Opinião

Ano traz promessas na área de propriedade intelectual

Autor

  • Conrado Steinbruck

    é advogado associado de Murta Goyanes Advogados (equipe de resolução de disputas) pós-graduado em Direito da Propriedade Intelectual pela PUC-RJ.

26 de abril de 2017, 8h44

O dia mundial da propriedade intelectual é comemorado em 26 de abril de 2017 e tem como objetivo incentivar a discussão da matéria em nível global. A data escolhida em 2000 coincide com o trigésimo aniversário da entrada em vigor do tratado que criou a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).

A comemoração ocorrerá com eventos do INPI[1]  e ABAPI/ABPI[2], sob o tema “inovação — melhorando vidas”.

A prática da propriedade intelectual tem mesmo motivos para comemorar; recentemente foram nomeados 140 novos examinadores para o INPI, celebrado acordo entre Anvisa e INPI sobre a anuência prévia, simplificado o procedimento de averbação de contratos, proposto projeto de lei (PLS 62/2017) que garante autonomia financeira ao INPI, dentre outras notícias.

No mesmo período, o Superior Tribunal de Justiça julgou recursos inéditos que deram novos parâmetros para a interpretação e aplicação das principais leis de propriedade intelectual no Brasil.

É certo que apenas os processos julgados em sede de recurso repetitivo vinculam os magistrados das instâncias inferiores[3], mas normalmente servem como parâmetro para a aplicação da Lei. A seguir, comenta-se os julgados recentes de maior relevância para a área.

Possibilidade de intervenção do INPI em contrato de transferência de tecnologia
Em decisão unânime, a 2ª Turma reconheceu a legalidade da intervenção do INPI nos termos e condições de contrato firmado entre Unilever Brasil e Unilever Best Foods Brasil.

Na hipótese do REsp 1.200.528/RJ, o INPI condicionou a averbação do contrato de licença de uso da marca Lux a alterações substanciais em algumas cláusulas do contrato, como a remoção da obrigação da empresa licenciada de pagar royalties sobre percentual do preço líquido da venda dos produtos.

A empresa impetrou mandado de segurança requerendo a anulação do ato do INPI, inquinando de ilícita a intervenção da autarquia nos termos negociais avençados pelas partes. O relator ministro Francisco Falcão, contudo, votou por denegar a segurança, entendendo pela possibilidade de o INPI intervir no negócio jurídico celebrado em razão da sua missão constitucional e infraconstitucional de regulamentação de atividades da propriedade industrial.

Foram opostos embargos de declaração contra o acórdão, mas ainda não apreciados.

Importante apontar que o INPI publicou em 12 de abril de 2017, após o julgamento do referido caso, a Instrução Normativa 70[4], que simplifica e limita a atuação do instituto no procedimento de averbação de contratos de transferência de tecnologia.

Cobrança de direitos de execução pública por streaming
O REsp 1.559.264/RJ, cujo julgamento pela 2ª Seção teve início em 2016, mas foi concluído apenas em fevereiro de 2017, foi sem dúvidas um dos mais esperados do ano.

O recurso teve por objeto a legalidade da cobrança pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), entidade responsável pela arrecadação e distribuição de direitos de execução pública musical no Brasil, dos direitos de execução pública em músicas transmitidas pela internet via streaming.

A ação foi proposta pelo Ecad contra a OI por conta do serviço Oi Rdio, hoje extinto. Tanto o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entenderam ser indevida a cobrança, pois a transmissão das músicas individualmente a cada usuário não caracterizaria execução pública, já que cada usuário podia escolher qual música e quando escutá-la.

O acórdão estadual foi objeto de recurso especial do Ecad que, após a realização de audiências públicas, teve o julgamento iniciado com o voto do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no sentido de considerar a mera disponibilização das músicas na Internet, mesmo antes da sua execução pelo usuário, como sendo execução pública e, consequentemente, admitindo a cobrança dos respectivos direitos de execução pública.

O ministro Marco Aurélio Bellizze apresentou voto divergente, mas os demais ministros acompanharam a tese do ministro relator.

Embora o acórdão ainda não tenha transitado em julgado, o ministro Villas Bôas Cueva, já o utilizou para fundamentar seu voto no REsp 1.567.780/RJ, que é da sua relatoria, e tem objeto similar, desta vez envolvendo a transmissão de programas de televisão pela Internet.

