Estado da Economia

Quais as consequências da aprovação da terceirização da mão de obra?

Autor

  • José Maria Arruda de Andrade

    é professor associado de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP) livre-docente e doutor pela mesma instituição professor do programa master de pós-graduação em Finanças e Economia da Escola de Economia de São Paulo Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) foi secretário-adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique (Alemanha).

23 de abril de 2017, 11h22

Spacca
A lei que trata da terceirização da mão de obra em uma empresa foi aprovada há pouco (Lei 13.429/2017). Trata-se de tema delicado do ponto de vista do choque de forças entre centrais sindicais, empregadores (prestadores de serviços) e tomadoras de serviços.

Toda empresa, ao perseguir seus objetivos econômicos, pode contar com uma força de trabalho própria e com a atuação de outras empresas prestadoras de serviços (e, às vezes, até de profissionais autônomos).

Aspectos envolvendo a terceirização com cessão de mão de obra, contudo, por estarem próximos de uma relação direta com a tomadora de serviços, geraram muitas situações de insegurança jurídica para todas as partes envolvidas.

Na década de setenta do século passado, houve a criação de uma lei para regular a figura bem específica do empregado temporário (Lei nº. 6.019/1974), que nada mais é do que a contratação de uma empresa especializada em cessão de empregados para atender à necessidade de substituição dos trabalhadores da tomadora ou ao acréscimo extraordinário de serviços.

Com isso, a modalidade de empregado temporário permite à tomadora a substituição da mão de obra própria por outra, terceirizada, em prazo determinado. Apesar dessa regulação pontual, as empresas tomadoras de serviços enfrentavam outras dificuldades operacionais nas situações não contempladas na legislação, sobretudo a de saber quais os limites na contratação de força de mão de obra de outras empresas sem que se configurasse vínculo trabalhista entre a tomadora dos serviços e os empregados cedidos pela prestadora.

Por ausência de regras claras sobre essa modalidade de contratação mais ampla, a Justiça do Trabalho analisava as situações em busca de eventuais fatores suficientes para caracterizar o vínculo direto de emprego e acabou por construir um critério de classificação que, por fim, restou sendo aplicado de forma quase mecânica: se o trabalhador cedido estivesse na contratante e desenvolvesse funções relacionadas à atividade fim da empresa, então se presumiria o vínculo.

Pois bem, os projetos que estavam sendo noticiados com muita atenção pela imprensa e que pretendiam estabelecer regras mais claras sobre a contratação de mão de obra terceirizada se valeram da técnica ou estratégia de alterar, justamente, a lei da década de 1974, que apenas tratava da específica figura do contrato temporário, como forma de albergar outras situações de terceirização que seriam consideradas juridicamente válidas.

Como se sabe, havia um projeto do Senado que estipulava uma série de limitações ao exercício da terceirização e estava prestes a ser aprovado, quando a Câmara dos Deputados retomou outro projeto mais antigo, do governo Fernando Henrique Cardoso, e o aprovou. Esse último projeto (PL nº 4.302/98), com três vetos presidenciais, acabou sancionado e promulgado como Lei 13.429/2017, que inseriu e revogou trechos da antiga lei.

Uma característica fundamental da lei, tal como se encontra atualmente, é a existência de dois regimes jurídicos distintos; de um lado, a contratação de trabalhador temporário (uma situação bem específica e pontual), e, de outro, a contratação de empresa que presta serviços a terceiros.

A principal inovação legislativa foi, sem dúvida, a permissão legal da terceirização das funções exercidas pelos empregados de uma empresa independentemente da natureza da atividade (fim ou meio).

A responsabilidade da tomadora de serviços, em relação as dívidas relacionadas aos terceirizados, é subsidiária, o que significa que a tomadora só poderá ser obrigada a pagar aqueles valores devidos pela cedente de mão de obra que não honrar seus débitos. Havia o temor das empresas de que se adotasse o regime de responsabilidade solidária, mais gravoso, em que não se impõe a ordem de preferência na cobrança de débitos.

