Opinião

Resolução 174 do CSJT é exemplo de construção democrática no Judiciário

Autor

  • Rogerio Neiva Pinheiro

    é juiz do Trabalho da 10ª Região foi juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST nas gestões 2016/2018 e 2018/2020 e juiz auxiliar da Presidência do CSJT na gestão 2020/2022. Autor do livro “Técnicas e Estratégias de Negociação Trabalhista" mestre e doutor em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília.

11 de outubro de 2016, 9h30

No dia 06 de outubro de 2016 foi publicada a Resolução 174 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, a qual trata da política judiciária de solução adequada de conflitos na Justiça do Trabalho. Considerando o seu conteúdo, bem como o processo de construção, tal norma merece estar no rol das políticas públicas judiciárias mais democráticas que já se produziu. Além disso, contempla grandes avanços e relevantes contribuições para que se realize efetivamente o tratamento adequado dos conflitos e para que o Judiciário possa melhor proporcionar a satisfação ao jurisdicionado.

Mas para que se compreenda o sentido e o alcance da Resolução 174, primeiramente é preciso tecer esclarecimentos sobre o seu rico processo de construção, o qual teve como um dos principais protagonistas os gestores de políticas judiciárias de solução autocompositiva de conflitos da Justiça do Trabalho, ou seja, os coordenadores de Núcleos de Conciliação.

Tudo começou no 2º Encontro Nacional de Coordenadores de Núcleos de Conciliação, realizado na cidade de Poconé (MT), nos dias 03 a 05 de setembro de 2015, sob a primorosa organização do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região. Naquela ocasião se fez presente o então Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Emmanoel Campelo, incumbido de relatar a proposta de alteração da Resolução 125/2010 do CNJ, o que mais tarde resultou na Emenda 02/2016. Sua excelência na oportunidade prestou esclarecimentos sobre o processo de discussão da referida norma, a qual até então disciplinava o tratamento adequado de conflitos em todo o Poder Judiciário, mencionando que o principal motivador do referido processo consistia nas necessidades de adaptação ao Novo CPC.

Aquelas colocações tinham servido como faísca em tanque de combustível, pois os gestores de políticas de conciliação da Justiça do Trabalho ali presentes há tempos esperavam por uma oportunidade para avançar quanto ao tema no âmbito da Resolução 125/2010, em relação a tal segmento especializado do Sistema de Justiça.

Exatamente na mesma ocasião, intensamente motivados pelo contexto, e inclusive por uma questão de necessária instrumentalização para apresentação de demandas institucionais, foi criado o Fórum Nacional de Coordenadores de Núcleos de Conciliação da Justiça do Trabalho, à época denominado “Colégio de Coordenadores de Núcleos de Conciliação da Justiça do Trabalho”. Na mesma oportunidade, no exercício do papel de Coordenador do Núcleo de Conciliação do TRT da 10ª Região, fui escolhido coordenador provisório daquele então Colégio.

A partir daí foram adotadas várias iniciativas e promovidas intensas discussões, voltadas a buscar avanços na Resolução 125 quanto à Justiça do Trabalho. Uma das medidas foi propor ao então relator que solicitasse sugestões aos Presidentes dos TRTs, no que houve pronto acolhimento. Com isto, os Coordenadores de Núcleos de Conciliação procuraram os Presidentes dos Tribunais correspondentes para apresentação de sugestões, os quais em sua quase totalidade as encaminharam sem qualquer reparo. E vale destacar que todos os colegas discutiam as referidas propostas entre si, procurando empreender esforços de superação das divergências pontuais.

Porém, apesar de todas as energias empreendidas pelos referidos gestores locais de políticas de soluções autocompositivas, estes foram surpreendidos com a notícia de que havia tendência no CNJ de excluir a Justiça do Trabalho da Resolução 125/2010, o que na ocasião trouxe sentimentos e emoções que podem ser traduzidos com carga de intensidade na palavra frustração. Aquilo veio como um verdadeiro balde de água fria.