O caso é de grande relevância, pois terá reflexos em outros relevantes debates na indústria da música, principalmente por ter reconhecido que a transmissão via Internet caracteriza nova modalidade de utilização a demandar prévia e expressa autorização dos titulares de direito, entendimento que muito provavelmente se estenderá ao comércio de música, antes feito em CDs e DVDs, através de downloads e streaming na internet.

Regra de competência territorial para apreciar demandas cujo pedido principal é a declaração da autoria sobre determinada obra e não a pretensão indenizatória
Embora não lide com aspectos de direito material, o resultado do REsp 1.138.522/SP relatado pela ministra Maria Isabel Gallotti, e cujo julgamento foi concluído pela 2ª Seção em fevereiro de 2017, também apresenta impactos na advocacia de propriedade intelectual.

Nesse processo, debateu-se a aplicação do entendimento previamente consolidado pela própria 2ª Seção no EAg 783.280/RS em fevereiro de 2011, no sentido de facultar ao autor a escolha entre o foro do seu domicílio, o do domicílio do réu ou o do local do fato para dirimir demandas que contenham pedido indenizatório fundado na infração a um direito de propriedade industrial ou prática de concorrência desleal.

Para limitar a aplicação daquele julgado, o colegiado analisou os pedidos na petição inicial, elegendo o pedido declaratório acerca da autoria da obra em disputa como principal, e distinguiu o fato de que a causa de pedir dos processos é distinta (infração a direito de propriedade industrial e de direito autoral).

Assim, declarou ser incompetente o foro do domicílio do autor da demanda, determinando a remessa ao foro do domicílio do réu, prestigiando a regra geral de competência (artigo 46 do CPC/2015) contra a regra especial para reparação de dano decorrente de delito (artigo 53, V, do CPC/2015).

Foram opostos embargos de declaração contra o acórdão, mas ainda não apreciados.

Prazo para exercício do direito de precedência ao registro de marcas
Por unanimidade, a 3ª Turma do STJ negou provimento ao REsp 1.464.975/PR e reconheceu que o direito de precedência ao registro de marcas pode ser exercido judicialmente, respeitado o prazo de cinco danos da ação de nulidade de registro prevista nos artigos 173 a 175 da Lei 9.279/96.

O direito de precedência ao registro é garantido a quem utilizava de boa-fé, há pelo menos seis meses, marca idêntica ou semelhante a outra requerida perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial para designar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim ao do utente.

É a primeira vez que o STJ se manifesta expressamente sobre o assunto e a decisão pode impactar diretamente nas atividades do INPI, que entende que o referido direito apenas pode ser exercido em sede de oposição a pedido de registro. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, responsável por julgar a maioria das ações envolvendo registro de marcas no país, também pode mudar de entendimento, já que reconhece o exercício do direito em questão apenas até a concessão do registro.

A relatora foi a ministra Nancy Andrighi e já ocorreu o trânsito em julgado.

A expectativa para 2017 é que o STJ julgue outros casos igualmente relevantes à prática de propriedade intelectual, quiçá mais impactantes, a exemplo do REsp 1.527.232/SP que foi afetado em 2016 pelo ministro Luis Felipe Salomão para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos pela 2ª Seção (tema 950).

Nesse recurso discute-se a possibilidade de a justiça estadual (1) impor ao titular de marca registrada pelo INPI a abstenção do seu uso e (2) determinar com base em alegação de prática de concorrência desleal a abstenção de uso de elementos que compõem a configuração visual de um produto ou serviço (também chamada de “conjunto-imagem” ou ”trade dress), mas que não estejam registrados no INPI.

Convidados a se manifestar, a ABPI, a CNI e o INPI participam do processo como amicus curiae, e o Ministério Público Federal como custos legis, já com parecer nos autos. Ainda não foi designada audiência pública ou data de julgamento, mas a estimativa mais encorajadora é de que o julgamento do recurso tenha início ainda neste ano.

Portanto, 2017 é um ano que traz promessas na área da propriedade intelectual, sobretudo pelas recentes ou pelas futuras decisões do STJ sobre a matéria, renovando teses passadas e consolidando novos entendimentos para o futuro.

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