A quarteirização (subcontratação de trabalhadores de uma outra empresa) foi admitida expressamente pela lei, quando se trata de contratação de empresas prestadoras de serviços a terceiros.

Em relação ao regime do trabalho temporário, houve o aumento do prazo máximo de contrato de trabalhador temporário (180 dias, prorrogáveis por, no máximo, mais 90 dias, ambos não necessariamente consecutivos).

Pontos sensíveis nessa alteração legislativa podem ser assinalados e têm sido alvo de acalorados debates. Com a atual configuração legal, pode haver tratamento desigual entre os trabalhadores terceirizados e aqueles que são da própria empresa tomadora de serviços. Há uma garantia mínima de garantia das condições de segurança, higiene e salubridade dos terceirizados, mas o atendimento médico, ambulatorial e de refeição disponíveis aos empregados da contratante será obrigatório tão somente no caso de trabalhadores temporários, sendo facultativo nos casos de contratação de empresa prestadora a terceiros.

Há, ainda, um fator sindical em jogo. Os funcionários terceirizados serão vinculados a sindicatos da atividade de sua empresa original e não os daquela em que ele exercer a função (um empregado cedido a uma instituição financeira, portanto, estará vinculado ao sindicato das empresas cedentes de mão de obra temporária, por exemplo).

Como balanço crítico da inovação legislativa, pode-se afirmar que a segurança jurídica e a expectativa de aumento de produtividade representam o maior avanço desta medida.

Os tomadores de serviços e os respectivos prestadores, contudo, ainda enfrentarão certas questões que se põem, como a pressão de sindicatos, já que as salvaguardas dos terceirizados previstas na lei são genéricas.

Há, ainda, pontos a serem aprofundados, como a possibilidade de uso da terceirização por sociedades de economia mista ou empresas públicas, quando essas desenvolvem atividade econômica típica da iniciativa privada (art. 173, II da Constituição) e os limites da prestação de serviços realizada diretamente ou também por sócio da empresa cedente, já que nem todas representam terceirização propriamente dita.

Por fim, podemos lembrar que, desde os economistas políticos clássicos, no capitalismo, as principais tensões se apresentam entre as duas principais categorias de agentes, os trabalhadores e aqueles que invertem seu dinheiro em capital, em prol de uma atividade econômica (capitalistas).

Os enfrentamentos e tensões entre as duas classes está no cerne da economia e do direito. Mesmo em épocas em que se falava em produzir regras que assegurassem a livre iniciativa, essa liberdade nunca foi total, tanto que as primeiras leis a regular as relações de trabalho o fizeram no sentido de se proibir a vadiagem e o pagamento acima de determinado valor (salário máximo), com pena para os que recebessem acima de tal valor e para os que o pagassem.

Intervenções legislativas e busca por ampliação de direitos e liberdades estão na história do direito. Certamente, a legislação trabalhista brasileira impõe uma série de dificuldades e custos à atividade empresarial. Não há dúvidas que muitas fraudes trabalhistas são cometidas diuturnamente.

O vácuo normativo acerca dos limites da licitude da contratação de terceirizados por parte das empresas acabou sendo preenchido por jurisprudência (Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho), o que nem sempre é o melhor caminho para se regrar condutas. Em situações como essas, a falta de previsibilidade econômica e de segurança jurídica acabavam por criar péssimo cenário de investimento.

Nesse sentido, não há dúvida que as inovações legais contribuem para criar alguns parâmetros mínimos para o tema.

Há, contudo, que se observar se o instrumento legal será utilizado para permitir a terceirização de setores de uma empresa ou se será alvo apenas de um planejamento antissindical, ao se afastar sindicatos mais estruturados, e de custos, ao se ganhar na escala pelo tratamento diferenciado entre empregados e terceirizados.

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    é professor associado de Direito Econômico e Economia Política da USP, livre-docente e doutor pela FDUSP, sócio da Gaia, Silva, Gaede & Associados. Foi secretário-adjunto da secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique (Alemanha).

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