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Transferência da Faculdade de Direito da Uerj limitaria diálogo, dizem professores

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4 de agosto de 2017, 18h08

Um grupo de professores da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) não gostou na notícia de que a entidade pode se mudar do Maracanã, na zona norte do Rio de Janeiro, para o centro. Segundo eles, o assunto não está sendo conduzido de forma democrática e a mudança prejudicaria o diálogo de alunos e professores com outras áreas do conhecimento e realidades sociais.

Divulgação/Uerj
Para professores, localização da Uerj no Campus Maracanã permite integração com outros cursos e realidades sociais.
Reprodução

Acontece que outro conjunto de professores está negociando com o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Milton Fernandes de Souza, que a corte ceda à Uerj o antigo prédio do Tribunal de Alçada e do Júri, que fica na rua Dom Manuel.

O objetivo é aproximar a faculdade do centro, onde está localizada a maioria dos escritórios de advocacia, tribunais e órgãos públicos, afirmou o diretor da Faculdade de Direito, Ricardo Lodi. Já o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que também é professor da Uerj, disse que o intuito é criar uma instituição "nos moldes de Harvard".

“Vamos instalar no Rio uma academia jurídica como em Harvard, para qualificar juízes e servidores com doutorado, mestrado e pós-graduação”, disse Fux, nesta segunda-feira (31/7) em palestra no Rio. O colega dele no STF Luís Roberto Barroso também está por trás dessa articulação pela mudança, informou Anselmo Góis, colunista do jornal O Globo.

Mas os docentes Alexandre Mendes, Bethania de Albuquerque Assy, Caroline Ferri, Guilherme Leite Gonçalves, José Ricardo Cunha e Ricardo Nery Falbo criticam a proposta. Em nota, eles dizem que o isolamento da Faculdade de Direito fariam com que professores e alunos desperdiçassem a chance de conviver com outras realidades acadêmicas e sociais.

“A Faculdade de Direito da Uerj superou o isolacionismo que as faculdades de Direito do Brasil não conseguiram romper. Com isso, se inseriu em um espaço de reflexão e enfrentamento dos problemas sociais existentes no Brasil, produzido pelos diversos programas e faculdades da Uerj, que lhe colocaram múltiplos desafios. Com isso, pôde contribuir: com um conhecimento jurídico aberto, com a implementação da política de cotas, com a construção de um ciclo de cidadania sempre ameaçado. Se ela se mudar da universidade para o tribunal, perde não só o espaço físico que já conquistamos na universidade, mas corre o risco de perder também sua abertura para a diferença”, argumentam.

De acordo com os professores, essa mudança também prejudicaria os alunos, pois dificultaria que cursassem disciplinas de outras faculdades da Uerj e resolvessem problemas administrativos. Além disso, com a atual crise da universidade, a separação da faculdade de Direito passaria uma mensagem negativa para os demais docentes, servidores e alunos, apontam: “No lugar da coesão, o distanciamento”.

Mesmo que, por ora, apenas os cursos de pós-graduação stricto sensu fossem para o centro, já que Ricardo Lodi declarou que a transferência da graduação não poderia ser feita no curto prazo, a mudança seria negativa, opinam Mendes, Bethania, Caroline, Gonçalves, Cunha e Falbo. Isso porque os estudantes de mestrado e doutorado, especialmente os de fora do Rio, também precisam da biblioteca e do restaurante universitário.

E mais: conforme os professores, a integração entre graduação e pós-graduação é tão relevante que faz parte dos mecanismos de avaliação dos cursos pelo Ministério da Educação e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Negociação sem debate
Na nota, os docentes também criticam que um pequeno grupo esteja negociando uma mudança tão grande sem ouvir a comunidade acadêmica.

“A Faculdade de Direito é um lugar onde estudam e/ou trabalham centenas de alunos e servidores, sejam técnico-administrativos, sejam docentes. O que autoriza e legitima um pequeno grupo a travar negociações sem sequer consultar os demais membros da comunidade, inclusive seus próprios pares? Concordando ou não com a proposta, a grande maioria tem boas razões para se sentir preterida em seu próprio ambiente de trabalho e vida”.

Porém, Ricardo Lodi afirmou que nada será decidido sem um “amplo debate na comunidade acadêmica, em que a proposta se revele adequada às necessidades e anseios de alunos, professores e servidores técnico-administrativos”. Além disso, ele disse que a mudança só será concretizada se for aprovada pelas instâncias universitárias competentes.

Os professores ainda questionaram os interesses do TJ-RJ em ceder o prédio à Faculdade de Direito da Uerj. “Esperaria o TJ que, em contrapartida à cessão do prédio à faculdade, ministrasse cursos aos seus servidores, magistrados ou técnico-administrativos? Ou que a faculdade reservasse vagas em seus cursos já existentes para aqueles servidores? Seria a pós-graduação stricto sensu a moeda de troca desejada pelo tribunal?”, questionaram, ressaltando que seria “temerário” exigir esse “tipo de escambo”.

O TJ-RJ já disse que uma eventual transferência não aumentaria as despesas da corte.

Clique aqui para ler a nota.

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