Mas houve forças para algum tipo de reação e tentativa de sensibilização do Conselho Nacional de Justiça. Neste sentido, promoveu-se em Brasília, em 22 de janeiro de 2016, o 3º Encontro Nacional de Coordenadores de Núcleos de Conciliação da Justiça do Trabalho, organizado pelo TRT da 10ª Região. Na ocasião pleiteou-se, inclusive por meio de interlocução direta com membros do CNJ, ao menos uma regra de transição, para que as políticas até então implantadas não ficassem em situação de limbo normativo ou precariedade institucional. Muitos colegas voltaram do referido Encontro para suas Regiões preocupados, com receio de que todas as experiências exitosas em andamento, implantadas sob amparo da Resolução 125 do CNJ, tivessem que ser desfeitas. Mas havia alguma esperança de que, juntamente com a exclusão, viesse ao menos a pleiteada regra de transição

E de nada adiantou o empenho e o apelo dos Coordenadores de Núcleos de Conciliação da Justiça do Trabalho, pois em 08 de março de 2016 foi publicada a Emenda 02 da Resolução 125, prevendo no seu art. 18-B a exclusão da Justiça do Trabalho da aludida norma. E sem a esperada regra de transição. Com isso, havíamos caído no limbo normativo.

Após a ressaca de tal experiência frustrante, compreensível como episódio natural do processo democrático, e a partir de uma reflexão conjunta, se percebeu que, se a norma geral do CNJ havia excluído a Justiça do Trabalho, a qual consiste em segmento específico e conta com Conselho específico, o lógico e natural seria que tal matéria fosse tratada por tal Conselho específico, ou seja, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Segundo tal raciocínio, não faria sentido que o CNJ elaborasse, em caráter originário, uma norma apenas para a Justiça do Trabalho, inclusive considerando o fato de que até o momento não há nenhuma Resolução com tal característica.

Paralelamente a isto, em 11 de março de 2016 foi publicado o Ato Conjunto TST.CSJT.GP 09/2016, criando a Comissão Nacional de Promoção à Conciliação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, coordenada pelo Vice Presidente do TST/CSJT e composta por mais um Ministro do TST, bem como por um representante de cada região geográfica. Tal Comissão teria o papel de exercer a gestão nacional de políticas judiciárias de solução autocompostiva de conflitos. Os magistrados de primeiro e segundo grau designados para a sua primeira composição, a qual ainda vigora, eram todos gestores de políticas judiciárias de solução autocompostiva de conflitos nos respectivos Regionais. Com isso, tal mecanismo abriu espaço para atuação institucional por parte dos referidos agentes no âmbito do CSJT.

Considerando os dois fatores apontados, ao invés de trabalhar na construção de dispositivos pontuais como se fazia no contexto de discussão da Resolução 125, passou-se a trabalhar na elaboração de uma Resolução completa e própria. O trabalho foi duro. Alguns colegas ficaram incumbidos de sistematizar, outros de coordenar a discussão e coletar sugestões, e outros de iniciar as necessárias tratativas do ponto de vista político. A proposta que se produziu como fruto do referido processo não foi elaborada apenas a quatro mãos, mas a muitas mãos.

Concluída uma minuta minimamente consensual, esta foi oficialmente entregue ao Vice Presidente do CSJT, Min. Emmanoel Pereira, em mãos pela Desembargadora Ana Paula Tauceda, do TRT da 17ª Região, a qual havia me sucedido na coordenação do Fórum Nacional de Coordenadores de Núcleos de Conciliação da Justiça do Trabalho – FONACON. Tal entrega ocorreu no dia 10 de maio de 2016, durante a realização da 1ª reunião oficial da Comissão Nacional de Promoção à Conciliação do CSJT.

