Segunda Leitura

Liminares no TJ do Ceará geram debate sobre plantões judiciais

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

16 de outubro de 2016, 10h05

Spacca
Nesta semana a mídia noticiou o afastamento de dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará, Francisco Pedrosa Texeira e Sérgia Maria Mendonça Mirante, por decisão do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça. Ambos e mais o desembargador aposentado Valdsen Alves foram conduzidos à Justiça Federal para prestar esclarecimentos à Polícia Federal.[i] A acusação é, basicamente, de venda de liminares nos plantões judiciais.

Todavia, o problema é antigo. O site Espaço Vital noticiou que em 22 de setembro de 2015 a ministra corregedora-nacional da Justiça, Nancy Andrigui, propôs a abertura de processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça contra os desembargadores Paulo Camelo Timbó e Carlos Rodrigues Feitosa.[ii] No Consultor Jurídico constou que também foi solicitado o afastamento do desembargador Francisco Pedrosa Teixeira, “porém, a análise foi interrompida pelo pedido de vista do conselheiro Emmanoel Campelo”[iii], cujo resultado é desconhecido.

O desembargador Timbó aposentou-se dias depois e o desembargador Feitosa continuou em exercício. Ao que tudo indica, sem deixar-se intimidar, porque, além de tudo, seu filho, o advogado Fernando Feitosa, envolvido nos fatos e denunciado pelo Ministério Público Federal, teria, inclusive, colocado fotos de cédulas de R$ 50 e R$ 100 na sua página no Facebook, referindo-se ao “dia da liminar”.[iv]

O afastamento dos dois desembargadores pelo STJ foi fruto de denúncia oferecida pelo MPF. A competência da corte decorre do fato de Feitosa ser desembargador em atividade.[v] Na denúncia constam 10 acusados e narram-se fatos ocorridos a partir de 2012, referindo-se a um ajuste criminoso entre várias pessoas, que negociavam, através de whatsup, a venda de decisões, inclusive na esfera cível (item 8, usucapião).

No âmbito do STJ, um novo inquérito será instaurado para investigar o crime de corrupção ativa atribuída aos desembargadores Francisco Pedrosa Teixeira e Sérgio Maria Miranda.[vi]

Os fatos surpreendem, não pela existência de fraude em plantões judiciais, algo antigo, mas pela extensão (pelo menos cinco desembargadores são suspeitos), pela publicidade dos fatos, que eram indiretamente divulgados, inclusive no Facebook, e pela impunidade (já haviam sido levados ao CNJ em 2015).

Mais além dos fatos em si, interessa analisar o plantão judicial, os riscos que encerra e os reflexos de condutas como a noticiada. E aí, tantas são as consequências, que merecem ser articuladas:

1)  O plantão judicial é importante, evita que situações de emergência sejam adiadas para o primeiro dia útil (v.g., uma prisão arbitrária) ou que, se não forem decididas no ato, acabem se tornando inúteis (v.g., um menor prestes a ser levado pelo pai para o exterior, contrariando acordo celebrado com a mãe).

2)  A desembargadora Maria I. Martins do Vale, presidente do TJ-CE, em nota pública divulgada no site oficial do TJ-CE, ressaltou que "os possíveis acontecimentos apontados na investigação, incompatíveis com o exercício da função jurisdicional, não refletem a postura da magistratura cearense e, por isso, devem receber o rigoroso tratamento que as leis preveem e a ética e a moralidade pública impõem".[vii] Pena que não explicou por que nenhuma medida foi tomada para apurar tal tipo de ocorrência que, no mínimo, vem acontecendo desde 2012, segundo denúncia do MPF.

3)  Consolidou-se o entendimento de que o CNJ só deve agir subsidiariamente, ou seja, se houver inércia dos tribunais[viii]. Ora, qualquer um com um mínimo de experiência da vida forense sabe que é difícil, quase impossível, investigar-se os iguais.  Óbvio que o bom senso seria os TJs. TRTfs, TRTs e TJMs investigarem juízes de primeira instância, com poder subsidiário do CNJ, e este órgão investigar desembargadores. Fora disto é o nada.

4)  As apurações em casos de corrupção devem ter o rigor máximo. Só que a corrupção tem mão dupla, quando há recebimento não é possível punir o sujeito passivo (corrompido) e absolver o sujeito ativo (corruptor). A punição de magistrados, ainda que longe do ideal, existe, tanto assim que um site específico aponta todos os casos mais recentes, inclusive com foto de cada envolvido.[ix] No entanto, a punição do corruptor, normalmente um advogado, não é divulgada.

A OAB, certamente, puniu com expulsão de seus quadros os advogados envolvidos nos muitos casos, conforme artigos 34, XXVII e 35, III e 38, II do Estatuto da OAB. Seria importante, contudo, que as medidas tomadas fossem divulgadas, pois delas não se tem notícia, permitindo que se suponha que não existiram.

5)  Outro aspecto é a reação pública. Nos últimos dois anos, políticos envolvidos em casos de corrupção, com repercussão na mídia, têm sido vaiados e injuriados em aeroportos e restaurantes. Esta reação da sociedade, inédita na história do Brasil, deve estender-se a membros da magistratura que traiam o juramento feito na posse. Merecem toda repulsa, que evidentemente não deve chegar à agressão, mas que pode traduzir-se em gestos simples, como não estender a mão para um cumprimento, sair do elevador quando o indivíduo entrar, excluí-lo da associação de magistrados a que pertence e outros semelhantes.

6)  Nos casos extremos, em que, após ser investigado por corrupção, o magistrado persista na sua prática, é preciso avaliar se o caso merece prisão preventiva. Esta não deve ser, por óbvio, medida a ser tomada em qualquer caso, mas pode ser a adequada em situações extremas. Pela mesma razão que tem sido decretada a prisão preventiva nos inúmeros casos da operação “lava jato”, como o HC julgado pelo TRF-4 a favor de João Cláudio de Carvalho Genu.[x]

Retornando ao início, é preciso encontrar-se o ponto certo para as atividades do plantão judicial. É preciso, desde logo, ter presente que em todos os fins de semana, feriados e recesso, milhares de plantões são dados regularmente, sem nenhum tipo de fraude, na primeira e na segunda instância de todo o território nacional. Portanto, o ocorrido no TJ-CE é exceção, não a única, evidentemente,[xi]  e não regra.

Em um segundo momento, é necessário que este tipo de ocorrência não iniba os magistrados a examinar com imparcialidade os pedidos feitos no plantão. Em outras palavras, a ocorrência aqui comentada não deve levar os plantonistas a negar tudo, o que seria cair em um extremo inadequado.

Finalmente, seria oportuno que fosse analisada a possibilidade de acréscimo às hipóteses de exame proibido no plantão[xii], por exemplo, a vedação de exame de casos já decididos na Vara ou câmara por outro magistrado.

É possível e é preciso encontrar o ideal.

 


[xi]  O TJ de São Paulo aposentou compulsoriamente, em 28/9/2016, o desembargador Otávio Henrique de Sousa Lima, da 9ª Câmara de Direito Criminal, acusado de, no plantão, ter colocado  em liberdade um conhecido traficante.

[xii] Art. 1º, §3º. Durante o Plantão não serão apreciados pedidos de levantamento de importância em dinheiro ou valores nem liberação de bens apreendidos.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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