Supremo machismo

Falas de ministras têm mais interrupções na Suprema Corte dos EUA

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10 de abril de 2017, 10h52

Nos últimos 25 anos, se agravou progressivamente o hábito de interromper os ministros da Suprema Corte dos EUA, quando estão expondo seus argumentos ou interrogando advogados nas audiências de sustentação oral. Isso não se deve ao fato de a corte haver se polarizado mais ultimamente. Tem a ver com o fato de que mais mulheres assumiram cargos de ministra nos últimos anos.

Mas isso não significa que as mulheres interrompem mais seus colegas. Ao contrário, elas interrompem menos. A realidade é outra: as ministras são muito mais interrompidas por seus colegas do que o são os ministros, de acordo com o estudo “Justice, Interrupted: The Effect of Gender, Ideology and Seniority at Supreme Court Oral Arguments” (“Ministro, interrompido: o efeito do gênero, ideologia e antiguidade na sustentação oral da Suprema Corte”).

O estudo, coordenado pela professora da Faculdade de Direito Pritzker da Universidade Northwestern, Tonja Jacobi, analisou transcrições de argumentos orais na corte nos anos de 1990, 2002 e 2015, para ver quem interrompe quem na corte e como foi a evolução histórica desse hábito de um ano para outro.

O estudo descobriu que as interrupções frequentes têm menos a ver com questões de ideologia ou de antiguidade e mais a ver com gênero. Essa descoberta está de acordo com estudos anteriores, segundo os quais as mulheres são mais interrompidas do que os homens em todos os ambientes profissionais, dizem os autores.

O estudo destaca que, no caso da Suprema Corte, as mulheres enfrentam essa dificuldade mesmo quando alcançam a mais poderosa posição em suas carreiras jurídicas.

O que pareceu mais surpreendente aos autores do estudo foi descobrir que as ministras não são interrompidas mais frequentemente apenas por seus colegas ministros, mas também por advogados (não advogadas) que estão defendendo seus casos perante a Suprema Corte. Isso é surpreendente porque as diretrizes da Casa proíbem advogados de interromper os ministros. E, se o fizerem, o presidente da corte deveria intervir em favor da ministra.

Para se aprofundar nesse aspecto do estudo, os autores examinaram os casos das quatro ministras que chegaram à Suprema Corte até agora: a ex-ministra (aposentada) Sandra Day O’Connor (na corte de 25/9/1981 a 31/1/2006), a ministra Ruth Ginsburg (que ingressou na corte em 10/8/1993), a ministra Sonia Sotomayor (8/8/2009) e a ministra Elena Kagan (7/8/2010). De acordo com o estudo, conforme mais mulheres ingressaram na corte, mais o hábito de interrupção se intensificou.

Para os autores do estudo, isso sugere que, em vez de se acostumarem a compartilhar o trabalho com as mulheres, os homens podem ter se tornado mais hostis à presença delas em seu domínio tradicional.

“Isso é consistente com a literatura da ciência social, que ensina que as elites tradicionais, tais como a dos legisladores, se sentem ameaçadas pela entrada de membros não tradicionais em seu domínio e agem mais agressivamente contra as supostas intrusas, em uma tentativa de proteger seus privilégios”, escreveram os autores.

Algumas interrupções das ministras pelos ministros envolvem um fenômeno já reconhecido, chamado mansplaining (contração de man explaining ou "homem explicando"), em que um homem explica alguma coisa a uma mulher que ela deveria saber, sem necessidade porque ela mais provavelmente já sabe, ou um homem explicando a um terceiro o que a mulher está tentando dizer.

Outras descobertas do estudo

  • As ministras Elena Kagan e Sonia Sotomayor são as mais interrompidas, não só porque são mulheres e as mais novas ministras da corte, mas também porque se expressam de uma maneira mais cortês. Elas costumam usar, no início de suas intervenções, frases como “posso lhe perguntar?” ou “se me permitem observar”.
  • A antiguidade da ministra Ruth Ginsburg a ajudou a superar essa barreira, porque, com o tempo, ela deixou a polidez de lado, e começou a fazer intervenções mais incisivas — ou agressivas — dando aos homens menos incentivos para interrompê-la. Ela é a menos interrompida das três atuais ministras da corte.
  • Houve muitas circunstâncias em que um ministro interrompeu uma ministra, pediu desculpas por interromper, e continuou falando como se não houvesse acontecido nada.
  • A ministra Sonia Sotomayor foi a mais interrompida, em 2015, por advogados, apesar disso contrariar as normas da casa, possivelmente porque é a menos agressiva na forma de falar.
  • Antes do estudo, se pensava que o hábito de interromper ministros de agravou, particularmente, devido ao estilo contestador do ex-ministro Antonin Scalia (falecido em fevereiro de 2016). Mas Scalia apenas tinha um estilo “zangado” e não era quem mais interrompia os colegas. O prêmio de “ mais interrupções” foi para o ministro Anthony Kennedy que, por sinal, é o ministro que menos se prende a ideologias na corte.
  • Os ministros conservadores interrompem mais os liberais, do que vice-versa.
  • O fator “ser mulher” é 30 vezes mais forte do que o fator “antiguidade [de menos]”. Em 2015, 65,9% de todas as interrupções prejudicaram as três ministras. Em 2002, 45,3% prejudicaram as duas ministras da época. Em 1990, 35,7% das interrupções foram dirigidas a então ministra Sandra O’Connor, a única mulher nesse ano.
  • Também em 2015, o ano final do estudo, os ministros foram quem mais interromperam os colegas foram. As ministras interromperam os colegas apenas 15% das vezes, enquanto os homens interromperam os colegas 85% das vezes, apesar de eles representarem dois terços do total de ministros na corte (seis homens, três mulheres).
  • Ainda em 2015, Sonia Sotomayor foi interrompida 15 vezes por Anthony Kennedy, 14 vezes por Samuel Alito e 12 vezes por John Robert (presidente da corte). Elena Kagan foi interrompida por John Roberts, Samuel Alito e Anthony Kennedy 10 vezes ou mais cada um. Ruth Ginsburg foi interrompido por Kennedy 11 vezes.
  • Apenas dois ministros foram interrompidos pelos colegas mais de 10 vezes, apesar de haver o dobro de homens do que mulheres na corte. As mulheres interromperam os homens apenas 7 vezes, em 2015.

De acordo com os autores do estudo, esses fatores podem ter contribuído para o fortalecimento de coalisões conservadoras na corte e com a redução da influência das mulheres. Duas delas também são as ocupantes mais novas de cadeiras na Casa.

“A consequência desse hábito é que as mulheres da corte têm menos oportunidade de fazer perguntas, de expressar seus pontos de vista completamente e de esclarecer dúvidas deixadas nas petições iniciais, durante as sessões de sustentação oral”, dizem os autores do estudo.

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