Opinião

Discussão sobre infrações e comportamento sexuais deve ser difundida

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12 de setembro de 2016, 7h36

Certo é que o assunto em pauta é muito discutido em qualquer meio, principalmente quando há um caso de repercussão nacional acerca dele, mas será que estamos, realmente, preparados para enfrentá-lo? Quando falamos de crimes sexuais a primeira coisa que vem à mente, sem sombra de dúvidas, é o mais vil deles, o crime de estupro. É fato!

O que sabemos é que o crime de estupro é um crime de natureza sexual, porém, temos de ter ciência o que faz um crime ser taxado como “sexual”. Crimes sexuais são aqueles que atentam contra a dignidade sexual do ser humano, ou seja, aquele que atenta contra a respeitabilidade e autoestima do indivíduo de realizar-se sexualmente como bem entender, sem interferência de terceiros.

É a livre disposição da liberdade sexual do indivíduo que lhe é tirada. Quando estivermos diante de uma situação em que o ser humano não puder expressar de forma livre, consciente e voluntária a sua liberdade de pensamento, escolha, vontade e/ou ação em relação ao seu próprio corpo, satisfazendo-se sexualmente da forma que bem lhe aprouver, com interferência de terceiros, estaremos diante de uma infração penal sexual.

Nos tempos atuais, as incidências de delitos sexuais não param de ocorrer e isso, em pleno século XXI, é por demais preocupante. O que sabemos, por estatísticas, é que os crimes sexuais que ocorrem com maior frequência no Brasil são: estupro (art. 213 do CP) e estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). Há de se ressaltar, também, que as condutas tipificadas como crimes de exploração sexual (arts. 218-B à 231 do CP) incidem com bastante frequência.

Importante dizer que as infrações acima são baseadas nos dados que chegam às autoridades, pois, infelizmente, muitos casos criminosos de conotação sexual não chegam ao conhecimento delas. É a chamada “cifra negra”.

Questão importantíssima a ser discutida são os fatores que elevam, cada vez mais, a cifra negra. Na minha opinião são três: a informação sobre o tema que não chega como deveria, a falta de credibilidade para com os órgãos estatais, que deveriam tratar a vítima como “vítima”, e a sensação de impunidade para os agressores.

Quando a informação chegar a todos de uma forma uníssona, de forma correta, com força das grandes mídias no sentido preventivo e não sensacionalista (como o que ocorre hoje quando o delito já aconteceu); quando as vítimas de delitos sexuais forem respeitadas e tratadas como seres humanos e não como as causadoras da infração que sofreram; quando o Estado tratar a questão dos delitos sexuais de forma séria, efetiva e permanente, apurando, julgando e aplicando a pena (justa) para os agressores sexuais, teremos a diminuição da cifra negra e, consequentemente, a prevenção será maior, a confiança no Estado surgirá e a certeza do amparo legal para que o agressor seja realmente punido, existirá.

Com a reforma do Código Penal em 2009 (com o advento da Lei 12.015/09) houve uma igualdade de gênero nos pólos ativo e passivo dos delitos sexuais, ou seja, homens e mulheres podem ser agressores e/ou vítimas. Ressalta-se que, mesmo com o advento da Lei, infelizmente, as mulheres ainda são as maiores vítimas dos delitos sexuais. Como se não bastasse, 51% são vítimas de até 14 anos.

Quando falamos em vítima, seja em que segmento for, não há como ignorarmos o agressor. É assim, também, na seara sexual. Nos delitos de natureza sexual o agressor, na maioria dos casos, conhece sua vítima. É uma realidade assustadora, porém, atual.

Muitos dos agressores sexuais estão “dentro da nossa casa”. São pais, padrastos, parentes, amigos da família… triste realidade. Como dito acima, as mulheres também cometem delitos sexuais, em incidência bem menor.

A grande dificuldade de se combater delitos dessa natureza, além dos motivos já expostos, é que criamos em nossa mente um perfil de agressor sexual (aqui leia-se estuprador) e, pior ainda, da vítima.

Se fizéssemos a seguinte pergunta: “Como podemos descrever o perfil do estuprador e das vítimas de estupro?”, qual seria a resposta? Certamente parece demandar várias respostas para a questão elencada, mas existe somente uma: não existe perfil de estuprador nem de vítima de estupro.

No que tange ao perfil do estuprador em nosso imaginário, tomamos como verdadeiro o perfil lombrosiano, onde o criminoso se apresenta como uma anomalia humana. Não é isso que estamos vendo. Ele é gente com a gente (pelo menos no aspecto físico) e está em nosso meio de forma muito próxima.

Já a vítima é taxada pela sociedade como aquela que usa roupas curtas, que ouve um certo tipo de música, que anda sozinha pela madrugada em certas regiões da cidade… Da mesma forma que o perfil do estuprador, em nosso imaginário, está longe da realidade, assim também está o da vítima. Não é a feiura ou condição social da pessoa que a torna um ser criminoso como não é a roupa, o jeito de caminhar ou de se comportar que habilita alguém a ser vítima sexual.

