Provas ilícitas

Supremo considera ilegais grampos da PF contra ex-senador Demóstenes

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25 de outubro de 2016, 20h12

O juízo de primeiro grau usurpou competência do Supremo Tribunal Federal ao liberar interceptações telefônicas contra o ex-senador Demóstenes Torres, quando ele ainda tinha prerrogativa de foro, e demorar um ano para comunicar a corte sobre o fato. Assim entendeu a 2ª Turma do Supremo, nesta terça-feira (25/10), ao anular provas contra o ex-senador, que foi grampeado em investigações contra o bicheiro Carlos Cachoeira e acabou tendo o mandato cassado em 2012.

Por unanimidade, os ministros consideram as provas ilícitas e criticaram o argumento de que comunicar o STF poderia “implicar prejuízo à investigação”, como declarou no ano passado o Superior Tribunal de Justiça (leia mais abaixo). Todas essas escutas devem ser descartadas da ação penal que tramita hoje contra Demóstenes no Tribunal de Justiça de Goiás, no qual ele é acusado de corrupção passiva e advocacia administrativa.

Cabe agora à corte local avaliar se o processo ainda tem outras provas para seguir em frente — o relator do caso, ministro Dias Toffoli, disse que não poderia determinar o trancamento sem conhecer todos os detalhes dos autos. A decisão, na prática, deve desidratar o processo — a revista eletrônica Consultor Jurídico apurou que as transcrições somam seis volumes e cerca de 1.200 folhas.

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Demóstenes Torres foi grampeado em investigação sobre jogos de azar, mas Supremo só foi avisado um ano depois.

O problema é que Demóstenes foi alvo de escutas nas operações vegas e monte carlo, iniciadas em 2008, e o STF só foi informado um ano depois. Toffoli afirmou que a Polícia Federal escreveu relatórios à parte sobre autoridades com foro por prerrogativa de função e que o Ministério Público tinha ciência desses fatos. 

Em 2014, quando questionou os grampos no STJ, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que houve um acordo entre o juiz responsável por autorizar as operações da PF, o Ministério Público e a própria polícia para que a investigação seguisse sem chegar ao Supremo — onde, segundo ele, avaliavam que o caso “não iria dar certo”.

Segundo o advogado Pedro Paulo Medeiros, também defensor de Demóstenes, já nos primeiros relatórios da Polícia Federal aparecia o nome do ex-senador.

No ano passado, a 6ª Turma do STJ manteve o andamento da ação penal contra Demóstenes, por considerar justificável que os investigadores tenham demorado a informar o STF. Por maioria de votos, o colegiado disse que a simples interceptação de diálogos de pessoa com prerrogativa de foro, que conversa com um investigado, não gera a conclusão automática de que a autoridade participa de atividade criminosa.

De acordo com o acórdão, “a remessa imediata de toda e qualquer investigação, em que noticiada a possível prática delitiva de detentor de prerrogativa de foro, ao órgão jurisdicional competente não só pode implicar prejuízo à investigação de fatos de particular e notório interesse público, como, também, representar sobrecarga acentuada dos tribunais, a par de, eventualmente, engendrar prematuras suspeitas sobre pessoa cujas honorabilidade e respeitabilidade perante a opinião pública são determinantes para a continuidade e o êxito de suas carreiras políticas”.

Indignação
Toffoli considerou uma “ofensa” ao STF a tese de que enviar investigações à corte prejudica o trabalho. Também ironizou o fato de que o então senador não parece ter gostado da proteção contra “prematuras suspeitas”.

Em parecer, a Procuradoria-Geral da República disse que Demóstenes não era investigado nas operações vegas e monte carlo e só foi alvo de inquérito depois, no Supremo. Embora a corte já tenha reconhecido a validade do encontro fortuito de provas em interceptações, Toffoli afirmou que o ex-parlamentar foi alvo de um “apanhado de indícios” antes de a polícia ter feito alerta sobre a competência.

Para o ministro Teori Zavascki, “é lamentável que esses episódios ocorram”. “Se temos constitucionalmente uma distribuição de competência, é preciso que isso seja realmente levado a sério. Apesar das evidências robustas, as provas são ilícitas”, concluiu.

O ministro Ricardo Lewandowski, relator do inquérito contra Torres remetido ao TJ-GO, considerou o episódio “intolerável, sob pena de desmoronarem as instituições”. Na avaliação do decano, ministro Celso de Mello, o caso revela um “quadro censurável de gravíssimas anomalias de índole jurídica” e patente desrespeito à ordem constitucional. 

O presidente da 2ª Turma, ministro Gilmar Mendes, declarou ser “fundamental […] um precedente crítico em relação a abusos que se perpetram na seara da proteção dos direitos e garantias individuais, sendo o mais caro deles o direito à liberdade”.

Fora do cargo
Demóstenes é procurador de Justiça em Goiás, mas está afastado desde 2012, pouco depois de ter sido cassado pela Câmara dos Deputados. Ele chegou a conseguir suspender decisão cautelar proferida pelo Conselho Nacional do Ministério Público, mas ainda vale afastamento proferido pelo TJ-GO.

Segundo a denúncia do Ministério Público, ele patrocinou diretamente interesses de Cachoeira perante o prefeito do município de Anápolis (GO) e recebeu vantagens indevidas entre junho de 2009 e fevereiro de 2012 — como viagens em aeronaves particulares, mais de R$ 5 milhões em dinheiro, garrafas de bebidas de alto valor e eletrodomésticos. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RHC 135.683

* Texto atualizado às 21h25 do dia 25/10/2016, para acréscimo de informações.

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