Direito Comparado

Lançamento de obra de Ronald Coase reforça estudo entre Direito e Economia

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

19 de outubro de 2016, 18h52

Spacca
Na próxima terça-feira (25/10), às 18h30, no Espaço Cultural do Superior Tribunal de Justiça, haverá o lançamento do livro A firma, o Mercado e o Direito, de Ronald Harry Coase, editado pela Forense Universitária, que contará com uma palestra de apresentação de Henrique Meirelles, ministro da Fazenda. Esse livro integra a Coleção Paulo Bonavides, dirigida pelo ministro Dias Toffoli e por este colunista, que se iniciou, de modo muito auspicioso, com a Autobiografia de Hans Kelsen, cuja quarta edição está esgotada há dois anos.   

A conclusão desse processo editorial será, portanto, celebrada com um lançamento no STJ, que terá como anfitriões a ministra Laurita Vaz, presidente da corte, e o ministro Antonio Carlos Ferreira, autor do Estudo Introdutório do livro.  

Nesta coluna, pretende-se contar um pouco sobre esse processo editorial, sobre o autor e sobre a importância dessa obra para o Brasil contemporâneo. 

Em 2 de setembro de 2013, com quase 102 anos, morria Ronald Harry Coase, prêmio de Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel de 1991 e um dos mais influentes economistas contemporâneos, o que é comprovável por ele ter se tornado o economista mais lido na China, depois de Karl Marx.

Em sua homenagem, escrevi uma coluna na ConJur, intitulada Coase foi um dos pais da Análise Econômica do Direito, à qual se somou a ideia de traduzir para a língua portuguesa sua obra mais importante, The Firm,  The Market and The Law, que reúne seus principais artigos, a saber, A natureza da firma, O problema do custo social e O farol na economia.

Embora muito difundido no país desde os anos 1980, especialmente no âmbito dos estudos de Law and Economics, que possui um segmento fiel de estudiosos em cursos de pós-graduação em Direito no Brasil e em Portugal, o trabalho de Coase não era encontrável em vernáculo. Exceção feita a uma tradução de O Problema do Custo Social, levada a efeito por Francisco Kümmel F. Alves e Renato Vieira Caovilla, divulgada sob a forma de paper. Para se compreender a relevância dos textos de Ronald Coase, o livro A firma, o Mercado e o Direito já se encontra vertido para dez idiomas (chinês, estoniano, francês, húngaro, italiano, japonês, coreano, russo, espanhol e sueco), sendo que existem traduções para o alemão e para o persa de alguns de seus textos.

A inexistência de uma versão em língua portuguesa, mesmo com tantos anos de difusão das ideias de Coase e com um número considerável de adeptos de suas ideias no Brasil, levou os diretores da Coleção Paulo Bonavides a encampar esse projeto, mesmo sem ter vinculações ou mesmo serem adeptos das ideias do economista anglo-americano. Esse trabalho foi iniciado em 2011, com negociações de direitos autorais, contratação de tradutor e definição do plano de trabalho da obra. Desde então, sucessivos incidentes retardaram o lançamento do segundo volume dessa coleção, que pretende trazer para o público lusófono os clássicos contemporâneos do Direito.

Concluída a tradução, considerou-se necessário revê-la, em nome da preocupação central que é a qualidade do texto apresentado ao leitor. Traduzir uma obra é quase uma aventura expedicionária a um território inóspito. Podem-se cometer atrocidades com o texto do autor, com suas ideias e com os leitores. Esse cuidado, que dá o tom da Coleção Paulo Bonavides, fez com que fossem convidados estudiosos com conhecimento e familiaridade com Ronald Coase, a fim de rever a tradução. Esse trabalho coube inicialmente a Alexandre Veronese, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília; Lucia Helena Salgado, professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que foi conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no período de 1996 a 2000, e Antônio José Maristrello Porto, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas, este último havia revisto a tradução de O problema do custo social, a que se referiu anteriormente.

Uma vez concluída mais essa etapa, a tradução revista de Heloísa Barbosa foi apresentada a Francisco Niclós Negrão, integrante da firma Magalhães e Dias Advocacia, uma das mais importantes do país em Direito Concorrencial. Niclós Negrão, que é advogado e possui um bachelor of arts na Brandeis University, nos Estados Unidos, procedeu a uma detalhada comparação dos originais com o texto traduzido, o que resultou em um aprimoramento considerável na terminologia jurídica e econômica. Coube a este colunista emprestar sua modesta contribuição na revisão final do texto traduzido.

Vencida a tradução, passou-se à feitura do Estudo Introdutório ao livro de Ronald Coase. Os livros da Coleção Paulo Bonavides são obrigatoriamente precedidos de um Estudo Introdutório, relativamente extenso, no qual se objetiva: a) dialogar com a literatura em língua portuguesa sobre o autor e a obra; b) contextualizar o livro para o leitor lusófono, apresentando-lhe informações biográficas e bibliográficas fundamentais, além de descrever as principais características do livro e qual sua utilidade para os grandes temas do Direito brasileiro contemporâneo.

