Opinião

Cabe ao STF dar um basta ao espetáculo midiático da condução coercitiva

Autor

26 de abril de 2017, 7h22

O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade do artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP) em sede de Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) envolve muito mais do que uma questão de recepção, ou não, de um dispositivo que há muito se mostra anacrônico na ordem jurídica inaugurada pela Constituição Federal de 1988. Aliás, o julgamento do mencionado dispositivo processual penal, apesar de sua íntima relação com alguns dos desdobramentos mais espetaculares e midiáticos das diversas fases da operação "lava jato", na verdade, indicará o que podemos esperar do futuro do país em um aspecto de suma relevância.

Em apertada síntese, perceberemos se estamos de fato vivendo, ou indo na direção, de um Estado Democrático de Direito fundamentado na dignidade da pessoa humana, conforme consta no artigo 1, III da Constituição Federal, ou se nos converteremos no que o vencedor do prêmio Nobel de literatura, Mário Vargas Llosa, definiu como “a civilização do espetáculo”.

Em sua literalidade, o artigo 260 do CPP determina que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. Ora, o dispositivo legal é bastante claro: a condução coercitiva somente deveria ter aplicabilidade no caso de descumprimento de anterior intimação, e no âmbito de um processo judicial. Todavia, suspeitos têm sido conduzidos coercitivamente ainda durante a fase de investigação, e sem que qualquer notificação ou intimação anterior tenha sido expedida, em uma interpretação eminentemente ampliativa.

A medida em tela, que já foi utilizada mais de 200 vezes somente na operação "lava jato" viola uma série de dispositivos e princípios constitucionais, tais como a presunção de inocência, o direito ao silêncio, o direito a não produzir prova contra si mesmo, o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, e o sistema acusatório, todos essenciais a tutela das liberdades individuais em qualquer Estado Democrático de Direito que se preze.

Todavia, a condução coercitiva de suspeitos em verdadeiros espetáculos públicos tem se convertido em pré-julgamentos popularescos que produzem danos irreparáveis a pessoas que ainda não tiveram a oportunidade de exercer seu direito de defesa em um processo regulamente formado. Esta espetacularização contínua, repetida e exagerada, termina por exercer um papel antidemocrático na sociedade, pois banaliza os abusos cometidos contra cidadãos que ainda não são, sequer, réus.

A violação de direitos e garantias fundamentais, desta maneira, assume um viés perigoso de diversão pública e irresponsável que pode degenerar no enfraquecimento das instituições públicas e políticas.

O já mencionado Mario Vargas Llosa comentou de maneira muito lúcida em sua obra que se chama, apropriadamente, “A Civilização do Espetáculo”, que “só um puritano fanático poderia reprovar os membros de uma sociedade que quisessem dar descontração, relaxamento, humor e diversão, a vidas geralmente enquadradas em rotinas deprimentes e às vezes imbecilizantes. Mas transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se tem consequências inesperadas: a banalização da cultura, generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo“.

Encontra-se, assim, o STF em uma posição de distinta relevância para o presente e futuro do país no julgamento da constitucionalidade da condução coercitiva: o artigo 260 do CPP continuará vigente no ordenamento jurídico, permitindo o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais em grandes espetáculos da mídia, ou será chegado o momento de dar a palavra às estrelas maiores da República: a Constituição e a Democracia?

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!