Direito de defesa

Podemos ter um processo penal fascista em plena democracia, diz Toron

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20 de outubro de 2016, 8h35

Para o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, o momento vivido atualmente é paradoxal, pois há o risco de, depois de 28 anos de plena democracia, o Brasil ter um processo penal fascista. “Corremos perigo de, em pleno período democrático, retroagirmos ao processo penal vigente no Estado Novo”, disse durante audiência pública para debater o Projeto de Lei 4.850/2016, conhecido como as 10 medidas do Ministério Público Federal para combater a corrupção.

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Toron teme a redução da abrangência do Habeas Corpus por causa, por exemplo, de eventuais abusos de agentes estatais.

O projeto é polêmico, pois apresenta propostas que fogem do modelo constitucional brasileiro, como o uso de prova ilícita obtida de boa-fé e o teste de integridade para servidores públicos. Na sessão, o advogado tratou especificamente das questões ligadas ao Habeas Corpus, que, a pretexto do combate à criminalidade, pode ter seu alcance reduzido.

Um dos pontos abordados por Toron foi a redação do artigo 10 do projeto, que altera o artigo 647 do Código de Processo Penal. O dispositivo inserido na proposta do MPF determina que “dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal que prejudique diretamente sua liberdade atual de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”.

Segundo o criminalista, essa mudança seria um retrocesso perigoso por se aproximar da definição apresentada para o uso do HC durante o Estado Novo, que garantia o instituto sempre que alguém sofresse ou achasse que estaria na iminência de sofrer violência ou coação ilegal.

“Com a exclusão da cláusula da iminência, não apenas quando a liberdade de ir vir estivesse diretamente ameaçada, mas ainda quando essa ameaça fosse indireta, ou mesmo remota, o HC serve como instrumento para tutelar a liberdade de ir vir, que passou a ser tutelada tanto de forma direta quanto indireta”, explicou Toron.

No começo de sua fala, ele também citou o Estado Novo, pois foi lá que o “Código de Processo Penal foi gestado e parido”, e, durante esse período, segundo Toron, “se presumia a culpa e ponto”.

“O homem quer, sim, segurança contra a criminalidade, mas quer também segurança contra os abusos dos agentes estatais”, disse o criminalista, parafraseando o pensador e professor da universidade de Milão Federico Stella, morto em 2006. “As duas coisas são faces daquilo que chamamos de criminalidade, mas segurança também contra o juiz déspota, o promotor déspota, o delegado déspota”, complementou.

Outro ponto questionado por Toron foi a possibilidade de o Ministério Público apresentar agravo contra decisão concessiva de HC. “O MP já tem recurso para isso, que é o especial. Nós teremos mais um agravo para apreciar decisão concessiva. Fico imaginando, naquelas decisões em que se conceda parcialmente a ordem, e recorre a defesa ordinariamente ao Superior Tribunal de Justiça, e o Ministério Público, na parte que ficou vencido, agrava. Teremos o HC travado. Vamos mal aí.”

Toron afirma não ser possível limitar o HC, pois afetaria a paridade de armas da defesa frente à acusação. “Esse é instrumento que a cidadania tem, não é só advogado que pode impetrar”, disse, complementando que o legislador não pode limitar algo se a Constituição assim não o fez.

Preocupação com o futuro
O criminalista, que considera um absurdo retirar os mecanismos de defesa, mostra-se preocupado com as liberdades da sociedade no futuro caso o projeto do MPF seja aprovado nos moldes atuais. Ao traçar uma linha do tempo sobre o poder penal estatal, ele detalha que, apesar da reforma do Código Penal, que passou a valer em 1985 e depois foi reforçada pela Constituição de 1988, ocorreram retrocessos até os tempos atuais.

Ele exemplifica citando a lei da prisão temporária (7.960/1989), que flexibilizou a prisão preventiva, e a Lei dos Crimes Hediondos (8.072/1990), que reintroduziu a prisão preventiva obrigatória, segundo ele por via obliqua. “Nós, hoje, temos a experiência concreta de que o número de estupros não diminuiu com o aumento da pena, o número de extorsões mediante sequestro não diminuiu com o aumento da pena.”

“Nós não podemos conviver em uma sociedade em que se repudia o principal instrumento posto para a defesa do cidadão que é o Habeas Corpus”, disse, afirmando que o papel do advogado não é decorativo na hora do flagrante e que se a Constituição diz que o cidadão deve ser orientado, o advogado deve ter meios para fazê-lo. “A ampliação do caráter da prisão preventiva faz presumir a culpabilidade […] Já temos muitas hipóteses de prisão preventiva. A lava jato foi feita toda na prisão preventiva.”

Embargos infringentes e HC como recurso
A limitação dos embargos infringentes também foi citada por Toron, que considera um erro mantê-los apenas para votos absolutórios, pois, por exemplo, caso seja apresentado um entendimento reduzindo a pena, não caberia embargos infringentes. “Não vejo porque, pois em matéria tão sensível, a redução da pena pode significar a mudança do regime prisional.”

O impedimento à apresentação de HC como recurso depois de outros instrumentos recursais, previstos ou não, também preocupa o advogado. “Não concordo. Você pode obviar uma nulidade um constrangimento pela via expedita, mais rápida.”

O advogado justificou seus argumentos com seguidos exemplos. Em um deles, ele conta que o Ministério Público de São Paulo, em um caso ocorrido em Ribeirão Preto, escolheu “a dedo” o juiz para distribuir o pedido de escutas telefônicas. “Tem juiz que tem o seu próprio CPP”, contou em outro exemplo, ao citar um desembargador que negou o direito dos advogados questionarem os réus.

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