E assim, a Vice Presidência do CSJT promoveu estudos sobre o tema, bem como discutiu a matéria com a advocacia, por meio dos dirigentes da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT, os quais externaram as preocupações dos advogados trabalhistas. Um dos principais pleitos apresentados, o qual foi devidamente contemplado, era de que, apesar do artigo 791 da CLT prever o ius postulandi no Processo do Trabalho, por medida de cautela, nos Centros de Conciliação fosse imposta a obrigatoriedade de participação do advogado do reclamante durante as sessões de conciliação e/ou mediação, medida esta que, apesar das resistências internas, foi acolhida na Resolução 174/2016, no seu artigo 6º, parágrafo 1º.

Após os estudos necessários e as referidas interlocuções, foi elaborada uma nova minuta de proposta de Resolução pela Vice Presidência do CSJT, a qual, juntamente com aquela elaborada pelo FONACON, foi enviada ao Presidente do CSJT, ministro Ives Gandra, com a solicitação de que encaminhasse a discussão no âmbito do referido Conselho. E o pedido foi prontamente acolhido.

Convencido de que a matéria efetivamente seria de competência originária do CSJT, o seu Presidente, amparado inclusive pela jurisprudência do próprio CNJ, deu prosseguimento ao processo, tendo elaborado uma nova proposta a partir das que havia recebido, a qual colocou em discussão e posterior votação. Nesta discussão mais uma vez foram ouvidos os coordenadores de Núcleos de Conciliação, os quais se reuniram em Brasília no dia 24 de agosto de 2016, em Encontro Institucional convocado pela Vice Presidência do CSJT, para discutir, dentre outros temas, a referida proposta de resolução. Na ocasião, vários alertas e preocupações que foram manifestadas contaram com acolhimento por parte do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

Da mesma forma que os gestores de políticas de conciliação, os Presidentes de TRTs, reunidos em torno Colégio de Presidentes e Corregedores de TRTs – COLEPRECOR, Presidido pelo Desembargador Lourival Ferreira dos Santos, Presidente do TRT da 15ª Região e um dos grandes entusiastas dos métodos adequados de solução de conflitos, também promoveram a devida e necessária contribuição, a qual foi levada pelos Conselheiros do CSJT que ostentam a condição de Presidentes de Tribunais.

Mas além de ter contado com a ativa participação dos coordenadores de Núcleos de Conciliação, com a contribuição dos Presidentes de TRTs e ter atendido o principal pleito da advocacia trabalhista, uma das principais preocupações da Magistratura do Trabalho também foi contemplada. Neste sentido, a Resolução 174 promoveu o devido acolhimento da Tese número 04, da Comissão 04, do 18º Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho- CONAMAT, realizado de 27 a 30 de abril de 2016, a qual dispõe que “no processo do trabalho, a conciliação é sempre dirigida pelo juiz, nos termos do § 2º do artigo 764, da CLT, não se admitindo que seja realizada, em nenhuma hipótese, por pessoas externas ao Poder Judiciário e nem sem o acompanhamento direto e pessoal do juiz”.

Tal tese não só foi atendida, ao restringir aqueles que podem atuar como mediadores e conciliadores, e ao exigir a presença física e visualmente disponível do magistrado no ambiente no qual se realizam as sessões de conciliação e/ou mediação, como também se estabeleceu um parâmetro objetivo limitador em relação à quantidade de sessões que o juiz poderia supervisionar, exatamente de modo a garantir a observância da preocupação externada na mencionada tese. Na verdade, ao ter criado a referida limitação objetiva-quantitativa, pode-se afirmar que a Resolução foi mais rigorosa que a própria tese, ao estabelecer condições concretas para a sua observância.

Portanto, o primeiro aspecto fundamental merecedor de destaque consiste no amplo caráter democrático de construção da Resolução 174 do CSJT. É possível afirmar sem dificuldade que todos os envolvidos tiveram suas preocupações contempladas, quais sejam, os magistrados em geral, os Presidentes de TRTs, os coordenadores de Núcleos de Conciliação e a advocacia.

