Sem justa causa

Dizer que juiz escreve "pérolas" e decide sem ler não justifica ação penal, diz TRF-4

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12 de outubro de 2016, 9h03

Uma pessoa só pode ser acusada de difamar outra quando a ofende com fato determinado e objetivo, não bastando uma imputação vaga ou indefinida. Assim entendeu a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao trancar procedimento instaurado no Juizado Especial Criminal contra um procurador da Fazenda Nacional em Joaçaba (SC).

Ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob acusação de ter difamado um juiz estadual em peça recursal. Ao recorrer de uma decisão, que tramita na Justiça comum de Santa Catarina, o procurador escreveu: ‘‘O que parece estar havendo é que, em decorrência da sobrecarga de trabalho a que estão submetidos os juízes de primeira instância, alguns estão ‘assinando’ (sem ler) decisões feitas por assessores e estagiários, pois não é possível crer que alguém aprovado no difícil concurso da magistratura seja realmente capaz de produzir ‘pérolas’ como a presente’’.

Noutro trecho, a crítica se torna mais ácida: ‘‘(…) o juiz decide sem ler o que está sendo postulado, o oficial de justiça não consegue encontrar um endereço que fica há [sic] 1km do fórum e o chefe de secretaria deixa de proceder às intimações… é um caos, e tudo dentro do mesmo processo (imagine-se, então, o que se encontraria numa auditoria do Tribunal) (…)’’.

Após tomar conhecimento do teor do agravo, em agosto de 2014, o juiz apresentou representação criminal contra o procurador, que acabou denunciado conforme o artigo 139 combinado com o artigo 141, inciso II, ambos do Código Penal – difamação contra funcionário público, em razão de suas funções.

A Advocacia-Geral da União solicitou o trancamento da ação penal. Como o pedido foi rejeitado pela 3ª Turma Recursal de Santa Catarina, o caso chegou ao TRF-4. O relator, desembargador federal Márcio Antônio Rocha, concluiu não haver motivo para o prosseguimento do processo.

Deselegância
‘‘Embora as palavras usadas sejam de fato deselegantes, podem não atingir a potencialidade lesiva necessária a ofender publicamente a honra do magistrado, sobretudo porque não identificado na manifestação o nome do juiz. Nesse contexto, os atos, embora em tese ofensivos, podem não guardar lesividade suficiente à configuração da via penal, restringindo-se aos aspectos cíveis, ao que tudo indica, já desencadeados na esfera própria’’, afirmou em seu voto.

Em voto divergente, o juiz federal convocado Guilherme Beltrami disse que a concessão Habeas Corpus, para trancamento de ação penal, somente é admitida quando o fato narrado na denúncia não configura, nem mesmo em tese, conduta delitiva. Ou seja,  o comportamento do réu tem de ser claramente atípico ou não haver certeza sobre a materialidade do crime.

‘‘No caso em tela, a denúncia apresenta uma narrativa congruente e individualizada dos fatos, possibilitando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Também não há falar em ilegitimidade de partes e extinção de punibilidade do agente, questões que sequer hipoteticamente integram o presente writ. A autoria e materialidade delitiva também não pendem de questionamento per se, os fatos são admitidos como verdadeiros pelo denunciado, o qual apenas apresenta versão alternativa para a interpretação do mesmo’’, escreveu no voto.

Conforme o juiz, a potencialidade lesiva do delito está configurada, já que o uso de expressões que identificam o julgador excede a crítica e parte para a ofensa da figura do magistrado. Venceu, porém, a tese do relator, por maioria de votos.

Clique aqui para ler o acórdão.

 

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