Amiga da corte

E-mails de Ada Pellegrini diferenciam substituição e representação processual

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2 de agosto de 2017, 15h51

Fazer com que os tribunais entendam a distinção entre substituição e representação processual de uma associação foi o objetivo de e-mails enviados pela jurista Ada Pellegrini Grinover logo antes de morrer, na noite do dia 13 de julho.

OAB/PR
Direito coletivo brasileiro não foi adotada a técnica do "opt-in", afirmou Ada Pellegrini.
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Naquele mesmo dia, ela encaminhou à Associação Nacional para Defesa da Cidadania Meio Ambiente e Democracia (Amarbrasil) a petição para ingressar como amicus curiae em uma batalha que a associação trava com operadoras de telefonia.

“Sei muito bem qual é o foco das operadoras e o que elas miram é confundir a substituição com a representação, para abortar todas as ações civis públicas baseadas na lei da ação civil pública e no Código de Defesa do Consumidor. É isto que temos que combater agora”, escreveu a jurista, ao se prontificar a intervir na causa.

Ada foi procurada pelo advogado e fundador da associação, Uarian Ferreira, que havia sofrido um revés no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Na ação, a Amarbrasil pede que a Justiça declare ilícitos os serviços de caixa de mensagem oferecidos pelas operadores de telefonia móvel e a devolução dos valores cobrados por estes serviços nos últimos cinco anos.

A sentença condenou as operadores para que deixem de cobrar pelo serviço, sem que o consumidor tenha optado, ativamente, por sua adesão. Mas negou o pedido de restituição dos valores.

As partes recorreram. A associação pedindo a restituição, e as operadores alegando, entre outras coisas, a ilegitimidade da Amarbrasil. Em decisão monocrática, o desembargador Flávio Rostirola acolheu os argumentos das operadoras, extinguindo a ação civil pública por falta de representatividade. Segundo o desembargador, por não possuir autorização dos associados, a Amarbrasil não teria legitimidade para propor a ação.

Foi então que Uarian procurou a processualista, que se prontificou a ingressar no caso. "Terei o maior prazer em intervir no processo como 'amicus curiae', pois muito me interessa que os tribunais entendam a distinção entre substituição processual e representação processual da associação. Os pedidos da inicial são quase todos indicativos da substituição processual (que não exige autorização dos associados) pois se voltam a beneficiar todos os consumidores. Só o último é que se enquadra na representação, pois visa à tutela dos associados", escreveu a jurista em um e-mail.

Eles trocaram e-mails para discutir questões processuais. A jurista recomendava que a associação deixasse de lado o pedido que se enquadrava na representação. Isso porque a Amarbrasil tentou na ação emplacar a técnica do "opt-in right" (adesão). Por essa técnica, todos os associados que optarem por aderir à causa até o trânsito em julgado da decisão seriam favorecidos por ela.

Mas segundo Ada Pellegrini, no Direito coletivo brasileiro não foi adotada a técnica do "opt-in". Ela ressaltou que a jurisprudência (inclusive do Supremo Tribunal Federal) é firme no sentido de que a coisa julgada, nos casos de representação, só abrange os associados que deram autorização antes do ajuizamento da ação.

O advogado Uarian Ferreira contra-argumentou, defendendo que o exercício do "opt-in right" como saída para o desenvolvimento da Democracia Participativa. "Não há lógica e razoabilidade exigir que a Associação ajuíze sucessivas ações de modo a atender à 'representação' de cada um (ou grupo) de novos associados, por óbvio não relacionados ou não 'apontados na petição inicial' como beneficiários", afirmou o advogado.

Independentemente desta questão, a jurista deu continuidade ao seu interesse em intervir na causa. No dia 12 de julho protocolou o pedido no TJ-DF para ingressar a ação como amicus curiae.

No dia 13, ela ainda encaminhou à associação outro pedido, para que fosse protocolizado também na Justiça Federal, onde corre outra ação da Amabrasil contra as operadoras de telefonia. Porém, poucas horas depois do último e-mail enviado à Amarbrasil a advogada morreu em sua casa.

Ao longo dos seus 84 anos, Ada participou da reforma do Código de Processo Penal e do Código de Defesa do Consumidor, foi coautora da Lei de Interceptações Telefônicas, da Lei de Ação Civil Pública e da Lei do Mandado de Segurança e fez pesquisas sobre meios alternativos de solução de controvérsias. A morte da jurista Ada foi sentida em toda a comunidade jurídica do país. 

Batalha contra as operadoras
Em 2012 a Amarbrasil ingressou com duas ações civis coletivas na Justiça Federal de Brasília contra as operadoras de telefonia celular. Uma para obrigar as operadoras a substituírem e suspenderem os serviços aos celulares piratas, que foi distribuída ao juízo da 7ª Vara Federal de Brasília.

De acordo com um levantamento da associação, naquela época o número de celulares piratas era de 10% a 20% do total. Segundo Uarian, nesta ação a formulação da Amarbrasil foi feita unicamente com base na substituição processual autorizada pela Lei de Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor, denominada Ação Civil Coletiva para Defesa de Direitos Transindividuais.

Na outra ação, a associação pediu para que fosse declarada a ilicitude do serviço de caixa de mensagem, com a restituição dos valores indevidamente cobrados e indenizações. Inicialmente a ação foi distribuída à 1ª Vara Federal de Brasília, que chegou a conceder liminar favorável à associação. Porém, em um segundo momento o juiz excluiu a Anatel da causa e a remeteu para a Justiça comum e agora tramita no TJ-DF.

Nesta ação, além da substituição dos consumidores, a Amarbrasil pediu o direito de "opt-in right". De acordo com Uarian, a técnica é admitida na legislação brasileira (artigo 103, §3º combinado com o artigo 104 do CDC), pois privilegia economia de tempo, atos e energias da atividade jurisdicional, também de estímulo à efetividade e exercício pleno e defesa da cidadania.

Clique aqui para ler o agravo da Amarbrasil que mostra a troca de e-mails com Ada Pellegrini.

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