Olhar Econômico

Corrida pelas plantas biofábricas exige incentivo às pesquisas

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

27 de abril de 2017, 10h08

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]Embora a biotecnologia (tecnologia do DNA recambiante) impulsione a pesquisa em inúmeros campos da biologia e seja utilizada em várias áreas, há grande desconhecimento com relação ao assunto por parte do público em geral; concentrando-se as ações contrárias de ativistas, unicamente, às plantas geneticamente modificadas.

A biotecnologia é utilizada em várias áreas: na medicina, em animais, em produtos processados, em produtos de limpeza, no meio ambiente e nas plantas, conforme  se vê nos exemplos abaixo:

  • na insulina humana, fabricada com tecnologia brasileira e vendida  em todas as farmácias do Brasil, é obtida em bactérias transgênicas, que recebem o gene humano; nas vacinas para meningite e hepatite B, importadas de Cuba; nos hormônios de crescimento (somatropina), obtidos em bactérias transgênicas; no interferon, substância natural sintetizada no organismo humano para defesa contra vírus, assim como também no fator anti-hemofílico;
  • nos ratos modificados geneticamente para estudos biomédicos; na tilápia e no dourado, para crescerem quatro vezes mais que o normal, por força do gene com hormônio de crescimento; na drosophila e nos ratos com genes que simulam doença de Alzheimer;
  • no queijo (muitos países utilizam 100% de queijo coalho transgênico); e no vinho, que se servem de leveduras alteradas geneticamente, em larga escala;
  • nos detergentes biodegradáveis, conseguidos por meio de bactérias transgênicas;
  • Nos kits para diagnóstico da poluição por diferentes poluentes e nas bactérias transgênicas, utilizadas para biodegradação de vazamentos de óleos ou lixos tóxicos;
  • Nos genes de resistência a herbicida, a insetos, a vírus; e nos que modificam, quer a composição de lipídeos (óleos), quer com diferentes vitaminas (arroz pró-vitamina A).

A Lei  8.974, de 5 de janeiro de 1995, regulou os incisos II e V do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal e normatizou a utilização de engenharia genética, bem como a liberação de organismos geneticamente modificados, no meio ambiente.

Essa lei, entretanto, não impulsionou o uso da biotecnologia entre nós, em razão do questionamento feito por meio de ação civil pública, acerca de sua constitucionalidade e de possível conflito com a lei ambiental. O advento da atual lei de biossegurança (Lei 11.105/2005)  marca o real início do uso da biotecnologia no Brasil, que modificou nossa agricultura[1].

Tanto para a lei antiga, quanto para a vigente, a biossegurança é a manifestação concreta do princípio da precaução, competindo à CTNBio avaliar a segurança dos organismos geneticamente modificados (OGMs), tanto no aspecto da saúde, quanto no ambiental; vinculando suas decisões técnicas os órgãos fiscalizadores, como: Ministério da Agricultura, Ministério do Meio Ambiente e Anvisa. É da competência do CTNBio definir as atividades com OGM que, potencialmente, podem causar degradação ambiental significativa, e que, por consequência, necessitam de licença ambiental.

A lei atual harmonizou a legislação de biossegurança com a do meio ambiente, por ter modificado a descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981 — lei do meio ambiente —, estabelecendo que o uso da diversidade biológica pela biotecnologia e a introdução de espécies geneticamente modificadas, somente serão tidas como causadoras de degradação ambiental caso a CTNBio assim o considere, após análise caso a caso. Essa determinação, aliada à já citada vinculação das decisões técnicas desse órgão, acabou com o conflito jurídico existente ao tempo da Lei 8.974/1995.

Dentre as demais modificações operadas pela vigente lei de biossegurança lembrem-se: (i) inaplicabilidade aos OGMs e respectivos derivados do disposto na lei dos agrotóxicos — Lei 7.802, de 11 de julho de 1989 —, a não ser que eles sirvam de matéria-prima para a produção de agrotóxicos (artigo 39); dirimindo assim dúvida anteriormente existente; (ii) aumento dos membros do CTNBio de 18 para 27, prevendo quórum mínimo de 14 membros para a instalação de reuniões e de maioria absoluta para a tomada decisões (artigo 11); (iii) criação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), a que compete analisar, por requisição da CTNBio, a conveniência e oportunidade econômica de liberação comercial de OGM e derivados, assim como avocar para decisão final,  recursos de órgãos fiscalizadores relativos a essas liberações (artigo 8º); (iv) convalidação e permanência dos registros provisórios liberados com base na Lei 10.814, de 15 de dezembro de 2003, além de autorização de produção e comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificada tolerante a glifosato (artigos 34 e 35); (v) determinação de rotulagem informativa dos alimentos que contenham ou sejam produzidos com base em OGM ou derivados, destinados ao consumo humano e animal (artigo 40); e (vi) vedação de utilização, comercialização, registro, patenteamento e licenciamento de tecnologias  genéticas de restrição de uso (artigo 6º, inciso VII).

