Generalização indevida

Desgosto com política pode abrir caminho para ditadura, alerta Célio Borja

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17 de abril de 2017, 17h12

O que o Judiciário deve fazer com as delações de executivos da Odebrecht agora é seguir “o caminho das investigações”, diz o ministro Célio Borja, aposentado do Supremo Tribunal Federal. “O primeiro passo é não dar à delação o valor de prova. Ela apenas exige que a polícia investigue o fato delatado.”

Reprodução/TSE
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro se mostra preocupado com o fato de as delações, feitas aos investigadores da operação “lava jato”, serem tratadas “como verdade absoluta”. Delações, diz, são apenas narrações de fatos que devem ser investigados depois, e não prova. “A responsabilidade penal depende de prova”, afirma.

“A partir da constatação de que a delação procede, aí sim se iniciar ação penal e responsabilizar os culpados”, recomenda. Tratar delatados como culpados leva à generalização, o que não deve acontecer. “A generalização é a salvação dos canalhas.”

Na opinião do ministro, essa generalização pode inflar o sentimento de desgosto da população com a política, o que pode abrir caminho para uma ditadura. “Essa confusão de quem deve e quem não deve, quem é sério e quem não é, ajuda muito a inventar salvadores da pátria.”

É como ele analisa o que aconteceu em 1930, quando Getúlio Vargas perdeu a eleição para presidente e surfou a onda de desgosto da população com a política para derrubar o governo e “praticamente transformar o país numa ditadura”.

“Para evitar esse caminho, é [preciso] tratar com grande cuidado essa questão da transparência”, avalia. “Hoje se jogam na mesma lama parlamentares corretos e decentes e os incorretos e indecentes. Se você disser que é deputado ou senador já se levanta contra você enorme suspeição. Não merece nem crédito nas lojas que vendem a prazo.”

Borja sabe do que fala. Foi ministro do Supremo entre 1986 e 1992. Antes disso, foi um político proeminente. Eleito deputado federal pela primeira vez em 1971, ocupava uma das cadeiras da Arena, o partido de apoio à ditadura militar.

Foi presidente da Câmara entre 1975 e 1976, durante o governo do general Ernesto Geisel. Deixou o Congresso em 83, quando foi nomeado assessor especial do presidente José Sarney, que o nomeou ao STF três anos depois.

Por isso, ele se preocupa com as conclusões de que as denúncias de corrupção enfraqueçam o Legislativo, necessário para se fazer reformas apontadas como necessárias. “A legitimidade do Congresso advém da Constituição, não da nossa simpatia ou antipatia por ele”, disse ao Estadão.

De acordo com o ministro, é preciso separar instituições de pessoas, para que o país não fique “acéfalo”. “A legitimidade do Congresso vem da ordem jurídica. A legitimidade do meu mandato, se eu fosse deputado ou senador, dependeria da minha conduta, moralidade, ética funcional. Isso que é preciso distinguir.”

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