Segunda leitura

Sistema eleitoral deve ser debatido de espírito desarmado e com urgência

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

16 de abril de 2017, 8h00

Spacca
O Brasil vive crise política sem precedentes. Significativa quantidade de políticos responde a processo penal por crimes eleitorais, corrupção e formação de quadrilha, alguns dos quais encontram-se presos provisoriamente ou cumprindo pena, algo inédito na história pátria.

Mas, além destes, uma enorme lista com 108 nomes está sob investigação por ordem do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, boa parte deles sob a acusação de ter recebido dinheiro através do sistema caixa 2, ou seja, através de recursos financeiros não contabilizados e não declarados à Justiça Eleitoral.

Este recebimento “por fora” importa em infração ao artigo 350 do Código Eleitoral, punido com 1 a 5 anos de reclusão, se o documento for púbico, e 1 a 3 anos, se particular, além da multa.

Evidentemente, ser investigado não significa ser culpado e é possível que muitos justifiquem sua conduta e o inquérito seja arquivado. Mas o desgaste político já ocorreu. Para quem lê o nome do político nos meios de comunicação a presunção se inverte, tem-se logo como culpado. E isto pode ter consequências nas urnas, seja qual for o resultado das investigações.

Em meio a este tsunami eleitoral, aproximam-se as eleições para a presidência da República, governadores, senadores, deputados federais, estaduais e do Distrito Federal. E as regras continuam as mesmas.

Um dos aspectos mais polêmicos é o do sistema das listas. Hoje a lista é aberta, sistema que teve origem em 1932, quando se adotou o voto por escolha direta do candidato, que foi modificado parcialmente no decorrer dos anos.

Atualmente colocam-se como alternativas três sistemas de listas, ou seja, de relação de candidatos apresentados pelos partidos políticos em uma eleição para os cargos de vereadores e deputados. Para melhor compreensão da matéria, valho-me dos precisos conceitos de Jairo Nicolau[i]:

Lista aberta: Modelo de representação proporcional em que as cadeiras obtidas por determinado partido ou coligação são atribuídas aos candidatos mais votados”.

Lista fechada: Modelo de representação proporcional no qual os partidos apresentam uma lista de candidatos previamente ordenada e o eleitor vota apenas no partido, e não em candidatos”.

Lista flexível: Modelo de representação proporcional no qual os partidos apresentam uma lista de candidatos previamente ordenada, mas os eleitores podem votar em candidatos individuais”.

Qualquer que seja o sistema, existirão vantagens e desvantagens. O Tribunal Superior Eleitoral promoveu, nos dias 20 e 21 de março passado, um Seminário Internacional sobre Sistemas Eleitorais, trazendo à capital federal especialistas de diversos país, entre outros França, Estados Unidos, Portugal, Bélgica e Alemanha. A conclusão a que se chegou é a de que não existe sistema perfeito, cada um tem vantagens e desvantagens. O importante é encontrar o que mais se adapta a cada país.

No sistema de representação proporcional, candidatos muito votados podem beneficiar outros pouco votados, pelo simples fato do seu partido ter feito coligação com outro, o que resulta na contagem dos votos como se fossem um só partido. Por isso, os 1.049.287 de votos em Tiririca (PR) resultaram na eleição de Otoniel Lima (PRB), que teve apenas 93.314 votos, de Vanderlei Siraque (PT), com 95.971, e de Protógenes Queiroz, do PCdoB, que teve 94.906, candidatos que não seriam eleitos sem a ajuda do palhaço[ii].

A segunda hipótese, sistema de lista fechada, teria o mérito de forçar o eleitor a escolher um partido, a evitar o voto na pessoa e não em um programa. Ele teria a vantagem de diminuir os gastos de campanha e, consequentemente, os financiamentos. Todavia, ele amedronta o eleitor, pois, se os partidos vão apresentar a lista de candidatos, possivelmente os mais citados nas delações premiadas, por dominarem seus partidos, estarão no rol dos escolhidos.

Além disto, pesquisa realizada pelo jornal “O Estado de São Paulo” revelou que “dos 35 deputados membros da comissão, 18 se posicionaram contra e apenas 6 a favor do modelo em que o eleitor vota no partido”[iii].

Por sua vez, o sistema misto busca uma espécie de conciliação entre os outros dois. Não traz uma solução definitiva, mas talvez seja uma adequada terceira via. Por exemplo, segundo a reportagem do “Estado” já citada, na Suécia “o cidadão pode reordenar a lista de acordo com sua preferência. Caso esteja de acordo com a lista pré-ordenada pela legenda, ele vota apenas no partido”.

Com relação ao financiamento de campanha, as regras estão longe de atender ao interesse em eleições que deem igualdade de possibilidades aos candidatos.

