Delações da Odebrecht

Para MPF, tribunal é suspeito porque advogado não deu nota fiscal para cliente

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14 de abril de 2017, 16h38

O que tem se chamado de “exageros” da operação apelidada de “lava jato” ganhou novas dimensões com o fim do sigilo das dezenas de delações premiadas de executivos da Odebrecht, decretado pelo ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (12/4).

Além dos já conhecidos grampos em telefone de escritório de advocacia (pedidos pelo Ministério Público Federal e decretados pelo juiz Sergio Moro), da condução coercitiva de blogueiro para depor e das prisões preventivas que só acabam quando os acusados topam fazer delações, o MPF quer agora emplacar a tese de que se um advogado não emite nota fiscal dos honorários que ganhou, torna suspeito todo o tribunal em que tramitou seu processo.

O novo caso, cuja remessa para primeira instância foi pedida pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, busca envolver o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. O TIT-SP é um órgão da Fazenda para julgar processos administrativos tributários, com formação paritária, ou seja, com representantes da Fazenda e dos contribuintes. É como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), mas em nível estadual.

Em petição ao Supremo, Janot afirma que dois delatores “narram o pagamento de vantagens indevidas para influenciar julgamento” no TIT. Os depoimentos em questão são de César Ramos Rocha e Márcio Faria da Silva, executivos da Odebrecht. E o que contam (veja os vídeos abaixo) é que pagaram por fora, sem a emissão de nota fiscal, para que um advogado cuidasse de um caso de suas empresas no TIT-SP. Os honorários pagos foram menos de 2% do valor da causa.

Os executivos, em depoimento de colaboração premiada, contam que o consórcio responsável pela Refinaria Henrique Lage (Revap), em São José dos Campos (SP), foi autuado, em 2009, pela Secretaria da Fazenda de São Paulo, com um auto de infração no valor de R$ 230 milhões. A tese usada para essa cobrança é que a obra não deveria ser enquadrada como construção civil, mas como “venda de equipamentos para instalação” para a Petrobras. Por isso, em vez de pagar ISS, que é o tributo municipal, deveria pagar ICMS, que é estadual.

As empreiteiras envolvidas estranharam a cobrança, que, segundo César Rocha, não acontece em nenhuma obra, e recorreram, alegando que o valor do tributo cobrado era quase metade do valor do empreendimento inteiro. O caso foi para o TIT-SP em 2010 e seu julgamento teve início em novembro. Na ocasião, o relator apresentou voto contrário às empresas, mas houve pedido de vista.

Logo após isso, narram os executivos, um advogado chamado Dirceu Pereira, procurou o consórcio, disse que havia estudado bastante o caso e se ofereceu para trabalhar na defesa das empreiteiras. Pereira contou já ter trabalhado na Fazenda e que agora era especializado em processos no TIT-SP, atuando como consultor tributário.

No contrato com Pereira, ficou combinado que ele receberia R$ 3 milhões em honorários, mas só no êxito, ou seja, se revertesse a cobrança de R$ 230 milhões. Havia um porém: o advogado teria dito que só receberia “por fora” sem emitir nota fiscal. As empresas toparam e a Odebrecht pagou, por meio do seu “setor de operações estruturadas”, usado para fazer pagamentos ilegais.

Ambos os delatores afirmam reiteradamente, mesmo após insistentes perguntas durante seus depoimentos (veja abaixo), que em momento algum o advogado falou em corromper alguém ou em pagar propina.

Em março de 2011, o caso terminou de ser julgado. E foi favorável às empresas. Em voto-vista, o juiz do TIT Sylvio César Afonso explica que não é possível classificar o empreendimento como fornecimento de peças e mercadorias, como pretendia a Fazenda, pois o resultado da empreitada foi uma “fábrica de proporções gigantescas”, “com capacidade de produção de 180.000 toneladas de gás por ano”, em pleno funcionamento.

Ao analisar as provas, Afonso afirma que trata-se de “uma execução, por empreitada, de obra de construção de engenharia civil, elétrica, hidráulica e industrial, enquadrando-se perfeitamente no serviço descrito no item 7.02 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003” (Lei do ISS).

Afonso foi acompanhado por unanimidade (clique aqui para ler a decisão). O juiz relator do caso, Helcio Fiori Henriques, inclusive mudou seu voto para acompanhá-lo.

Para o MPF, no entanto, todo o embasamento da decisão não bastou. O fato de as empreiteiras ganharem o caso no TIT é sinal de que o advogado contratado por elas comprou o resultado. E que o tribunal precisa ser investigado.

A ConJur não conseguiu contato com o advogado Dirceu Pereira para comentar esse caso, mas fazendo uma busca no site foi possível encontrar uma menção a uma decisão do TIT por ele relatada em 1985, quando ainda era funcionário da Fazenda e juiz do órgão.

Veja os vídeos:

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