Sem censura

Ministro Salomão defende direito ao esquecimento e pede debate qualificado

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28 de outubro de 2016, 18h51

O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, defendeu nessa quinta-feira (27/10) que o debate a respeito do direito ao esquecimento precisa ser mais qualificado. Para ele, o debate fica “pobre” e “chulo” quando se curva a argumentos de que a aplicação do direito é uma forma de censura ou de apagar a história.

“Ninguém quer apagar a memória, a história ou ferir a liberdade de imprensa. Ninguém defende mais a liberdade de imprensa do que os tribunais”, disse, durante palestra no XIX Congresso Internacional de Direito Constitucional, organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

Ele lembrou que o direito que uma pessoa tem de não permitir que um fato, mesmo que verdadeiro, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, vem sendo consagrado pelos tribunais europeus há alguns anos, inclusive para conteúdos na internet. E que o Google tem retirado links de suas buscas, a pedido dos interessados, avaliando caso a caso.  

STJ
Para Salomão, ninguém defende mais a liberdade de imprensa do que tribunais.
STJ

O ministro lembra que em 2013 a Justiça brasileira começou a reconhecer que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Isso aconteceu em 2013, durante a 6ª jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, com a aprovação de um enunciado que abordava o tema.

Segundo a justificativa, “os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados”.

O ministro contou que a 4ª Turma do STJ julgou pela primeira vez casos deste tipo ainda em 2013. Foram dois ligados a programas de televisão que fazem reconstituição de crimes. Em um, que envolveu um cidadão indiciado por ter supostamente participado da conhecida Chacina da Candelária, mas depois absolvido pelo júri, o tribunal reconheceu que ele tinha direito de ser esquecido. A produção do programa foi procurá-lo depois de alguns anos dizendo que queria entrevistá-lo, mas ele disse que não queria falar sobre o assunto. O programa foi ao ar mesmo assim. Nesse caso a pessoa teve direito a indenização. Comentando esse caso, o ministro diz que não se trata de acobertar crime ou impedir que ele seja divulgado, mas sim “olhar por outro ângulo o direito da pessoa de ser esquecida e seguir em frente”.  

Em outro caso, os ministros do colegiado afastaram a tese do direito ao esquecimento e entenderem que o programa que reconstruiu o assassinato de Aida Curi, acontecido na década de 1950, não gerou dano moral para a família da vítima. Em ambos os casos, houve recurso que estão pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal. O ministro lembrou que o STJ ainda não analisou nenhum caso que diz respeito ao direito ao esquecimento especificamente na internet.

Direito à memória
O ministro Salomão fez a palestra em um painel que tratava de memória, esquecimento e retirada de conteúdo da internet. Também participou do painel Albie Sachs, ex-juiz da Corte Constitucional da África do Sul, que contou a importância para a pacificação do país que foi o resgate histórico das violações dos direitos humanos ocorridas durante o apartheid por meio da criação da Comissão da Verdade e Reconciliação.  Segundo ele, isso foi necessário para o país se tornar democrático “com o coração aberto e mãos limpas”.

Ele ficou conhecido pela luta contra o regime que separou brancos e negros durante décadas no país africano. Nessa luta sofreu consequências sociais e físicas. Ficou 11 anos exilado em Moçambique, passou por torturas e sobreviveu a um atentado a bomba, fato que o fez ter parte de um braço amputado.

Segundo Sachs, a Constituição sul-africana ligou a anistia após o fim do regime antidemocrático, que no Brasil foi ampla, geral e irrestrita, a declarações individuais daqueles que cometeram violações. Ou seja, quem havia cometido crimes tinha que assumir e dar informações sobre as circunstâncias para receber ou não a anistia. “Isso permitiu a descoberta de outras violações que ainda não haviam sido reveladas”, diz.   

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