Responsabilidade objetiva

Município do Rio pagará R$ 50 mil a grávida de anencéfalo impedida de abortar

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11 de abril de 2017, 16h45

Impedir uma mulher de interromper a gestação de feto anencéfalo viola o direito à saúde e o de escolha. Com base nesse entendimento, a desembargadora Claudia Telles, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça fluminense, condenou o município do Rio de Janeiro a pagar indenização de R$ 50 mil a uma mulher que teve recusado o direito de abortar feto sem cérebro, em maio de 2014, pelo Hospital Municipal Fernando Magalhães. O município terá que arcar ainda com as custas do funeral e os honorários advocatícios.

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Agentes do estado não podem impedir grávida de anencéfalo de exercer seu direito de interromper a gestação.
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O hospital, localizado em São Cristóvão, zona norte carioca, é credenciado no estado do Rio de Janeiro para fazer o aborto legal — permitido se a gestante tiver sido estuprada, se a vida dela estiver em risco ou se o feto for anencéfalo.

Então com 12 semanas de gestação, a mulher chegou ao hospital-maternidade com o comprovante do diagnóstico de anencefalia e apresentando exame de ultrassonografia obstétrica atestando a má-formação do feto. Mesmo assim, os médicos não fizeram o aborto.

Após quatro dias de internação, ela recebeu alta e a orientação médica de recorrer à via judicial para obter autorização para a interrupção da gravidez. Constrangida a levar a gestação até o final, a autora da ação teve o parto feito em novembro do mesmo ano. A morte do feto ocorreu uma hora e meia depois.

Para a desembargadora Cláudia Telles, a recusa dos médicos em fazer o aborto traduziu restrição indevida ao exercício pleno do direito de escolha da gestante, garantido pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, além de inquestionável violação do direito à saúde. Nessa ocasião, o STF reconheceu o direito subjetivo da mulher de interromper a gravidez sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.

De acordo com a desembargadora, “impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana, liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde”.

Como o hospital é municipal, Cláudia afirmou que a cidade do Rio responde objetivamente pelos atos ilícitos praticados por seus profissionais. A capital fluminense pode cobrar o valor da indenização dos médicos se eles tiverem agido com dolo ou culpa.

Proibição ineficaz
O Psol, em conjunto com o Anis – Instituto de Bioética, ajuizou no dia 7 de março uma arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo para pedir que o aborto feito nas 12 primeiras semanas de gestação não seja considerado crime. Atualmente, a prática só é permitida se a gestante tiver sido estuprada, se a vida dela estiver em risco ou se o feto for anencéfalo.

Na peça, assinada pelas advogadas Luciana Genro, Luciana Boiteux, Gabriela Rondon e Sinara Gumieri, o partido alega que o embrião ou o feto não possuem status de pessoa constitucional, conforme já estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, e, por isso, só têm proteção infraconstitucional. Segundo a legenda, essa garantia não pode ser desproporcional e deve respeitar a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, além de não promover discriminação.

A ADPF é relatada por Rosa Weber. Em novembro do ano passado, ela se disse favorável à descriminalização do aborto para qualquer caso nos três primeiros meses de gestação. No julgamento de um Habeas Corpus na 1ª Turma do STF, colegiado formado por cinco dos 11 ministros da corte, a ministra seguiu o voto de Luís Roberto Barroso.

Na ocasião, Barroso entendeu que a criminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, assim como o direito à autonomia de fazer suas escolhas e à integridade física e psíquica.

O ministro Edson Fachin também seguiu esse entendimento, que acabou prevalecendo, mas foi aplicado somente àquele caso específico, em que cinco pessoas presas numa clínica clandestina no Rio de Janeiro pediam para ser soltas. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 0399948-43.2014.8.19.0001

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