Além disso, como se pode perceber, também sem qualquer dificuldade, vários foram os atores que participaram do presente processo, não sendo possível afirmar que tal norma tenha sido fruto de uma única vontade. Contudo, não se pode negar que um dos principais protagonistas foram os coordenadores de Núcleos de Conciliação da Justiça do Trabalho, os quais correspondem a magistrados de primeiro e segundo grau que, na sua maioria ou quase totalidade sem prejuízo da jurisdição e de suas atividades regulares, se dedicam de forma incansável às políticas judiciárias de solução autocompositiva de conflitos, na busca da pacificação social e da contribuição com a melhor prestação jurisdicional.

Seguramente, poucas resoluções do Poder Judiciário conseguiram tal nível de atendimento plural. Arriscaria até mesmo afirmar que o presente resultado pode ter sido fruto do perfil naturalmente consensual dos atores que iniciaram e provocaram o presente processo.

Quanto ao conteúdo da Resolução, o qual reflete o seu processo de construção, merecem destaque os seguintes pontos:

– esclarecimento da diferença conceitual entre conciliação e mediação, inclusive de modo a evitar confusões relacionadas à incompreensão do tema (artigo 1º, I e II). Tal definição foi estabelecida principalmente para deixar claro que mediação não se confunde com Câmara Privada de Conciliação e Mediação, na medida em que a primeira consiste em atividade de facilitação da busca da solução de consenso, podendo ser praticada até mesmo pelo magistrado, ao passo que a segunda consiste em mecanismo externo ao Poder Judiciário, que por sua vez não foi admitido no Processo do Trabalho, conforme se verá adiante. Tal distinção acaba por evitar desgastes inúteis, decorrentes da incompreensão ou confusão quanto aos referidos conceitos;

– determinação de criação de Centros de Conciliação na Justiça do Trabalho, (artigo 6º, caput);

– restrição à atuação como conciliadores e mediadores aos servidores ativos, bem como servidores e magistrados togados inativos (artigos 6º, parágrafos 6º e 8º). Ou seja, houve inclusive a preocupação de deixar claro que os magistrados aposentados seriam apenas os togados, o que afasta a possibilidade de atuação de classistas aposentados;

– necessidade da presença física e visualmente disponível do juiz no ambiente onde se realiza as audiências de conciliação e/ou mediação (artigo 6º, parágrafo 1o), bem como limitação da supervisão de 06 sessões concomitantes por magistrado (artigos 7º, parágrafo 8º);

– obrigatoriedade da participação do advogado do reclamante nas audiências realizadas nos Centros de Conciliação (artigo 6º, parágrafo 1o);

– vedação à atuação na fase pré-processual para dissídios individuais, em função da definição do conceito de “disputa” no art. 1º, V, bem como do disposto no artigo 7º, parágrafo 6º;

– vedação à admissão de acordos firmados em Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação (artigo 7º, paragráfo 6º);

– criação do Código de Ética de Conciliação e Mediação para a Justiça do Trabalho (Anexo II).

Não há dúvida de que este deve ser tido como um primeiro passo e que há muito o que avançar. Por outro lado, também a prática e a realidade da aplicação ditará os ajustes necessários, sendo que a Resolução contempla mecanismos que inclusive facilitam tais adaptações.

Mas também não se pode ignorar que a presente Resolução consiste em passo importante, ao abrir caminho para que os Tribunais Regionais do Trabalho promovam avanços no tratamento adequado de conflitos. E que assim, contribuam com a satisfação do jurisdicionado e com a pacificação social, o que consiste no fim maior do Poder Judiciário.

Autores

  • Brave

    é juiz do Trabalho da 10ª Região, membro do Comitê Gestor da Conciliação do Conselho Nacional de Justiça, juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST e membro da Comissão Nacional de Promoção à Conciliação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Foi coordenador do Núcleo de Conciliação do TRT-10 e coordenador do Fórum Nacional de Coordenadores de Núcleos de Conciliação da Justiça do Trabalho.

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