Opinião

Não há porque impedir campanhas eleitorais em igrejas

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26 de outubro de 2016, 6h24

Ganha preocupante força na Justiça Eleitoral uma tese jurídica que tem como roupagem o pretexto de resguardar o equilíbrio das eleições, mas que encerra, na verdade, um odioso preconceito e ataca frontalmente o direito fundamental de crença de todo cidadão brasileiro. A novidade atende pelo nome de abuso de poder religioso — figura, aliás, sequer prevista na legislação brasileira.

O objetivo por trás da tese é claro: cercear o direito fundamental de um eleitor religioso de votar em alguém que partilha das mesmas crenças que ele e, logo, lhe representará melhor no Parlamento.

A ideia básica da democracia representativa é a de que o cidadão escolha um representante que defenda sua visão de mundo, seus valores e ideias, e que, por meio dele, possa fazer com que sua voz seja ouvida e tenha alguma influência nas decisões tomadas nas diversas esferas de poder. Todos concordam com esse raciocínio. Por que, então, o argumento não vale quando o que une o eleitor e o candidato são suas ideias a respeito de Deus?

Esportistas fazem suas campanhas eleitorais em associações atléticas. Líderes comunitários são recebidos em galpões, salões de festas e casas de eventos em seus bairros para apresentar suas ideias. Personagens midiáticas usam a televisão para expor suas bandeiras, ainda que de forma dissimulada ou maquiada. Por quê, então, líderes religiosos não podem falar de política nos seus espaços de convivência?

Um jurista recentemente disse que é necessário proibir o “atrelamento de pedido de votos a crenças e práticas religiosas”. O que, afinal, isso significa? O “princípio” contido em tal expressão é tão aberto que pode, em breve, descambar para a simples perseguição política e religiosa. Parece exagero? Ora, para que não corramos o risco de atrelar votos e prática religiosa a melhor vacina seria proibir as reuniões, cultos e celebrações em época eleitoral. Por que não?

O Tribunal Superior Eleitoral está debruçado sobre a controvérsia. Um dos recursos que discute o tema começou a ser julgado, mas foi interrompido por pedido de vista. De qualquer forma, foi um alento ouvir o voto do relator da ação, ministro Henrique Neves.

Disse o ministro: “É absolutamente lícito e constitucionalmente assegurado que os sacerdotes e pregadores enfrentem em seus discursos, nas suas homilias, sermões, preleções ou reflexões os temas políticos que afligem a sociedade. E possam livremente adotar posição sobre esses problemas e expor suas opiniões e conselhos a respeito do tema. Por outro lado, nada impede que os candidatos abracem a defesa de causas religiosas”. Iluminado voto!

O preconceito existente em diversas esferas sociais em relação aos evangélicos faz com que teses que restringem a liberdade de expressão — porque é, sim, esse bem maior que está em jogo — ganhem campo e produzam efeitos práticos deletérios para uma parcela da população que exige e merece tanto respeito quanto os cidadãos que professam qualquer outra crença.

Podemos proibir um esportista aposentado de subir ao palco de um evento esportivo para dizer que pode representar bem quem gosta de esportes? Não soa razoável. Pois em caso que chegou recentemente à Justiça o candidato eleito pode perder o mandato porque subiu ao púlpito de uma igreja e foi elogiado pelo pastor.

Afinal, somos ou não somos uma democracia representativa?

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