Consultor Tributário

Projeto Beps e preço de transferência serão intensamente debatidos no RJ

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12 de abril de 2017, 8h26

Spacca
Caricatura Gustavo Brigagão [Spacca]De 27 de agosto a 1º de setembro deste ano, as mais importantes discussões sobre Direito Tributário ocorrerão no Rio de Janeiro. A cidade maravilhosa vai sediar o 71º Congresso Anual de Direito Tributário da International Fiscal Association (IFA) — que está com inscrições abertas.

Fundada em 1938 e regida pelas leis holandesas, a IFA é uma organização sem fins lucrativos, dedicada ao estudo e ao desenvolvimento do Direito Tributário Internacional. Sua sede e secretaria são localizadas em Roterdã, na Holanda, e, no Brasil, ela é representada pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), que tenho a honra de presidir.

O congresso da IFA, que é considerado o mais relevante evento internacional de Direito Tributário, é composto de duas sessões plenárias (Tema 1 e Tema 2) e vários seminários. Eis os assuntos escolhidos:

Tema 1 – Beps e suas Consequências Práticas nas Normas Domésticas e Multilaterais

Tema 2 – O Futuro dos Preços de Transferência

Seminário A – Fragmentação de Contratos e Tributação

Seminário B – Troca Automática de Informações: Um Novo Padrão?

Seminário C – Acordos de compartilhamento e divisão de custos (tributação do costsharing)

Seminário D – Acordos Prévios sobre Preços de Transferência e Impactos Fiscais Internacionais

Seminário E – IFA/OCDE

Seminário F – Crise Econômica e Proteção dos Direitos dos Contribuintes – Moralidade Fiscal?

Seminário G – Tributação Indireta Internacional dos Serviços Empresariais: Soluções Multilateral, Interna ou Bilateral

Seminário H – Novidades em Tributação Internacional

Seminário I – Impactos Fiscais Internacionais de Efeitos Cambiais

Seminário J – IFA/União Europeia

Esses temas foram selecionados pelo Comitê Científico Permanente da IFA, com a colaboração do Comitê Organizador Local (composto por Ana Claudia Ukie Utumi, André Gomes de Oliveira, Carlos Adolfo Teixeira Duarte, Carlos Henrique Bechara, Flavia Cavalcanti Pepe, Marcos Vinhas Catão, o nosso colega de coluna Roberto Duque Estrada e por mim, na qualidade de presidente do congresso), com o objetivo de trazer ao debate assuntos que representem o que de mais relevante se discute atualmente no âmbito do Direito Tributário Internacional, com repercussão nos ordenamentos internos de cada país.

O projeto Beps (base erosion and profit shifting), como sabemos, trata de questões relacionadas à erosão das bases de incidência e às transferências de lucros. Elas decorrem da adoção de planejamentos tributários agressivos, praticados por empresas multinacionais, ou grupos econômicos, que se aproveitam de lacunas legais, ou assimetrias de sistemas tributários, para fazer com que os seus resultados sejam (artificialmente, em regra) produzidos em países com baixa ou inexistente tributação da renda. Para enfrentar tais questões, o plano Beps propõe 15 ações a serem consideradas pelos países-membros da OCDE e do G-20.

O professor Heleno Torres, nosso colega de coluna, foi o escolhido para ser o relator nacional da repercussão dessas regras no Brasil. Em seu relatório, ele muito bem demonstra que, desde a reunião do G-20 de 2009 (London Summit, realizado em 2 de abril de 2009), o Brasil se aliou aos esforços internacionais para a adoção dessas ações. Também, intensificou a tomada de medidas legislativas e de regras de controle que regularam matérias sensíveis, tais como paraísos fiscais, sigilo bancário de contas no exterior, planejamentos fiscais agressivos, corrupção, terrorismo, lavagem de dinheiro e outras práticas ilegais danosas à administração pública.

O projeto Beps vem recebendo forte apoio do Ministério da Fazenda, da Receita Federal do Brasil, do Ministério das Relações Exteriores e do Congresso Nacional, e algumas das suas principais ações, como afirma Heleno, já estão em vigor no nosso sistema, sujeitas a pequenos ajustes. No seu relatório, ele cita como exemplos das principais ações do projeto Beps em discussão no Brasil as de número 5 (“combater de maneira mais efetiva as práticas de concorrência fiscal lesiva, tomando em conta a transparência e substância”), 12 (“exigir dos contribuintes a revelação de seus mecanismos de planejamento tributário agressivos”), 13 (“reexaminar as regras sobre documentos relativos a preços de transferência”) e 14 (“tornar mais efetivos os mecanismos de resolução de conflitos”); e, por fim, assevera que a ampla difusão dessas ações decorreu, também, da efetivação no Brasil, em setembro de 2016, das regras de troca automática de informações, aliada ao sucesso da recente aplicação das regras de repatriação. Tais medidas facilitarão a aprovação de reformas legislativas que venham, em breve, ao encontro dessas novas tendências. Marilene Coutinho será uma das debatedoras do painel que discutirá essa matéria.

