Crime de responsabilidade

Recurso ao STF de senadores a favor do impeachment poderá anular julgamento

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4 de setembro de 2016, 16h01

O artigo 52, inciso I, da Constituição determina que compete privativamente ao Senado processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República, além de outras autoridades que menciona, nos crimes de responsabilidade, os quais estão elencados na Lei 1.079/1950. O parágrafo único do mesmo dispositivo constitucional, ao mesmo tempo, estabelece que nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará no julgamento “como Presidente o do supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para ao exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

O artigo 2º da Lei 1.079/1950, por sua vez, determina que os mesmos crimes são passíveis da pena da perda do cargo, com inabilitação de até cinco anos, para ao exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado ao presidente da República e demais autoridades elencadas. Em outros termos, ambos os diplomas legais, cominam, claramente, a perda do cargos e a inabilitação para o exercício de qualquer função pública. Indiscutivelmente, qualquer mandato eletivo, para qualquer dos cargos políticos são, lato sensu, considerados exercício de função pública.

Não se discute que o aparte e o pedido de destaque configuram direito público subjetivo do parlamentar, os quais não se lhes pode negar. No entanto, deferir ou indeferir o postulado, cabe, regra geral, a quem preside o julgamento, no caso, ao presidente do STF que, logicamente, em determinados casos pode ou até deve submeter à decisão do plenário. A rigor, em razão da matéria constitucional envolvida, sequer deveria ser colocado em votação o pedido de desmembramento da votação sobre a aplicação de penasante eventual resultado condenatório, como acabou ocorrendo. Na verdade, no particular, concesssa venia, o digno e culto ministro Lewandowski não fez bem ao não indeferir de plano esse pleito parlamentar.

Mas, enfim, o Senado, a única autoridade legítima para decidir sobre a perda de mandado da presidente da República já deliberou nesse sentido, e, ato contínuo, decidiu não a considerando inabilitada para o exercício de função pública. Logo, sobre o mérito nenhum outro poder pode decidir em sentido contrário, sob pena de invasão do Poder Legislativo. Por isso, o STF que, por vezes, tem invadido seara de outros poderes, poderá, no máximo, anular o julgamento por vício procedimental ou por infringência de algum mandamento constitucional. Sobre o mérito, certamente, é defeso a Suprema Corte manifestar-se.

Em havendo nulidade, caberá ao Senado voltar a deliberar, não se olvidando, porém, que o julgamento constitui um todo indivisível, isto é, não pode ser anulado apenas uma parte, mantendo-se válida outra. Ou seja, é impossível anular somente a segunda deliberação, qual seja, sobre a inabilitação para o exercício de função pública, sob nenhum argumento. Por ser a decisão que impõe o impeachment una e indivisível, inevitavelmente deverá ser julgado novamente o todo, até porque, sendo julgado unitariamente, os julgadores (senadores) poderão decidir diferente, inclusive negando impeachment, em razão do gravame da inabilitação para o exercício da função pública.

Como é de conhecimento público o ingresso de vários recursos contra o “fatiamento” do julgamento, a Suprema Corte é chamada a deliberar, mas tão somente sobre o aspecto jurídico-constitucional, e, repetindo, não poderá e tampouco deverá manifestar-se sobre o mérito do julgamento e da própria aplicação das penalidades.

Postas essas premissas, inegavelmente o STF foi chamado, pelos próprios parlamentes, a deliberar sobre a validade e constitucionalidade de dito julgamento. Diante desses fatos, o STF deverá, preliminarmente, deliberar se conhece ou não de referidos recursos. Em conhecendo, poderá decidir da seguinte forma: a) reconhecer que o denominado “fatiamento” de aplicação das penas feriu mandamento constitucional, ante a clareza da redação do artigo 52, parágrafo único, o qual determina que, em havendo condenação, será aplicada a “perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para ao exercício dede função pública”; e admitir, a despeito de considerar a clareza da determinação de inabilitação para o exercício de função pública, que o Senado é soberano para decidir, mesmo, eventualmente, ferindo norma constitucional.

Até aí não há nenhuma irregularidade, estará no exercício pleno das atribuições constitucionalmente conferidas ao STF. A questão pode ser um pouco mais problemática daqui para frente, especialmente se o Supremo decidir pela anulação do fatiamento do julgamento, que decidiu separadamente para cada sanção.

