Opinião

Prisão de Guido Mantega demonstrou abusos e arbitrariedades

Autor

27 de setembro de 2016, 7h16

Em seu instigante e indispensável Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos, Alexandre Morais da Rosa a partir da teoria dos jogos assevera que:

as medidas cautelares podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou tática de aniquilamento (simbólico e real, dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar. A prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra como ‘tática de aniquilação’, uma vez que os movimentos da defesa vinculados à soltura. [1]

A prisão sem condenação passada em julgado é a exceção e, como tal, somente deve ser decretada como ultima ratio e quando não houver a possibilidade de sua substituição por outra medida cautelar menos danosa (Lei 12.403/11).

A prisão preventiva é uma das espécies de prisão cautelar e pode ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. E, após a entrada em vigor da Lei 12.403/11, quando não for cabível uma das medidas cautelares previstas na referida lei (prisão domiciliar, comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoas determinadas, suspensão do exercício de função pública, etc.).

Outra espécie de prisão provisória (cautelar) é a prisão temporária, bastante em voga durante as operações policiais — geralmente midiáticas — e que decorrem de uma “Força Tarefa”. Segundo a Lei 7.960/89, a prisão temporária poderá ser decretada quando for “imprescindível para as investigações” em relação aos crimes previstos na  citada lei ou ainda quando o suspeito não tiver residência fixa ou não fornecer elementos que esclareçam sua identidade.

Imprescindível é o mesmo que indispensável, ou seja, daquilo que não se pode prescindir ou dispensar para investigação. É evidente que além da imprescindibilidade deve se verificar os demais requisitos sem perder de vista o tão maltratado princípio constitucional da presunção de inocência que levianamente é tratado pelos agentes da repressão como fator de impunidade. Não é despiciendo lembrar, conforme já dito acima, que a liberdade – status libertatis – é a regra e que a prisão antes da sentença penal condenatória transitada em julgado somente deve ser decretada como medida excepcional e extremada – ultima ratio.

Note-se que a decretação das inúmeras prisões temporárias em decorrência das diversas operações policiais, tem como finalidade — além da própria espetacularização e da humilhação que é imposta ao investigado — interrogar ou forçar uma delação premiada dos presos provisórios, tudo a luz dos holofotes midiáticos. A liberdade passa a ser a moeda de barganha das autoridades com os investigados.

É evidente e inegável que haja um abuso na decretação dessas prisões temporárias — de duvidosa constitucionalidade — bem como na decretação das prisões preventivas, notadamente, em nome da “ordem pública”.

Não há porque prender pessoas que, quando devidamente intimadas, comparecem perante a autoridade para prestar esclarecimentos ou mesmo interrogada. Além do mais, necessário deixar assentado que o investigado/acusado tem o direito constitucional de permanecer em silêncio. Assim, não existe razão legal e jurídica para prender alguém com a finalidade de submetê-lo a interrogatório. Salvo se a prisão se constitui em espécie de tortura para que o investigado “abra o bico”.

De igual modo são, também, abusivas e arbitrárias as conduções coercitivas de quem sequer foi intimado para prestar depoimento. De quem não se recusou e também não criou qualquer óbice à investigação.

É cediço que a prisão provisória não pode se constituir em antecipação da tutela penal — execução provisória da pena — também, não deve ter caráter de satisfatividade, o próprio STF assim já decidiu:

A Prisão Preventiva – Enquanto medida de natureza cautelar – Não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu. – A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. (RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello)

No que diz respeito à prisão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega — na 34ª fase da operação "lava jato” — no último dia 22 nas dependências do hospital Alberto Einstein que acompanhava sua mulher em uma intervenção cirúrgica em razão de grave doença, importante esclarecer alguns aspectos de ordem legal e jurídica, tais como:

1- É verdade de fato que de acordo com o Código de Processo Penal e a Constituição da República a pessoa pode ser presa em qualquer lugar respeitando a inviolabilidade do domicílio e as demais garantias constitucionais. Assim, excluindo a desumanidade do fato, não há ilegalidade em prender alguém no hospital ou, mesmo, no cemitério (fim de todos).

2- O fato da prisão de Guido Mantega ter sido revogada horas depois pelo mesmo juiz que a decretou, revela — não um caráter humanitário — mas que a decretação da prisão temporária era completamente desnecessária. Não havia razão, motivos e necessidade para decretação de medida extremada, caso contrário, certamente, o ex-ministro seria mantido preso.

3- Causa estranheza o fato de aquele que, em tese, foi corrompido tenha a prisão decretada e enquanto em relação ao suposto corruptor e “delator” nenhuma medida privativa da liberdade foi tomada. Não que esteja se defendendo aqui a prisão de Eike Batista, mas apenas e tão somente para demonstrar a incoerência e desnecessidade da prisão de Mantega. Na verdade nenhum e nem outro deveriam ser presos temporariamente.

O procurador da República da força tarefa Carlos Fernando dos Santos Lima em entrevista coletiva após a deflagração da fase batizada arquivo-x (34ª fase da "lava jato") em relação à prisão de Guido Mantega no hospital, declarou que foi uma “infeliz coincidência e que acontece com pobre e com rico”.

Não, definitivamente não foi uma coincidência. Foi um abuso, uma arbitrariedade, uma ilegalidade e que acontece com pobre e com rico.


[1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria do jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!