O financiamento, tradicionalmente, era feito por empresas. No entanto, face ao apurado nas ações penais conhecidas como “Mensalão” e “Operação Lava Jato”, levantou-se um clamor contra tal tipo de financiamento, e isto resultou na propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Conselho Federal da OAB, perante o STF. Nela se decidiu, com base no voto do ministro Luis Fux, pela inconstitucionalidade de doações, por pessoas jurídicas, a partidos políticos, por ofensa aos princípios democrático e da igualdade política[iv]. Ficaram vencidos os ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Por outro lado, continua permitido o financiamento por pessoas físicas, até o limite de 10% do declarado ao imposto de renda, e incrementa-se o financiamento público. O primeiro é incipiente, porque dificilmente alguém, pessoalmente, doará valores expressivos. Já o segundo — financiamento público — virá do Fundo Partidário, cuja fonte quase que exclusiva é o orçamento da União. Evidentemente, além deste financiamento não ter apoio popular, em tempos de crise econômica ele tende a tornar-se cada vez menos significativo.

O resultado da bem intencionada decisão do STF não foi dos melhores, pois complicou mais o que já era complicado. Impediu que financiamentos fossem permitidos através de lei e que fossem regulamentadas as doações, com ampla possibilidade de fiscalização.

O primeiro resultado do atual sistema é que os candidatos ricos passaram a levar enorme vantagem sobre os demais. Reportagem da Folha deixou bem clara esta situação. Apontou a matéria que “O campeão de doações para si próprio é o empresário Vittorio Medioli. Dono de empresas de transportes, usinas e dois jornais, ele é candidato a prefeito de Betim, polo industrial em MG, pelo PHS”[v]. Como já era previsível, Medioli foi eleito prefeito da cidade mineira.

O segundo resultado é menos conhecido e mais sério. Trata-se do financiamento das organizações criminosas aos seus candidatos. As facções há muito diversificaram suas atividades, que hoje vão muito além do tráfico de entorpecentes. Há interesse nas eleições, porque isto pode representar vantagens em licitações, contratos públicos e elaboração de leis que facilitem negócios. Um bom exemplo disto está na reportagem de 15/7/2016, que informava o interesse do PCC em eleger 10 prefeitos e 50 vereadores no Ceará[vi].

Pois bem, o financiamento está diretamente ligado à forma das listas. No atual sistema de lista aberta, os candidatos são obrigados a conseguir votos em todas as regiões do estado. Isto, evidentemente, encarece a campanha e faz com que tentem obter o maior número possível de financiamentos. Neste ponto, a lista fechada e mesmo a flexível levam vantagem.

A proximidade das eleições de 2018 recomenda uma solução que, mesmo não sendo a ideal, dela mais se aproxime. Registre-se que há outros temas de interesse, como a existência de partidos sem qualquer representatividade, que recebem financiamentos expressivos, coligações e voto distrital.

Tramitam no Congresso projetos de Emenda Constitucional. A título de exemplo, cita-se o do deputado Vicente Candido (PT-SP), cujo foco “é o financiamento público de campanha, combinado com doações de pessoas físicas, e a instituição de listas partidárias preordenadas para as eleições proporcionais (deputados estaduais, distritais e federais, e vereadores), associada com o fim das coligações partidárias”[vii].

Pode ser ou não ser a ideal. Mas o importante é que este e outros projetos sejam discutidos e encaminhados, pois, mesmo sem nos darmos conta, somos todos afetados pelo sistema eleitoral. Debater com espírito desarmado, querer alcançar o melhor, mesmo sabendo que sistema perfeito não existe, é o caminho. Amanhã poderá ser tarde demais.

[i] NICOLAU, Jairo, “Representantes de quem?”, Os (des) caminhos de seu voto da urna à Câmara dos Deputados”. Rio de Janeiro:  Zahar, 2017, pgs. 10 e 11.


[ii] http://ultimosegundo.ig.com.br/eleicoes/votos-de-tiririca-ajudam-a-eleger-protogenes-queiroz-e-mais-dois/n1237792218552.html, acesso em 14/4/2017.

[iii] Isadora Peron, O Estado de São Paulo, “Maioria de grupo de reforma política rejeita lista fechada”, 7/4/2017.

[iv] STF, ADI 4650/DF, em http://s.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/acordao-doacao-eleitoral-empresas.pdf, acesso 13/4/2017.

[v] Reportagem de E. H. Carazzai e J. P. Pitombo, em 26/9/2016,  em http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/09/1816754-candidatos-ricos-substituem-empreiteiras-e-bancos-como-financiadores-de-campanha.shtml, acesso em 14/4/2017.

[vi] http://istoe.com.br/acao-politica-do-pcc/, acesso 14/4/2017.

[vii] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/528498-REFORMA-POLITICA-DEPUTADO-APRESENTA-RELATORIO-COM-FOCO-NO-FINANCIAMENTO-PUBLICO.html, acesso em 14/4/2017.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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