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Supremo derruba leis do RJ que aguardavam julgamento há mais de 24 anos

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1 de agosto de 2017, 16h23

A advogada Anna Maria da Trindade dos Reis estava grávida quando, em 1993, a Confederação Nacional do Comércio questionou uma lei do Rio de Janeiro que mandava supermercados contarem com um funcionário extra em cada caixa, para empacotar compras. Nesta terça-feira (1º/8), no mesmo dia em que o filho faz aniversário de 24 anos, a representante da entidade no processo acompanhou julgamento em que o Supremo Tribunal Federal declarou a norma inconstitucional.

Anna Maria também é advogada da confederação em outro processo julgado nesta terça, em andamento desde 1991, contra norma que obrigava qualquer comércio a cercar estacionamentos gratuitos para clientes e manter vigilância dos carros.

As duas ações, que só tiveram parecer da Procuradoria-Geral da República em 2002, foram analisadas na primeira sessão da corte depois do recesso de julho. Por maioria de votos, o Plenário concluiu que ambas as normas violavam a livre concorrência.

A Lei Estadual 1.784/1990 obrigava estacionamentos fechados e com segurança para qualquer pessoa física ou jurídica com vagas para carros, independentemente do porte do comércio. O texto também responsabilizava o dono do estacionamento por quaisquer furtos ou roubos e determinava que fossem contratados “empregados próprios” para a vigilância.

Todos os ministros presentes viram inconstitucionalidade no artigo 1º da lei, que impedia a terceirização do serviço. Houve divergência, no entanto, sobre a possibilidade de estados legislarem sobre o tema. Prevaleceu a tese do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que entendeu ser restrita à União a competência para tratar do assunto. Nesse ponto, o julgamento acabou em 6 a 3.

Carlos Humberto/SCO/STF
Barroso disse que estado só deve interferir na economia quando Constituição legitima esse tipo de intervenção.
Carlos Humberto/SCO/STF

O ministro Luiz Fux foi um dos que concordou com o relator. Para ele, o Código de Defesa do Consumidor já regula a relação entre cliente e empresário nos estacionamentos e não há espaço para legislação concorrente. Não pode o estado, afirmou, inovar em relação à lei federal.

O ministro Alexandre de Moraes divergiu, sustentando que a limitação de poder para os legislativos estaduais está esvaziando esses órgãos. “Essa interpretação ampla das competências da União parece que vem revertendo a intenção do constituinte de ampliar as competências estaduais. Depois do Congresso, as Câmaras Municipais têm muito mais possibilidades que as assembleias. Lamentavelmente, as assembleias esbarram nas questões privativas da União e nos interesses locais que são incumbências das Câmaras”, analisou.

Na mesma linha, o ministro Ricardo Lewandowski fez um discurso incisivo em relação ao fortalecimento do federalismo brasileiro, que, segundo ele, é preciso ser posto em prática no Brasil. O ministro defendeu a autonomia dos deputados estaduais para legislarem sob o ponto de vista das peculiaridades de cada região. O ministro Luiz Edson Fachin também acompanhou a divergência.

O ministro Gilmar Mendes reconheceu a necessidade de se ressaltar a concentração da competência da União. No caso específico, contudo, ele declarou que a lei criaria um “quadro de insegurança jurídica”.

Caixas de supermercados
Criada em 1993, a Lei estadual 2.130 determinou que supermercados do Rio de Janeiro prestassem serviços de empacotamento e tivessem funcionários em cada “máquina registradora” para colocar compras nas sacolas.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Para Alexandre de Moraes, impedir leis esvazia papel dos Legislativos estaduais.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

O relator, ministro Alexandre de Moraes, só foi contrário ao artigo 1º da lei, que criava a função de empacotador. Para ele, o dispositivo feria o artigo 22, inciso I, da Constituição, que prevê ser competência privativa da União legislar sobre Direito do Trabalho.

Em relação à obrigatoriedade do empacotador, porém, Moraes avaliou que se trata de um trabalho com finalidade de evitar filas, possibilitando ao consumidor ter um serviço melhor prestado. Segundo ele, os estados possuem competência concorrente à União para legislar sobre Direito do Consumidor, e a lei questionada não geraria custo a mais ao estabelecimento.

O relator foi novamente acompanhado pelos ministros Fachin e Lewandowski, mas venceu voto divergente de Roberto Barroso. Ele afirmou que o estado só deve interferir na economia pelos fundamentos constitucionais que legitimem essa intervenção.

Na prática, a lei dos empacotadores estava sem validade desde 1993, por meio de liminar. Já a norma dos estacionamentos estava oficialmente em vigor, embora nunca tenha funcionado. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

 

ADIs 451 e 907

* Texto atualizado às 18h22 do dia 1º/8/2017.

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