Admitamos, apenas para argumentar, que o STF opte pela nulidade do julgamento do Senado, ante o “fatiamento” da decisão, que determinou a perda do cargo, mas deixou de aplicar a inabilitação para o exercício de função pública, malferindo a Constituição. Mas o STF poderá deliberar determinando o acréscimo da inabilitação para o exercício de função pública por determinado período? Ou respeitar a prerrogativa exclusiva do Senado e, por isso mesmo, devolver-lhe para novo julgamento? E mais. Admitindo-se que o STF opte por esta segunda hipótese, que, desde logo, parece que será a mais provável, e, nessa hipótese, seria apenas para complementar a primeira decisão (perda do cargo), ou poderá ser para novo julgamento integral do impeachment da presidente deposta?

As respostas a essas indagações, observando-se a clareza do texto constitucional e a indivisibilidade do julgamento, inquestionavelmente, só pode percorrer um caminho, qual seja, da anulação integral do julgamento do impeachment, por inobservância do disposto no dispositivo constitucional mencionado. 

Com efeito, o STF não tem atribuição para julgar e tampouco aplicar pena por crime de responsabilidade à presidente da República. Pretender complementar o julgamento, a pretexto de que a sua primeira parte estava correta implicará em “dividir” o que acaba de afirmar que é indivisível, e, mais grave ainda, substituir os verdadeiros juízes desse julgamento, os quais, aliás, decidiram diferentemente.

Na verdade, o julgamento é incindível, não pode ser anulado pela metade, até por que essa divisão foi exatamente o que levou a uma decisão contraditória, e, ademais, a anulação, pela metade, possibilitará que o Senado, novamente, repita o julgamento, na medida em que o STF não pode determinar que, no mérito, os senadores julguem desta ou daquela forma.

Em outros termos, o recurso dos senadores favoráveis ao impedimento cria a possibilidade de oportunizarem ao STF anular o julgamento como um todo do impeachment, pelos fundamentos já expostos. E, nesse caso, não se poderá falar reformatio in pejus, pois a única forma de atender a demanda desses recorrentes, será anular todo o procedimento do julgamento, sendo necessário, portanto, repeti-lo na sua integralidade.

Resta ainda outra questão: afinal, qual é a natureza da “inabilitação para o exercício de função pública”, será pena principal ou pena secundária? Não se trata de mera suspensão desse exercício, que poderia ser aplicada como pena alternativa, ou como a antiga pena acessória, que foi eliminada pela Reforma Penal de 1984. Aliás, por constar na mesma redação do dispositivo sancionatório (artigo 52 parágrafo único da Constituição), certamente, não se pode adjetivá-la de pena acessória. Agora, nada impede que se possa considerá-la como efeito automático da condenação, dizemos automático por que independe de qualquer outra deliberação.

Na verdade, no direito sancionador (penal, administrativo, etc), a perda de função pública ou a inabilitação para o seu exercício funciona, normalmente, como efeito da condenação. O diploma legal que melhor disciplina esses institutos jurídicos é o Código Penal. Com efeito, a perda do cargo de presidente é a sanção imposta para a prática de crime de responsabilidade, ou, se preferirem, crime político; e a inabilitação para o exercício de função pública, pelo lapso temporal de oito anos, é efeito automático da condenação, não dependendo, por isso mesmo, de qualquer fundamentação, decorre da própria condenação.

Deve-se ter presente, ademais, que a sanção imposta é consequência jurídica direta e imediata da condenação, isto é, da aprovação do impeachment. Essa é a sanção que a Constituição considera necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime de responsabilidade. No entanto, além dessa consequência jurídico-constitucional direta e imediata, a decisão condenatória (procedência do impeachment) produz outro efeito direto e específico, que é a inabilitação para o exercício de função pública por oito anos. Ora, como efeito automático e direto da perda do cargo, logicamente, não pode ser julgado de forma autônoma. Consequentemente, os senadores favoráveis ao impeachment oportunizaram ao STF anulá-lo, devendo ser realizado novo julgamento em decisão única. Houvesse somente recurso da defesa, provavelmente, não obteria resultado tão exitoso assim.

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