Coube ao ministro Antonio Carlos Ferreira, do Superior Tribunal de Justiça, e a Patrícia Cândido Alves Ferreira, mestre pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), a elaboração do Estudo Introdutório de A firma, o mercado e o Direito. Em um texto de 57 páginas, dividido em 8 seções, os autores repassaram aspectos fundamentais do livro, da vida de Coase e de suas conexões com o Brasil e os debates de nosso tempo. Primeiro, tentaram responder à pergunta: por que ler esse livro hoje? Depois contaram, com riqueza de fontes históricas secundárias e algumas primárias, a história absolutamente instigante de Coase. Com leveza, eles descrevem as origens proletárias de Coase, sua inclinação inicial para o socialismo Fabiano, as dificuldades com o latim e a facilidade com a Química (e seus efeitos para seu futuro acadêmico), a “epifania” ao descobrir Adam Smith e a teoria da “mão invisível”. Não somente isso! Avançaram sobre sua ida aos Estados Unidos em plena Depressão dos anos 1930, seu retorno ao Reino Unido e sua participação na Segunda Guerra Mundial, quando ele, conforme o título de uma das seções do Estudo Introdutório, entrou “em guerra (e) com a burocracia”.

São passagens deliciosas sobre a trajetória de um homem profundamente vinculado ao século XX, mas cujas ideias ainda se mostram presentes no pensamento jurídico e econômico do século XXI. A seguir, o Estudo Introdutório narra como se deu a trajetória acadêmica de Coase: o desencanto com o Reino Unido do pós-guerra, a recusa a postos universitários de prestígio em seu país e a emigração para os Estados Unidos, onde começaria a lecionar em uma instituição periférica, em Buffalo, até ser descoberto pelo mainstream acadêmico norte-americano.  Sua passagem para o grand monde universitário deu-se, como quase tudo em sua vida, de modo acidental. Uma discussão com revisores de seu artigo sobre a agência reguladora de comunicações norte-americana, que havia sido enviado para o Journal of Law and Economics, da Universidade de Chicago, desencadeou os seguintes fatos, narrados nas páginas 25-26 Estudo Introdutório:

“Coase terminou seu artigo The Federal Communications Commission e resolveu submetê-lo à revisão cega por pares de um novo periódico − Journal of Law and Economics − da Universidade de Chicago. Como é praxe o paper foi avaliado por pareceristas e eles identificaram um aparente erro de concepção teórica, o que demandaria uma reanálise do autor à luz dessas críticas. Ele recebeu uma correspondência por meio da qual lhe era solicitado que corrigisse a passagem impugnada, mas ele insistiu na manutenção de seu escrito. Como exemplo de uma cortesia acadêmica hoje praticamente desaparecida, Coase foi convidado a expor o conteúdo de seu trabalho em um seminário para os economistas da Universidade de Chicago, organizado por George Stigler. No mesmo dia, ele foi chamado para um jantar, que se converteu em uma verdadeira ‘lenda da Economia moderna’ e contou com a participação de vários professores, dentre eles Milton Friedman, George Stigler e Gregg Lewis, todos futuros nominados ao prêmio em memória de Alfred Nobel por sua contribuição à Economia (…)”  

Como resultado disso, Coase convenceu Friedman e os demais participantes do jantar. Desse encontrou, resultou O problema do custo social, que seria publicado posteriormente no Journal of Law and Economics, e viria se converter no “artigo de revista jurídica mais citado de todos os tempos”.

O Estudo Introdutório prossegue com a narrativa de sua carreira na Escola de Direito da Universidade de Chicago, seu papel como editor do Journal of Law and Economics,a conquista do Prêmio Nobel e sua importância para o mundo contemporâneo. Na segunda parte, faz-se uma análise dos principais pontos do livro e das teorias de Ronald Coase.

O ministro Antonio Carlos Ferreira publicou na Consultor Jurídico, no espaço da Coluna Direito Civil Atual, um belo texto (http://www.conjur.com.br/2016-set-12/direito-civil-atual-traducao-obra-coase-avanco-literatura-brasileira)  sobre a tradução que ele e Patrícia Cândido Alves Ferreira tiveram a generosidade de elaborar. 

É igualmente curioso, e digno do caráter acidental de tudo o que envolveu Coase em sua vida proficuamente longa, que também os autores do Estudo Introdutório não sejam coaseanos ou adeptos do Law and Economics. Tal circunstância fortalece o ethos da Coleção Paulo Bonavides, que se exterioriza por uma preocupação de não prestigiar ou privilegiar correntes de pensamento ou ideologias e sim o de permitir o acesso a obras de diferentes matizes e tendências.

Todo esse esforço é uma forma de contribuir com a cultura jurídica nacional e a ele se integraram de modo inteiramente gracioso Alexandre Veronese, Francisco Niclós Negrão, Lucia Helena Salgado,  Antônio José Maristrello Porto, além, evidentemente, do ministro Antonio Carlos Ferreira e de Patrícia Cândido Alves Ferreira. Nesse grupo, também estão o ministro Dias Toffoli e este colunista, ao lado do editor Francisco Bilac Moreira Pinto, que tem a coragem de apostar em projetos culturais tão arriscados em tempos de abandono da leitura de livros, e do professor Gabriel Nogueira Dias, um dos grandes incentivadores deste projeto.

Concorde-se ou não com Ronald Coase, suas ideias precisam ser analisadas, até para que sejam criticadas ou refutadas. A atualidade das relações entre Direito e Economia é comprovável pela outorga do Nobel de Economia de 2016 para Oliver Hart e Bengt Holmström, que tentam demonstrar os efeitos de falhas na economia contratual e do processo tomada de decisões no universo jurídico e econômico. Embora seguindo uma linha original, não se pode negar que coube a Ronald Coase a primazia — desde os anos 1930 — no vislumbre dessa conexão entre Direito e Economia, para além, é claro, das contribuições (profundas e historicamente perenes) de Karl Marx.

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    é conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

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