi usado pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para absolver o jornalista Ricardo Boechat em uma ação movida por uma juíza do Rio de Janeiro.

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“Se fosse uma filha minha, essa senhora estaria cuspindo na minha cara", disse Boechat no sobre a juíza.
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A decisão foi tomada por maioria (4 votos a 1) na ação apresentada por Elizabeth Louro, juíza da 4ª Vara do Júri do Rio de Janeiro, depois que Boechat a criticou em seu programa na Rádio Bandeirantes. Em 2011, o jornalista repudiou a decisão da magistrada de liberar um homem que degolou uma mulher de 21 anos. (Clique aqui para ouvir o programa)

Boechat, representado na ação pelos advogados Lourival José dos Santos e Anderson Fernando Luizeto de Souza, afirmou que a impunidade no Brasil também é culpa das “figuras de toga”, pois aplicação das leis é feita de “maneira fria pelo magistrado”. Em entrevista ao jornalista, Elizabeth Louro justificou que a prisão preventiva só poderia ser decretada se o réu pudesse atrapalhar o processo.

A juíza detalhou que o nível de crueldade do crime é um fator isolado, que não é considerado para definir a necessidade da medida, e destacou que havia suspeitas de que o crime teria sido passional. “Caso você degole alguém covardemente, não se preocupe com a lei, com o caráter, o clamor público ou com a crueldade ou requinte de violência do seu crime, porque a juíza Elizabeth Louro o deixará preso apenas por 44 dias. É o preço de uma vida, segundo o elevado conhecimento jurídico da juíza”, rebateu Boechat.

A juíza, então, explicou ao jornalista que a responsabilidade dela é “zelar que o direito fundamental dos réus sejam preservados enquanto estiverem sendo processados”. Em resposta, o jornalista disse que essa afirmação mostrava que a magistrada é “muito preocupada em preservar os direitos desse assassino”. E complementou: “Se fosse uma filha minha, essa senhora estaria cuspindo na minha cara. Gostaria de perguntar para a senhora: se fosse sua filha, a senhora repetiria esse discurso absolutamente absurdo que acabamos de ouvir?”

Críticas por exposição
O relator do caso na 7ª Câmara Cível do TJ-RJ, desembargador Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, entendeu que a manifestação de Boechat, embora contundente, não caracterizou abuso de direito por conta da função pública exercida pela autora da ação. Esse contexto, segundo o relator, faz com que o fato seja classificado como direito de crítica à decisão judicial, que está dentro da liberdade de imprensa.

Ele destacou em seu voto que o STJ tem jurisprudência sobre tema, entendendo que, se o caso envolve pessoa com vida pública, a proteção à privacidade é menor em relação ao direito de crítica por causa do cargo ou da posição social do criticado. “Apesar do tom passional da matéria, não houve qualquer ofensa pessoal à magistrada que, inclusive, se propôs a justificar sua decisão em entrevista espontaneamente concedida à emissora, não havendo que se falar em ilegalidade na utilização de trechos dessa manifestação na reportagem.”

A decisão mencionou ainda o REsp 1.297.787. Nesse caso, o STJ definiu que magistrados e agentes políticos têm seu direito à privacidade “abrandado ante o direito de crítica jornalística”. “Em uma sociedade democrática, o direito de criticar as decisões judiciais — dentro ou fora dos autos — é emanação da garantia constitucional da livre manifestação do pensamento e da publicidade de todos os julgamentos (CF, art. 93, IX)”, finalizou.

Clique aqui para ler a decisão.

Apelação Cível 0333810-02.2011.8.19.0001

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