Consoante o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA): (i) devido ao manejo facilitado e às menores perdas em função de pragas (insetos e plantas daninhas), os OGMs têm maior potencial produtivo, colaborando para reduzir a pressão da agricultura sobre áreas de proteção ambiental. De acordo com o relatório divulgado pela entidade, em 28 de janeiro de 2015, se as 441,4 milhões de toneladas adicionais de alimentos e fibras produzidas globalmente entre 1996 e 2013 não fossem provenientes de cultivos geneticamente modificados, seriam necessários 132 milhões de hectares a mais, o equivalente à soma das áreas dos estados de maior produção agrícola no Brasil: Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul. O aumento de produtividade obtido pela adoção de biotecnologia é especialmente relevante no cenário atual, em que se buscam formas de viabilizar a produção de alimentos para uma população em crescimento (9,6 bilhões de pessoas em 2050), sem comprometer a sustentabilidade dos recursos naturais; (ii) devido ao manejo facilitado e às menores perdas em função de pragas (insetos e plantas daninhas), os OGMs têm maior potencial produtivo, colaborando assim para reduzir a pressão da agricultura sobre áreas de proteção ambiental. e (iii) em 2015, o Brasil cultivou 42,2 milhões de hectares (ha) com as culturas transgênicas, um crescimento de 4,7% em relação ao ano anterior. Com essa área, o país está atrás apenas dos Estados Unidos da América (73,1 milhões de ha) no ranking mundial de adoção de biotecnologia agrícola. Em seguida, aparecem Argentina (24,3 mi/ha), Índia (11,6 mi/ha), Canadá (11,6 mi/ha) e China (3,9 mi/ha). Em todo o mundo, 28 países plantaram 181,5 milhões de hectares com sementes transgênicas, um aumento de mais de seis milhões de hectares em relação a 2013. Isso demonstra que, cada vez mais, essa tecnologia vem sendo aceita, por oferecer benefícios agronômicos, sociais, econômicos e ambientais.

Face ao exposto precedentemente, compreende-se a afirmação de estudiosos, que (i) o papel da biotecnologia no crescimento do agronegócio, por aumentar a produtividade, capacita-se a suprir a procura de alimentos por parte de população permanentemente em expansão (Antônio Batista Filho); (ii) o volume de produção agrícola brasileira  aumentou mais de 100%, apesar da área plantada ter crescido somente 25% (Anderson Galvão).

A finalidade da biotecnologia aplicada à agricultura é desenvolver plantas saudáveis, mais produtivas, com menor impacto sobre o meio ambiente, por utilizarem menos inseticidas e terem menor custo de produção. Os benefícios das plantas transgênicas de primeira geração, entre as quais encontram-se as tolerantes a herbicidas ou resistentes a pragas, foram notados pelos agricultores, em virtude dos ganhos na fase de produção: diminuição no uso de substâncias químicas, maior rendimento e menor trabalho. A enorme área global de plantas geneticamente modificadas comprovam a sua aceitação. A segunda geração de plantas transgênicas desenvolverão alimentos mais nutritivos e saudáveis (óleo de canola enriquecido com betacaroteno, arroz com vitamina A e milho com mais proteína); enquanto que as plantas da terceira geração propiciarão imunização de organismos contra doenças (batatas com efeito de vacinas contra a hepatite B e bananas capazes de combater a diarreia infantil).

Em futuro próximo, as plantas tornar-se-ão biofábricas, beneficiando vários setores industriais, bem como a sociedade em geral. Para que o Brasil não seja obrigado a importar toda essa tecnologia, urge favorecer e dinamizar, com urgência, a pesquisa nacional no setor.


[1] Ver Rodas, João Grandino, Normativa ambiental é relativamente nova e indispensável. Revista Consultor Jurídico,  13 de abril de 2017.

Autores

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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