Sigilo em risco

Sequestro de dados de computadores é preocupação a escritórios de advocacia

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3 de setembro de 2016, 6h46

O sequestro de dados está se tornando um problema não só para grandes empresas, mas também para escritórios de advocacia. O crime ocorre da seguinte forma: hackers invadem os computadores, criptografam os dados e depois os escondem. Pedem, então, um resgate para permitir o acesso novamente. A prática recebeu o nome de ransomware, fusão das palavras inglesas ransom (resgate) e malware (tipo de programa que infecta computadores para coletar informações).

O valor para devolução das informações é normalmente cobrado em bitcoin (moeda digital usada para transações na internet), para evitar o rastreamento e varia conforme o caso. Normalmente não é muito alto, justamente para a vítima pagar sem muitos questionamentos, pensando que levar o caso à polícia dará mais trabalho do que atender às reivindicações.

Algumas bancas norte-americanas já foram alvo desses sequestros. Entre as vítimas estão o escritório da Flórida The Brown Firm — que pagou US$ 2,5 mil para reaver seus documentos digitais — e o californiano Ziprick and Cramer LLP, que não pagou o valor pedido por ter cópias das informações.

Na América Latina, 92% das vítimas de sequestro digital são brasileiras. "Já existem vários casos, mas nenhum na mídia", disse a advogada especializada em Direito Digital Juliana Abrusio durante encontro do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, nesta terça-feira (30/8).

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Para Juliana Abrusio, clientes devem ser o foco da segurança digital em escritórios.
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Juliana destacou que o foco da segurança digital em escritórios de advocacia devem ser os clientes, que são os principais motivadores indiretos desses crimes e muito afetados por uma eventual perda de informações. Disse ainda que, segundo a McAfee, empresa especializada em proteção digital, as amostras de ransomware cresceram 169% em 2015.

O também especialista em Direito Digital Alexandre Atheniense citou que há, inclusive, clientes que impõem a implantação de mecanismos de segurança digital como condição para fechar contratos com advogados, bem como a  adequação ao compliance internacional.

Ele afirmou que os profissionais do Direito costumam achar que não são potenciais alvos de ataques digitais, mas estão errados. "Se você acha que não é alvo, já está errado. Todo mundo é alvo de hacker em relação a vazamento de dados." Atheniense explicou que essa falta de interesse pelo tema é cultural, pois o brasileiro tem atitudes muito mais reativas do que preventivas em relação a eventuais problemas. "Deixar acontecer para saber como reagir."

O advogado reforçou que o meio digital não é totalmente seguro e que o ineditismo do tema no Brasil afeta sua compreensão. Disse ainda que o brasileiro costuma estar bem aparelhados em termos tecnológicos, mas a segurança dos dados fica em segundo plano. "Nossa cultura em lidar com o meio digital é muito recente."

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Marcelo Fernandes ressaltou que modelo de segurança mudou, saindo do princípio de perímetro para um de várias frentes devido ao aumento da portabilidade.
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Para Marcelo Fernandes, diretor de marketing da Intralinks, empresa especializada em segurança digital, o modelo de proteção mudou muito nos últimos anos, saindo de um conceito de perímetro dos computadores (o firewall) para um de várias frentes, que protege o documento e todos os dispositivos usados para manipulação dessas informações.

“É uma grande mudança de paradigma”, disse o executivo, ressaltando que o aumento da portabilidade com o uso intensivo de smartphones, notebooks e tablets aumenta a insegurança na troca de dados. “O firewall nem sempre é a solução mais eficiente.” Segundo Fernandes, são usados atualmente programas de segurança “embebidos” no documento, como uma espécie de vacina, que garante o acesso apenas a pessoas pré-autorizadas.

Fator humano
Apesar das preocupações dos palestrantes estarem focadas no meio digital, os três ressaltaram que o fator humano ainda é o principal causador de problemas nas trocas de informações. Trabalhadores desatentos ou mal intencionados podem prejudicar negócios ou expor clientes inesperadamente.

Jeferson Heroico
Atheniense explicou que  falta de interesse pelo tema é cultural, pois o brasileiro tem atitudes muito mais reativas do que preventivas
Jeferson Heroico

Alexandre Atheniense contou que passou por esses problemas e que chegou a ser obrigado a instalar programas de monitoramento na máquina de alguns usuários que usavam o tempo de serviço para outras atividades. Ele ressaltou, porém, que o tráfego de informações por meio digital o ajudou a encontrar o problema e resolvê-lo. "Tudo que você consegue circular em meio digital aumenta a rastreabilidade de coisas que muitas vezes o papel não revelaria."

Esse aumento de controle no trânsito do documento também foi citado por Fernandes, que o chamou de metadata tapping, que garante o rastreamento da informação e reforça a segurança ao mesmo tempo. “A cybersegurança deve ser vista um risco ao negócio”, reforçou.

Juliana Abrusio também citou um caso em que um advogado de um escritório canadense especializado em crimes do colarinho branco foi a um bar depois do trabalho e, por ter esquecido seu tablet quando deixou o local, muitas informações dos clientes da banca estavam na internet no dia seguinte.

A advogada contou ainda outro episódio em que o chefe do departamento de tecnologia da informação de uma empresa ficou oito anos recebendo cópias ocultas de e-mails enviados entre os sócios da companhia por oito anos sem o conhecimento de ninguém.

Citando o caso canadense, Juliana ressaltou a importância de as bancas fornecerem aparelhos móveis aos funcionários para que eles atuem remotamente. Segundo ela, esse é o modelo ideal, pois a empresa pode instalar programas nos aparelhos que permitam sua inutilização imediata ou rastreamento, mas ponderou que essa estratégia deve ser bem planejada.

Conscientização necessária
A advogada afirmou que um dos principais caminhos usados por instituições para promover a segurança digital é a conscientização. Ressaltou que Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e o Superior Tribunal de Justiça lançaram cartilhas nesse sentido. Disse ainda que um dos melhores materiais sobre o tema foi produzido pelo Kaspersky Lab. "A contaminação pode vir em um e-mail, e, por isso, todos do escritório devem saber sobre o assunto."

Apesar da importância da conscientização, Alexandre Atheniense ponderou que as decisões sobre o tema devem vir de cima, da direção das bancas, e que o plano de contingenciamento para panes digitais precisa ser pré-definido, estabelecendo se haverá ou não uma pessoa exclusivamente responsável sobre isso, se ela será terceirizada.

Ele ressaltou ainda que o mercado de segurança e tecnologia de informação, atualmente, é bem mais barato e acessível do que há alguns anos. Segundo o advogado, o setor "virou commodity" e já é possível alugar a infraestrutura, tornando desnecessário pagar por licenças de software, que encareciam muito a atividade.

Juliana Abrusio também explicou que as pessoas responsáveis pela tecnologia da informação trabalham com a infraestrutura de armazenamento e de transmissão, deslocando a responsabilidade pela gestão de segurança para outro profissional, de preferência o gestor do negócio. "O advogado não precisa se cobrar tanto sobre tecnologia, ele precisa saber dos riscos para encaminhar o que precisa ser feito".

Clique aqui para acessar o material apresentado por Alexandre Atheniense no evento.

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