Tribuna da Defensoria

Revisão criminal: como produzir a prova pré-constituída

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6 de setembro de 2016, 8h10

O Código de Processo Civil de 1973 dedicava um capítulo específico ao processo cautelar, destinado a evitar o perecimento do direito quando o curso do processo o colocasse em risco. Com o passar do tempo e a regulamentação das tutelas de urgência, as medidas cautelares perderam força até o novo CPC extingui-las.

Tradicionalmente, quando havia a necessidade de se ajuizar uma revisão criminal, por força da vedação à dilação probatória, tornou-se hábito o ajuizamento de prévia medida cautelar de justificação, prevista nos artigos 861 a 866 do CPC/1973, cuja serventia era a de “justificar a existência de algum fato ou relação jurídica”.

Como a disciplina do novo CPC deu fim ao procedimento cautelar autônomo e, por consequência, da própria justificação, o processo penal ficou desamparado de um instrumento capaz de produzir a documentação de determinado fato ou relação jurídica.

Nessa esteira de ideias, parece-nos que a supressão da justificação, em verdade, serviu de espaço para a utilização de dois outros institutos do CPC/2015. Consistiriam eles a ata notarial prevista no artigo 384 e a produção antecipada de provas do artigo 381, parágrafo 5º, que assumiriam papel equivalente ao da justificação, cuja aplicabilidade ao processo penal derivaria da norma constante do artigo 3º do CPP.

Perceba-se que o objetivo da ata notarial é o de atestar e documentar, por meio de ato extrajudicial praticado por tabelião, a existência de um fato e o seu modo. Normalmente, o processo penal lida com hipóteses em que o acusado coage e intimida testemunhas. Entretanto, não raras são as vezes em que o próprio acusado é coagido, sem dispor de elementos que corroborem essa situação.

Do mesmo modo é comum que a defesa necessite buscar o restabelecimento da liberdade do indiciado e necessite de uma providência imediata que corrobore fatos deduzidos na sua postulação, o que poderia ocorrer por meio da ata notarial.

Pondere-se que o papel da ata notarial é o de instituir, em verdade, um testemunho qualificado, cujo valor probatório se sujeitaria a avaliação jurisdicional, já que as observações de Leonardo Greco[1] parecem irrefutáveis. A ata notarial não se caracteriza como um meio de prova autônomo e sua própria utilidade dependeria do potencial econômico daquele que pretenda utilizá-la e da disposição do tabelião em produzi-la.

O segundo sucedâneo da justificação no novo CPC diz respeito à produção probatória antecipada. Considerando o fim da medida cautelar, nada obsta que a defesa se valha da ação probatória prevista no artigo 381, parágrafo 5º do CPC que permite a utilização da disciplina do caput para aquele que pretender justificar a existência de fato ou relação jurídica, mesma fórmula jurídica utilizada pelo CPC/73 para regulamentar a antiga medida cautelar de justificação.

Na realidade, o que o CPC/2015 fez foi promover a justificação de natureza cautelar para uma ação probatória autônoma, como denomina Daniel Neves[2] ou um verdadeiro procedimento probatório, como melhor define Leonardo Greco[3]. Especialmente quando se pretender a colheita de depoimentos, parece-nos que a defesa possa se utilizar da regra do artigo 381, parágrafo 5º, independentemente da existência de urgência daquele ato.

Por outro lado, qualquer que seja a natureza jurídica que se queira atribuir à produção probatória antecipada, é importante a advertência quanto a nossa posição, no sentido de que apenas parágrafo 5º do artigo 381, teria aplicabilidade no processo penal e em favor da defesa.

Sabe-se que a opção do novo CPC em matéria probatória é o de reconhecer que a produção antecipada de prova independe do requisito de urgência. Todavia, essa premissa não pode ser transposta ao processo penal, já que lá os artigos 156, I e 366 do CPP são claros ao exigirem no caso de produção antecipada de provas, a demonstração da urgência e relevância, cujo enquadramento sofre rigoroso controle da jurisprudência, vide Enunciado 455 da Súmula do STJ.

A pensar na importância do contraditório e na existência de provas não repetíveis no processo penal, parece-nos que a produção antecipada realmente mereça um tratamento mais rigoroso, sendo intransponível a característica de ausência de urgência, tal como disciplinado pelo novo CPC, sem que isso implique um tratamento jurídico-processual restritivo[4] do próprio instituto.

Nos dois institutos aqui destacados, sua utilização é restrita à defesa, quando necessário o afastamento do requisito urgência no processo penal, não podendo o órgão acusatório deles se valer, em virtude das limitações estatuídas pelo próprio CPP.


[1] “Não pode o escrivão presenciar um fato da vida comum ocorrido fora do cartório, alheio ao exercício de sua função de registro, lavrando desse fato uma ata notarial, que nada mais é do que o testemunho de igual valor de outra pessoa.” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Vol. II. P. 191).
[2] NEVES, Daniel A. Assumpção. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. Rio de Janeiro: Método, 2015. p. 276.
[3] GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Vol. II. P. 128.
[4] “Peculiaridades procedimentais de um ou outro Sistema normativo podem diferenciar em aspectos acessórios os sistemas probatórios civil e penal de determinado ordenamento jurídico, assim como podem distinguir os regimes da prova em litígios sobre relações jurídicas de direito material diversas, como relações de consumo, relações do trabalho, relações entre o Estado e o cidadão, entre outras.” ( GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Vol. II. P. 122). 

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