Opinião

Só em último caso Justiça deve ser chamada a resolver casos de bullying

Autores

  • Flavio Quinaud Pedron

    é sócio do Pedron Advogados doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) professor na UniFG (Bahia) na PUC-Minas e no IBMEC editor-chefe da Revista de Direito da Faculdade Guanambi e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional da Associação Brasileira de Direito Processual e da Rede Brasileira de Direito e Literatura.

  • Allan Milagres

    é mestre em Direito pela PUC-MG assessor da Diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em Brasília presidente da Comissão Estadual de Direito da Infraestrutura da OAB-MG professor de Direito da graduação da Anima Educação e da pós-graduação da PUC-MG professor convidado da Escola Brasileira de Direito (Ebradi) e advogado.

29 de abril de 2017, 7h30

“Não é a canetada de um juiz que resolve algo tão complexo”. Essa foi a expressão utilizada pelo médico especialista em psiquiatria da infância e adolescência, Gustavo Teixeira, num artigo publicado pela revista Veja BH (bullying é caso de Justiça?), no qual asseverou “que deveriam ser criados programas antibullying de maneira sistematizada e continuada nas instituições (de ensino), objetivando a orientação dos pais, professores e estudantes para o desenvolvimento de estratégias contra o problema”.

Advertiu aquele especialista que “aquela conduta agressiva, seja física, seja verbal, que ocorre de forma repetitiva, sem motivação evidente, executada por um ou vários estudantes contra outro, em uma relação desigual de poder” (bullying) é um tema preocupante. Todavia, torna-se um “exagero levar os casos diretamente à Justiça (órgão jurisdicional) em vez de fazer um esforço para resolvê-los com a escola”, acrescentou.

Mesmo a partir de 1988, ano em que o Brasil “trouxe uma proposta interessante de modelo de Estado Constitucional”[1], os traços dos ideais sociais (Estados sociais) ainda perduram, uma vez que a função jurisdicional do Estado é ali considerada como uma faculdade de o juiz “dizer o direito” (jurisdictio)[2], estruturando um “sadio protagonismo judicial, devido ao fato de a Constituição ser o que os juízes dizem que ela é”[3].

Lamentavelmente, conquanto tenha se democratizado o Estado de Direito (a partir da Constituição de 1988), as instituições públicas deixaram (ou no caso brasileiro, jamais proporcionaram) de dar provimentos às demandas sociais[4], o que vem sendo desempenhado, em um papel central, pelo Judiciário. Ou seja, diante das falhas do Estado, “a esperança se volta para a justiça”[5].

Todavia, atribuir ao juiz esse papel-missão de substituto político (ativismo judicial) é um tanto quanto prejudicial. Não se deve esperar do Judiciário um provimento divino e equalizador das condutas humanas. Não é a canetada de um juiz que resolve algo tão complexo.

O povo, que é considerado destinatário do direito num paradigma democrático estatal, deve – sim – exigir seus direitos fundamentais (através do processo constitucionalizado), entretanto, deve-se fomentar, também, um diálogo e uma busca por experts capazes de desempatar problemas.

Não pretendemos apartar o jurisdicionado (cidadão) da função jurisdicional do Estado (equivocadamente denominada Justiça ou Poder Judiciário), mas compreender que determinada situação deve ser tratada (curada), por pessoa capacitada tecnicamente, como é o caso dos comportamentos agressivos praticados entre alunos (de maneira reiterada, vexatória e intencional) que devem ser escoltadas por educadores profissionais habilitados.

A instituição educacional deve contar com um quadro de profissionais cada vez mais preparados (técnicos verdadeiramente habilitados) para lidar com as crianças e adolescentes, sobretudo, exigir que os pedagogos (e gestores) participem de cursos e palestras (de maneira não casual) sobre assuntos atuais que os ajudarão a se manterem (de foram qualificada) cada vez mais próximos da criança e do adolescente.

No mesmo trajeto, deverão percorrer os responsáveis (os pais, por exemplo) pelo (a) garoto (a), pois, além de se manterem atualizados acerca dos “fenômenos” escolares, devem manter um diálogo constante com a instituição educacional, seja para fiscalizar o comportamento dos educadores (inclui-se os gestores), seja para indagar comportamentos alterados do aluno (dentro e fora de casa).

Àquela instituição responsável diretamente pela formação social, cultural e acadêmica da criança e do adolescente deve ser dada a oportunidade de participar do processo de análise e recuperação daquela vítima de bullying.

Não se pretende nessa ingênua exposição eximir a prestadora de serviços educacionais de qualquer responsabilidade civil (dependendo do caso, a escola deve realmente ser responsabilizada pela falha na prestação de serviço), mas se sustenta que o juiz não deve ser convocado a operar como agente da mudança social, transformando-o em um administrador, sob uma perspectiva utilitarista de entender o direito[6].

Dessa maneira, o direito fundamental de petição (direito de ação) deve ser exercido. No entanto, aqueles que mais podem, a princípio, acudir a criança ou o adolescente vítima de bullying são os técnicos educacionais (pedagogo, psicólogo, psiquiatra), salientando que estes profissionais precisam (e devem) se capacitar cada dia mais.

[1] DEL NEGRI, André. Controle de Constitucionalidade no Processo Legislativo. Teoria da Legitimidade democrática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.

[2] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.

[3] NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático. Uma Análise Crítica das Reformas Processuais. Curitiba: Editora Juruá, 2012, p. 183.

[4] NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático. Uma Análise Crítica das Reformas Processuais. Curitiba: Editora Juruá, 2012.

[5] NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático. Uma Análise Crítica das Reformas Processuais. Curitiba: Editora Juruá, 2012.

[6] NUNES, Dierle José Coelho. TEIXEIRA, Ludmila. Acesso à Justiça Democrático. Brasília: editora Gazeta Jurídica, 2013, p. 31.

Autores

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    é sócio do escritório Tolentino, Chernicharo & Pedron Sociedade de Advogados, doutor em Direito pela UFMG, e professor adjunto na PUC-Minas, IBMEC, Fumec e da graduação e do mestrado em Direito da Faculdade Guanambi (Bahia).

  • Brave

    é advogado, mestrando e pós-graduado em Direito Processual pela PUC-MG e presidente da Comissão de Direito Processual da OAB-MG (83ª subseção).

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