Força excessiva

Despreparo da PM-SP gerou violência em protestos de 2013, diz juiz

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20 de outubro de 2016, 18h44

A falta de preparo, os abusos de autoridade e o uso excessivo da força pela Polícia Militar de São Paulo foram os causadores da violência ocorrida durante as manifestações de 2013. O argumento é do juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10ª Vara de Fazenda Pública, que condenou a corporação a pagar R$ 8 milhões em danos morais coletivos pelos atos praticados há três anos e limitou o uso de gás lacrimogêneo e bombas de borracha em protestos.

Excessos da PM-SP em manifestações motivaram violência, segundo juiz que condenou a corporação.
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“O que se viu, em 2013, foi caracterizado por uma absoluta e total falta de preparo da Polícia Militar, que, surpreendida pelo grande número de pessoas presentes aos protestos, assim reunidas em vias públicas, não soube agir, como revelou a acentuada mudança de padrão: no início, uma inércia total, omitindo-se no controle da situação, e depois agindo com demasiado grau de violência, não apenas contra os manifestantes, mas também contra quem estava no local apenas assistindo ou trabalhando, caso dos profissionais da imprensa”, criticou o juiz.

O julgador explica que agir nada mais é do que manter a ordem pública garantindo o direito de reunião e de manifestação. Para Andrade, o argumento da PM-SP, de que seus atos tinham como objetivo zelar pela proteção dos manifestantes é apenas um subterfúgio. “Está, em verdade, a retirar a liberdade daqueles que querem, pacificamente, se reunir para exercerem um direito fundamental que a Constituição de 1988 assegura-lhes.”

Ao condenar a PM-SP, o juiz da 10ª Vara de Fazenda Pública destacou que o uso de balas de borracha e gás lacrimogêneo só deverá ocorrer em situações "excepcionalíssimas", ou seja, quando o protesto perder totalmente seu caráter pacífico. Sobre o planejamento, Andrade explicou que a medida deverá contar as condições em que haverá a ordem de dispersão, considerada como “providência-limite”, o tipo de oficial responsável por determiná-la e quais circunstâncias justificarão o ato.

Em 2013, durante as manifestações, a PM-SP foi criticada por parte da imprensa por seus abusos, incluindo prisões desnecessárias e injustificadas, além de agressões totalmente desmotivadas. Um exemplo disso foi um repórter da revista Carta Capital que foi preso por portar vinagre em sua mochila — a substância é conhecida por inibir, quase que imediatamente, os efeitos do gás lacrimogêneo.

Outro exemplo foi a prisão de um morador de rua — posteriormente condenado a 5 anos de prisão —, justificada porque ele carregava pinho sol e água sanitária. O laudo, da Polícia Civil, destacou que a possibilidade de as substâncias serem usadas para fabricar coquetéis molotov, conforme constava na acusação, era “ínfima”.

Despreparo nítido
Em meio às inúmeras críticas sobre a atuação da PM-SP ao reprimir as manifestações, Andrade destaca, principalmente, o despreparo dos agentes de segurança para lidar com situações como as enfrentadas em 2013. O juiz cita as repressões excessivas cometidas pelas polícias paulista e paranaense contra estudantes que reivindicavam melhores condições de ensino.

“O estado de São Paulo tem utilizado sua Polícia Militar para, ‘manu militare’, retirar os alunos dessas escolas, sem buscar a via jurisdicional, necessária e imprescindível para casos nos quais o particular esteja a invocar um direito fundamental, como o direito de reunião, sobretudo quando aquele que está a invocar esse direito está sob especial proteção jurídica conferida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.”

A PM-SP, continuou Andrade, não pode impor de maneira genérica as condições para que a sociedade exerça seu direito de reunião, devendo apenas criar condições para que o evento ocorra tranquilamente. Nesse ponto, o julgador destacou a necessidade de um plano de atuação, inclusive abolindo uma prática comum da corporação em protestos: a falta de identificação dos agentes. “O cidadão tem o direito de saber o nome do agente policial e de qualquer agente público com quem esteja a lidar.”

Futebol como exemplo
Em sua sentença, Andrade afirma que a limitação no uso de gás lacrimogêneo e de bombas de borracha é possível e cita como exemplo de sucesso a segurança que a PM-SP faz durante os jogos de futebol.

“O controle que a Polícia Militar do Estado de São Paulo vem conseguindo alcançar dentro dos estádios de futebol, sem uso de armas de fogo e de munição de outra natureza, permite confirmar que é plenamente possível que a Polícia Militar possa garantir a ordem pública em protestos populares sem o uso de tais armas”, compara o julgador.

A realidade, porém, não é bem essa. Apenas neste ano foram registrados inúmeros conflitos entre a Polícia Militar paulista e torcedores. Todos os relatos citam o uso de balas de borracha e bombas de efeito moral, mesmo que para a própria defesa.

Em janeiro, a PM-SP usou gás lacrimogêneo para impedir a entrada de pessoas em um estádio de Mogi das Cruzes durante o intervalo de uma partida da Copa São Paulo de Juniores. A confusão começou, segundo o Globoesporte.com, depois que os portões foram fechados devido à lotação máxima do estádio ter sido atingida.

No último domingo (16/10), a PM-SP usou bombas de borracha para dispersar torcedores do Guarani e da Ponte Preta, ambos times de Campinas, que iriam se enfrentar em uma avenida da cidade. O “encontro” resultou em 21 prisões.

Em abril deste ano, após uma partida entre Barretos e Guarani pela série A2 do Campeonato Paulista, novo confronto entre policiais militares e torcedores terminou em confronto com o uso de balas de borracha. A ação foi motivada por uma confusão iniciada pela torcida organizada do Bugre.

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Processo 1016019-17.2014.8.26.0053

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