Já o segundo tema principal do congresso, que aborda “o futuro dos preços de transferência”, está sob a relatoria geral do professor Sérgio André Rocha, da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Em seu relatório, além de abordar as mais variadas formas como os diversos relatores nacionais responderam à indagação sobre o que o futuro reserva para o Transfer Pricing, Sérgio André bem demonstra a importância que o projeto Beps dá às regras de preço de transferência (que seriam objeto de, pelo menos, quatro de suas ações: ações 8, 9, 10 e 13), ressaltando, contudo, que esse projeto representa apenas um passo a mais na direção do desenvolvimento de regras que de fato proporcionem o que realmente se objetiva: a justa alocação do poder de tributar entre os países que participem de transações internacionais realizadas por empresas multinacionais.

O painel em que será debatido esse assunto, em sessão plenária, terá, como chair, o professor e relator nacional do tema Luis Eduardo Schoueri; e, como secretário, Mateus Calicchio Barbosa.

Na oportunidade, serão abordadas propostas de reforma que estão sendo elaboradas, ou mesmo implementadas, para resolver questões relacionadas às regras de preço de transferência. O painel também debaterá, entre outros assuntos, os fundamentos e principais problemas práticos e teóricos do atual regime, bem como a recente evolução havida nos métodos de preço de transferência. Tudo com o intuito de definir uma linha que torne possível prever o “futuro do preço de transferência”, que é o tema central do painel.

Quanto aos seminários, eles ocorrerão durante os quatro dias do congresso e, como visto, tratarão das mais relevantes e atuais questões ora debatidas no âmbito do Direito Tributário. De fato, serão abordados tanto temas mais abrangentes (como moralidade fiscal, proteção dos direitos dos contribuintes e troca automática de informações) quanto questões mais específicas (tributação na fragmentação de contratos, acordos prévios sobre preços de transferência, tributação indireta de serviços, entre outros).

E o Brasil, além das já mencionadas participações na apresentação, relatoria e debates dos dois temas principais do congresso (Beps e preços de transferência), estará também muito bem representado em vários dos seminários. Seguem abaixo alguns exemplos, em que brasileiros serão chairs, painelistas ou secretários dos respectivos painéis:

– o Seminário I, que debaterá as principais consequências tributárias da variação cambial em âmbito internacional, terá Raquel Novais, como chair, Rodrigo Brunelli, como painelista, e Bruna Marrara, como secretária;

– o Seminário C, que abordará os aspectos fiscais relativos aos acordos de compartilhamento e divisão de custos (costsharing), que tantos debates gerou (e vem gerando) no Brasil, terá, como painelista, Luciana Galhardo;

– o Seminário F, que tratará de assunto muito atual e conhecido de todos nós brasileiros (Crise Econômica e Proteção dos Direitos dos Contribuintes – Moralidade Fiscal?), terá Antonio Silva, como secretário do painel;

– o Seminário A, que abordará o tema Fragmentação de Contratos e Tributação, de absoluta relevância e há muito discutido no Brasil (na busca da definição dos efeitos tributários da segregação artificial do objeto de um contrato pré-existente, de forma a que o fornecimento de mercadorias e a prestação de serviços de instalação passem a ser vistos e considerados como atividades distintas, prestadas por um terceiro envolvido), terá Priscila Vergueiro, como secretária;

– o Seminário B buscará definir se a troca automática de informações tornou-se novo padrão no mundo atual, em que se contrapõem a globalização das relações entre as autoridades fiscais de diversos países e os direito individuais dos contribuintes; para tanto, o painel contará com a participação de Lucas de Lima Carvalho, como secretário.

As palestras serão em inglês, mas muitos dos painéis (especialmente os mais relevantes para o Direito brasileiro) contarão com tradução simultânea.

Enfim, essa é a parte científica do Congresso. Mas o evento não está resumido a isso. Seus participantes serão brindados no decorrer da sua realização com eventos culturais e sociais, onde, além de desfrutar das maravilhas do Rio de Janeiro, poderão interagir com profissionais públicos e privados provenientes das mais variadas regiões do planeta.

Na primeira noite (no dia 27 de agosto, em um domingo), no próprio local onde o congresso será realizado (o recém-construído Centro de Convenções do Windsor Barra, que conta com instalações para acomodar 2,5 mil pessoas), haverá uma cerimônia de abertura, repleta de atrações tipicamente brasileiras. O evento contará ainda com atrações culturais e sociais, como visitas ao Museu do Amanhã e ao Pão de Açúcar (exclusivas aos participantes do congresso), festa da Young IFA Network e jantar de gala.

Vale lembrar que o último congresso da IFA em solo brasileiro foi em 1989, quase 30 anos atrás, também no Rio de Janeiro. O presidente do evento foi o meu querido mestre Gilberto de Ulhôa Canto, fato esse que aumenta, ainda mais, a minha responsabilidade e emoção por ser presidente do congresso que se realizará neste ano.

No meu escritório, mantenho porta-retratos com fotos de ambos os momentos em que tanto ele quanto eu recebemos a bandeira da IFA das mãos dos presidentes dos congressos imediatamente anteriores (na Holanda, em 1988, e na Espanha, em 2016), em ato que simbolizava a passagem da “tocha olímpica” de um país para outro.

Que se repita, neste ano, o sucesso alcançado em 1989.

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