Opinião

Necessidade de motivar demissão de trabalhador levaria país ao retrocesso

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16 de abril de 2017, 7h07

Recentemente, muitos empresários ficaram atônitos por força de uma decisão judicial impondo restrições à dispensa sem justa causa de empregados. Trata-se de um acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES), que julgou inconstitucional a denúncia feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1996, acerca da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que havia sido ratificada pelo Brasil no ano anterior.

O TRT capixaba entendeu que a demissão sem justa causa precisa ser motivada, conforme prevê a citada convenção, o que gerou inúmeros debates país afora diante da preocupação de que a decisão fosse replicada em outros estados. O procedimento da demissão passaria a observar a defesa do empregado, a participação do sindicato e eventual discussão na Justiça do Trabalho, com a possível reintegração do empregado, caso a justificativa apresentada pela empresa não fosse acolhida. A Constituição Federal prevê a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, porém não há regulamentação sobre a matéria até a presente data.

O tema é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.625, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores contra o decreto unilateral de FHC, sob o fundamento de que o ato deveria ter a aprovação do Congresso. O caso aguarda julgamento no STF há 20 anos.

Independentemente da questão técnica da denúncia, o mérito da Convenção 158 é que realmente merece atenção. Dos 180 países membros, apenas 36 ratificaram a convenção. Entre os reputados desenvolvidos estão somente sete: Austrália, Espanha, Finlândia, França, Luxemburgo, Portugal e Suécia.

Do lado menos desenvolvido, temos, por exemplo, Etiópia, Iêmen, Letônia, Sérvia, Uganda. Isso significa que a dita convenção não encontrou aceitação por parte da esmagadora maioria dos países, já que na prática poderia haver engessamento nas empresas, além de aumento na burocracia, considerando que um ato demissional sem justa causa poderia levar meses até ser concretizado.

A França tem enfrentado problemas para contornar a rigidez da norma e manter a competitividade, especialmente quando atravessou a crise mundial de 2008. A reforma trabalhista na Espanha criou o contrato por prazo determinado, sinalizando que foi necessário criar mecanismos para se resguardar. Na Venezuela, que possui um cenário político instável aliado a crises financeiras, o excesso de rigidez da Convenção 158 trouxe consequências ainda piores, a ponto de obrigar empresas a manter seus empregados, mesmo após a paralisação da produção, eis que o governo não aceitava as justificativas para as demissões.

Basicamente, a Convenção 158 permite três formas de dispensa: se a empresa demonstrar que passa por dificuldades financeiras, se houver mudanças tecnológicas ou se ficar comprovado que o empregado não tem mais condições de exercer suas funções. Caso não concorde com o motivo da demissão, o empregado pode contestá-lo na Justiça do Trabalho.

Por outro lado, a Convenção 111 da OIT estabelece que “discriminação” compreende “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”. Essa convenção possui 173 ratificações, incluindo o Brasil, e revela que o tema já possui cuidado suficiente.

Não é preciso muito esforço para perceber que muitas empresas brasileiras entrariam em colapso com a Convenção 158, especialmente em épocas de incertezas, em que haveria poucas contratações novas, pelo receio de enfrentar dificuldades em demitir futuramente. Como consequência, a economia local ficaria prejudicada, além da perda da competitividade diante dos países não signatários.

A Convenção 158 ressalva que a implementação das medidas depende da legislação e da prática de cada país. Essa observação é mais uma razão para o Brasil declinar da ratificação, pois há quatro medidas de proteção contra a demissão sem justa causa: aviso prévio, seguro-desemprego, levantamento do FGTS e a respectiva multa de 40%. Logo, não parece lógico que a empresa tenha que justificar o motivo da demissão e ainda arcar com as pesadas verbas daí decorrentes, pois estas já têm como finalidade indenizar o trabalhador.

Isso sem falar na existência de proteção legal contra a dispensa sem justa causa relativa à gestante, ao cipeiro, ao acidentado ou até mesmo aos empregados que estejam enquadrados nas hipóteses da Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho, que presume discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito, hipóteses em que o empregado tem direito à reintegração no emprego.

A tão almejada geração de empregos não pode ser criada por decreto, tampouco essa responsabilidade pode ser transferida à iniciativa privada. A criação de empregos é consequência de políticas saudáveis do Estado, que deveria estimular o empresário em vez de cercear sua atuação com medidas severas e ineficientes.

Há quem sustente que a Convenção 158 inibiria a rotatividade de empregados, mas essa ideia não deveria sequer ser cogitada, pois cada companhia tem suas peculiaridades e responde por suas más escolhas, juntamente com seus sócios. Aliás, o próprio mercado se incumbe de expor a reputação dos empregadores, sendo desnecessária a intervenção do Estado, através de normas que possam, de alguma forma, influenciar as diretrizes internas das empresas.

O tema é delicado e, sem dúvida, sua análise depende do perfil de cada país. No Brasil, penso que a Convenção 158 é inadequada, ante os inúmeros mecanismos de proteção contra a dispensa arbitrária. E, de qualquer modo, cabe refletir se as políticas de geração de emprego surtem mais efeitos positivos por meio de normas excessivamente duras ou se por meio de estímulos em que todos saem ganhando.

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