Outra questão de suma importância e polêmica é a da pedofilia. Pedofilia não é um crime, é uma doença segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em que o indivíduo possui um transtorno psicológico e, assim sendo, apresenta um desejo, uma fantasia e/ou estímulo sexual por crianças pré-púberes.

A grande questão que surge quando tratamos desse tema é: se pedofilia não é crime, como punir os pedófilos? Há de se ficar bem claro que ninguém pode ser punido criminalmente por ter alguma doença. Porém, quando o pedófilo (quem tem pedofilia) exterioriza a sua patologia e sua conduta se amolda em alguma tipicidade penal, estará caracterizado o crime (da tipicidade incorrida e não de pedofilia). Assim como no crime de estupro, os pedófilos também estão muito próximos de suas vítimas e, por isso, a informação sobre prevenção deve ser permanente.

Com as redes sociais, pessoas menos prudentes acabam expondo suas crianças e nem imaginam que as fotos que postam, como a de seu bebê lindo tomando banho, ou com o bumbum de fora, possam ser usadas para satisfazer o desejo sexual de inúmeros adultos. Quando se pensa em pedofilia, a maioria das pessoas acha que corresponde à prática sexual efetiva, mas desconhecem que existem pedófilos que saciam seu desejo sexual apenas olhando o corpo infantil nu, ou praticam a masturbação utilizando as imagens.

Importante dizer que nem todo pedófilo é criminoso. Só é criminoso aquele que exterioriza a sua pedofilia. A única arma que temos contra esse mal é a informação. Através dela podemos prevenir o abuso e proteger nossas crianças. Precisamos conversar com as crianças, orientá-las, mesmo quando se trata de questões de ordem sexual.

Não podemos negar que, quando falamos de comportamento sexual humano, a educação em sentido lato tem uma relevância gigantesca.

Obviamente que logo de cara pensamos na educação da vítima para a redução dos crimes sexuais, o que já falamos anteriormente em relação às informações que devem ser constantes, claras e objetivas. Uma verdadeira doutrina que deve ser exercida diariamente, porém, temos o outro lado da questão também.

A questão da educação; informação e humanidade de quem atende a vítima sexual. As vítimas de crimes sexuais, além das agressões que sofreram, sejam físicas ou psicológicas, encaram, ainda, o julgamento moral da sociedade juiz.

Como se não bastassem todos os traumas gerados pelo crime, suportam, em muitos casos, mas em muitos mesmo, a culpa de ter sido a vítima do crime sexual como já abordado em outro contexto.

É o medo; a vergonha de ser vitimizada, principalmente na vitimização secundária, que faz com que muitas vítimas não procuram ajuda policial, médica ou psicológica.

Ao procurar amparo da polícia, muitas vezes a vítima não é tratada como deveria, isto é, como um sujeito de direito, mas sim como mero objeto de investigação, já que se importará unicamente com o suspeito do crime.

A vítima fica em segundo plano quando (cria coragem) comunica um crime sexual às autoridades. E isso tem que mudar o quanto antes. O Estado deve oferecer à vítima de crime sexual um atendimento digno, humano e eficiente. Não é lavrando um boletim de ocorrência apenas por lavrar.

Em muitos casos o policial que faz o atendimento da vítima sexual age como se fosse a Santa Inquisição. Isso não pode mais ser admitido nos dias atuais. Não é assim que se resolve uma questão tão complexa e importante.

O Poder Público deve promover uma severa reciclagem dos seus agentes no que tange ao atendimento de vítimas sexuais, pois, só assim, a sensação de impotência que hoje reina nas vítimas em ver sua pretensão atendida da forma que deve ser, acontecerá.

Ainda no campo da educação social, podemos, também, citar aqueles que fazem com que a vítima se vitimize de forma terciária, ou seja, os amigos próximos, parentes e, lamentavelmente, até maridos e namorados que dão às costas para aquela que mais precisa e no momento de maior agonia. A educação social para com as vítimas sexuais deve ser reciclada no menor prazo de tempo possível, porém, ao que parece, está longe de acontecer.

Por fim, temos as infrações de menor potencial ofensivo, chamadas de contravenções penais. No campo sexual, a que ocorre com maior frequência — e que é muito confundida com o crime de estupro — é a importunação ofensiva ao pudor (art. 61 da LCP).

Nesta contravenção, ainda que a vítima seja colocada em uma situação sexual contra a sua vontade, ela tem a disponibilidade de permanecer ou não nela, o que não ocorre no crime de estupro, onde a violência ou grave ameaça impedem que haja qualquer liberdade por parte da vítima em não submeter-se ao ato atentatório contra sua dignidade sexual.

Por fim, longe de esgotar o assunto, fica o tema para discussão e reflexão para que tenhamos, todos, um futuro não só prezando pela dignidade sexual humana mas, também, pelo próprio ser humano.

Autores

  • Brave

    é advogado criminalista, consultor jurídico, vice-presidente da Comissão de Direito Penal e Direito Processual Penal da OAB-SP (Subseção Lapa). É pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal e orientador jurídico do projeto Prodigs - Ação Pró-dignidade sexual.

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