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"Lava jato" não precisa seguir regras de casos comuns, decide TRF-4

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23 de setembro de 2016, 18h46

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, nesta quinta-feira (22/9) que a operação "lava jato" não precisa seguir as regras dos processos comuns. Advogados apontam que as investigações ignoram os limites da lei ao, por exemplo, permitir grampos em escritório de advocacia, divulgação de interceptações telefônicas envolvendo a presidente da República e a "importação" de provas da Suíça sem a autorização necessária. Mas, para a Corte Especial do TRF-4, os processos "trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas".

Os desembargadores da corte afirmam que as situações da “lava jato” escapam ao regramento genérico. Além disso, "uma ameaça permanente à continuidade das  investigações" justificaria tratamento excepcional em normas como o sigilo das comunicações telefônicas. Com base nisso, o colegiado arquivou representação contra o juiz federal Sergio Moro por ter divulgado conversa entre os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em abril, um grupo de 19 advogados pediu o afastamento de Moro depois que ele retirou o sigilo de investigações contra Lula em andamento na 13ª Vara Federal de Curitiba. O problema é que, em uma das interceptações telefônicas, ele falava ao telefone com Dilma, na época presidente da República. Como a Corregedoria rejeitou o pedido, o caso foi levado à Corte Especial.

Agência Brasil
TRF da 4ª Região arquivou representação contra Sergio Moro, por 13 votos a 1.
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Por 13 votos a 1, a corte considerou “incensurável” a conduta do juiz e entendeu que somente depois desse episódio, quando o Supremo Tribunal Federal determinou a retirada dessas interceptações, é que a magistratura brasileira teve “orientação clara e segura a respeito dos limites do sigilo das comunicações telefônicas”.

O relator, desembargador federal Rômulo Pizzolatti, não viu nenhum indício de infração disciplinar. “É sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada operação 'lava jato', sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no Direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns”, afirmou.

“Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunicações telefônicas de investigados na referida operação servido para preservá-la das sucessivas e notórias tentativas de obstrução, […], é correto entender que o sigilo das comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal.”

Ainda segundo o desembargador, “a ameaça permanente à continuidade das investigações da operação 'lava jato', inclusive mediante sugestões de alterações na legislação, constitui, sem dúvida, uma situação inédita, a merecer um tratamento excepcional”.

Novidade para os juízes
Em março, o STF considerou irregular “a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal” (Rcl 23.457). Por unanimidade, o Plenário seguiu entendimento do ministro Teori Zavascki, considerando “descabida a invocação do interesse público” para divulgar conversas de autoridades sem autorização judicial do foro competente.

Pizzolatti citou a decisão em seu voto no TRF-4, mas entendeu que o grampo de autoridades era um "problema inédito" no Brasil. “Não havia precedente jurisprudencial de tribunal superior aplicável pelo representado, mesmo porque, como antes exposto, as investigações e processos criminais da chamada operação 'lava jato' constituem caso inédito, trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas”.

Nesse contexto, escreveu o desembargador, “não se pode censurar o magistrado, ao adotar medidas preventivas da obstrução das investigações […]. Apenas a partir desse precedente do STF é que os juízes brasileiros, incluso o magistrado representado, dispõem de orientação clara e segura a respeito dos limites do sigilo das comunicações telefônicas interceptadas para fins de investigação criminal”.

O relator disse ainda que Teori não apontou indícios de infração administrativa ou penal na conduta de Moro, pois caso contrário teria encaminhado as peças ao Ministério Público e aos órgãos correicionais competentes, como o TRF-4 e o Conselho Nacional de Justiça.

Segundo ele, a publicidade tem sido o meio mais eficaz de impedir quaisquer barreiras ao andamento das investigações e processos criminais, “voltados contra altos agentes públicos e poderes privados até hoje intocados”.

O desembargador federal Rogério Favreto foi o único a divergir. Ele declarou que "o Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais e constitucionais", pois "sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal, evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado sem os mesmos compromissos democráticos do eminente relator e dos demais membros desta corte".

Para ele, Moro "foi no mínimo negligente quanto às consequências político­-sociais de sua decisão". Favreto disse que o processo disciplinar seria necessário para analisar os atos do juiz, diante da "imparcialidade duvidosa do magistrado", e porque divulgar o grampo indica afronta às previsões do Estatuto da Magistratura e do Código de Ética da Magistratura.

Justificativa
Em resposta ao Supremo, Moro havia declarado que o ato de divulgar as conversas poderia “ser considerado incorreto”, mas disse que em nenhum momento teve objetivo de “gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional”.

A intenção foi simplesmente, de acordo com o juiz, atender pedido do Ministério Público Federal e dar publicidade ao processo e “especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Numa ligação, Dilma disse que enviaria um “termo de posse” para o ex-presidente, que deveria ser usado “em caso de necessidade”.

O petista foi efetivamente nomeado chefe da Casa Civil dias depois, mas a posse foi suspensa pelo ministro Gilmar Mendes, do STF. Para ele, a medida tinha como objetivo apenas fazer com que eventual denúncia contra Lula fosse julgada pelo Supremo.

Clique aqui para ler o voto do relator.
Clique aqui para ler o voto divergente.

* Texto atualizado às 23h do dia 24/9/2016 para acréscimo de informações.

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