Questão social e constitucional

Em debate nos EUA, Barroso volta a defender descriminalização da maconha

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23 de setembro de 2016, 13h56

A descriminalização da maconha — especialmente do porte para consumo pessoal —  se justifica porque a guerra as drogas fracassou, a criminalização dá poder ao tráfico e a repressão tem trazido um custo altíssimo para a sociedade, sem produzir resultados positivos relevantes. Os argumentos foram expostos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso durante debate na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Barroso já havia defendido a medida na ação que tramita no STF sobre a matéria. Do ponto de vista jurídico, o ministro afirmou que a criminalização do porte para consumo pessoal é inconstitucional porque viola o direito à privacidade, à liberdade individual e o princípio da proporcionalidade.

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Evento na Universidade de Yale reuniu ministros de supremas cortes de diferentes países.
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Barroso foi um dos participantes do principal debate que antecedeu o início do seminário Constitucionalismo Global, promovido pela Universidade de Yale, que reúne juízes das supremas cortes de diferentes partes do mundo, incluindo Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Itália, Reino Unido, África do Sul, Nova Zelândia, Colômbia e Brasil. Além de Barroso, participaram do debate com estudantes o ministro da Suprema Corte americana Stephen Breyer e o ex-juiz do Tribunal Constitucional Federal alemão Dieter Grimm.

Legalização da maconha
Ao iniciar sua apresentação, o ministro Barroso explicou que seu argumento vai além da descriminalização da maconha para uso pessoal. O ministro se posicionou à favor da legalização da produção e da distribuição da maconha, como experiência a ser testada pela sociedade. Segundo o ministro, caso dê certo com a maconha, seria possível cogitar estender o mesmo entendimento para outras drogas.

Para justificar seu posicionamento, o ministro listou razões pragmáticas e jurídicas para a legalização. Entre as pragmáticas, Barroso apontou que a guerra às drogas fracassou uma vez que o consumo de drogas só aumentou desde os anos 1970, quando começou uma política dura de repressão à cadeia de produção, distribuição e consumo de drogas. 

De outro lado, o ministro apresentou dados de que o consumo de cigarro, no Brasil, reduziu consideravelmente entre 1984 e 2013. Para o ministro, isso ocorreu porque houve informação, advertência e contrapropaganda, que produziram, a médio prazo, resultados melhores do que a criminalização.

Ainda na realidade brasileira, o ministro afirmou que o maior problema no país não é o consumo de drogas e seu usuário, e sim o tráfico. Na visão de Barroso, o grande problema no Brasil é o poder dos barões do tráfico, que dominam e oprimem comunidades pobres, com altas doses de violência e algumas gramas de assistencialismo.

Essa realidade tem como consequência uma tragédia moral: a de impedir as famílias pobres de criarem seus filhos em uma cultura de honestidade, afirmou o ministro. Segundo ele, se a produção e venda de maconha fossem regulamentadas e monitoradas, inclusive pagando impostos, seria possível evitar muitos desses subprodutos negativos.

A última razão pragmática apontada pelo ministro é o alto custo para sociedade. Em seu entendimento, os governos terminam gastando muito mais dinheiro com forças policiais e equipamentos do que em prevenção e tratamento dos dependentes.

Além disso, aponta que há um custo humano: o do número de presos por delitos associados a drogas, que no Brasil corresponde a 28% da população carcerária. Ao serem presos, disse Barroso, entram na escola do crime que são as penitenciárias e saem piores e mais perigosos do que quando entraram. O ministro apresentou ao final os custos de cada preso: cada vaga no sistema penitenciário custa R$ 44 mil e o custo mensal da manutenção de um preso é de cerca de R$ 2 mil.

Fundamentos constitucionais
Depois de apresentar as razões pragmáticas, o ministro Barroso destacou o lado jurídico da criminalização do porte de pequenas quantidades de maconha. Para Barroso, esta criminalização é inconstitucional porque viola o direito de privacidade, a liberdade individual e o princípio da proporcionalidade.

O ministro explica que o direito à privacidade, expressamente previsto na Constituição, identifica um espaço na vida das pessoas que deve ser imune a interferências externas, seja de outros indivíduos, seja do Estado. Para Barroso, o que uma pessoa faz na intimidade, da sua religião aos seus hábitos pessoais, como regra deve ficar na sua esfera de decisão e discricionariedade. Sobretudo quando não afeta a esfera jurídica de terceiros.

Quanto à violação à liberdade pessoal, o ministro explicou que, embora não seja um valor absoluto, ela possui um núcleo essencial e intangível que é a autonomia individual, que não pode ser suprimida pelo Estado. Essa autonomia assegura ao indivíduo o direito de fazer as suas escolhas existenciais de acordo com as suas próprias concepções do bem e do bom.

O ministro ressalta que o Estado pode limitar a liberdade individual para proteger terceiros ou valores sociais. Contudo, na visão de Barroso, o indivíduo que fuma um cigarro de maconha na sua casa ou em outro ambiente privado, não viola direitos de terceiros. Tampouco fere qualquer valor social. 

Por último, o ministro tratou da violação ao princípio da proporcionalidade, que envolve a verificação da adequação, da necessidade e do proveito da medida restritiva. No caso da maconha, o ministro aponta que a criminalização não parece adequada ao fim visado, que seria a proteção da saúde pública.

Não apenas porque os números revelam que a medida não tem sido eficaz, explica Barroso, como pelo fato de que a criminalização, de certa forma, afeta negativamente a saúde pública. Por duas razões: ela consome os recursos e dificulta o tratamento dos dependentes, em razão do estigma que ela traz.

Constitucionalismo Global
Desde que ingressou no Supremo Tribunal Federal, em 2013, o representante do Brasil no seminário Constitucionalismo Global é o ministro Luís Roberto Barroso, que fez seu mestrado na Universidade de Yale. Para o seminário, cada um dos participantes deve ler um volume de casos e artigos de cerca de 500 páginas e participar das discussões. Os debates são fechados e com compromisso de confidencialidade: os assuntos discutidos e as posições assumidas não são divulgados.

Antes, porém, das sessões fechadas, alguns dos convidados para o seminário participam de debates abertos com os estudantes da faculdade, considerada a número um dos Estados Unidos, em disputa tradicional e acirrada com Harvard.

Antes da sessão oficial, Barroso foi convidado ainda pela Associação dos Estudantes Latinos para uma discussão informal sobre o papel das Supremas Cortes em novas democracias.

Clique aqui para ler os apontamentos que serviram de base para apresentação de Luís Roberto Barroso sobre as drogas.

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