Paradoxo da Corte

A prescrição intercorrente no novo CPC e na atual jurisprudência do STJ

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4 de outubro de 2016, 8h00

O novo Código de Processo Civil disciplina com muita precisão a denominada prescrição intercorrente, que constitui causa de suspensão e de extinção da execução.

Dentre as situações que ensejam a suspensão da execução, previstas no artigo 921, encontra-se aquela que é provocada pela inexistência de bens penhoráveis de propriedade do executado (inciso III). O juiz, nesse caso, determinará a suspensão do processo de execução pelo prazo de um ano, “durante o qual se suspenderá a prescrição” (artigo 921, parágrafo 1º, do CPC).

Dispõe o parágrafo 4º do mesmo artigo 921, que, transcorrido o lapso de suspensão, sem manifestação do exequente, inicia-se o prazo de prescrição intercorrente.

Atingido tal interregno temporal, o juiz deverá determinar a intimação das partes para que se manifestem no prazo de 15 dias (parágrafo 5º do artigo 921). Justifica-se esta providência no princípio do contraditório efetivo, caro ao novo Código de Processo Civil (artigo 10), evitando-se decisão escudada em fundamento-surpresa. O exequente, em particular, terá oportunidade de explicar o motivo de sua prolongada inércia.

Em seguida, considerando a manifestação das partes, sendo injustificável a paralisação do processo, o juiz, reconhecendo, de ofício, a prescrição intercorrente, proferirá sentença extintiva do processo executivo.

Coerente com esse regime, o subsequente artigo 924 prevê, entre as hipóteses de extinção da execução, a ocorrência de prescrição intercorrente (inciso V).

Cumpre anotar que, mesmo antes da entrada em vigor do novel diploma processual, revendo a orientação então predominante, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.522.092-MS, relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, passou a entender que a situação de abandono do processo não se confunde com a inatuação do exequente no âmbito do processo de execução, sendo, portanto, para o reconhecimento da prescrição intercorrente, desnecessária a intimação pessoal do devedor (v. u., DJe 13.10.2015).

Com efeito, deixou assentado o respectivo voto vencedor:

“A intimação para dar andamento ao feito, mencionada nos precedentes supracitados, diz respeito à extinção do processo por abandono da causa pelo prazo de 30 dias, conforme previsto no artigo 267, inciso III, do Código de Processo Civil[1973], hipótese que não depende da ocorrência de prescrição, como já alertava o Ministro Eduardo Ribeiro, nos primeiros julgados desta Corte sobre o tema. Como a extinção pelo artigo 267, inciso III, não depende da ocorrência de prescrição, infere-se que a jurisprudência atual ou rejeita a tese da prescrição intercorrente na execução, ou a subordina à caracterização processual do abandono da causa, criando assim uma hipótese sui generis de prescrição.

Uma consequência indesejável desse entendimento é a possibilidade de pretensões executórias subsistirem indefinidamente no tempo, não obstante a inércia da parte interessada. Essa consequência, a meu juízo, não pode ser admitida com tamanha amplitude, pois atenta contra o objetivo principal do sistema jurídico, que é a pacificação dos conflitos de interesse.  Como é cediço, o instituto da prescrição tem por fundamento a segurança jurídica proporcionada às relações jurídicas, fulminando a pretensão pelo transcurso do tempo associado à inércia do credor…

Esse objetivo de pacificação social não parece ser compatível com o prolongamento indefinido de pretensões executórias ao longo do tempo. Quanto a esse ponto, o caso dos autos é emblemático, pois a execução permaneceu suspensa por 13 anos (de 1999 a 2012), sem qualquer iniciativa da parte credora, quando então os devedores, pretendendo livrarem-se do débito, requereram a declaração da prescrição intercorrente, que teria sido consumada após 5 anos de suspensão do processo, por se tratar de dívida líquida (cf. artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC). Evidentemente, é mais salutar para o sistema jurídico manter a pacificação social, obtida pelo transcurso de 13 anos sem o exercício da pretensão, do que manter eficácia do crédito por tempo indefinido. Essa ponderação que conduz ao reconhecimento da prescrição intercorrente, embora seja vencida na jurisprudência desta Corte, ganhou fôlego com a recente promulgação do novo Código de Processo Civil. Pelo novo Código de Processo Civil, a suspensão da execução por ausência de bens penhoráveis implica também a suspensão da prescrição, mas somente pelo prazo de 1 ano, após o qual começa a fluir a prescrição intercorrente. A propósito, confira-se o disposto no artigo 921. Cabe esclarecer que a intimação mencionada no parágrafo 5º, desse dispositivo, diz respeito exclusivamente à observância do princípio do contraditório, nada tendo a ver com aquela intimação para dar andamento ao feito, mencionada nos precedentes desta Corte. Sobre esse novo dispositivo legal, merece referência a doutrina de Gilson Delgado Miranda, em obra coordenada por Teresa Arruda Alvim Wambier, dentre outros (Breves comentários ao novo CPC, Ed. RT, São Paulo, 2015, p. 2.065): ‘Por quanto tempo o processo de execução ficará suspenso? Há prazo? 10 anos? 20 anos? Pode o exequente requerer o desarquivamento de uma execução suspensa há 70 anos? O novo Código resolveu esse claro dilema. Realmente, na vigência do Código de 1973 houve muita divergência sobre o tema. Em precedente antigo do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Sálvio de Figueiredo, relator do Recurso Especial 280.873, 4ª Turma , j. 22-3-2001, verberou: ‘estando suspensa a execução, em razão da ausência de bens penhoráveis, não corre o prazo prescricional. Nunca concordamos com essa orientação, especialmente depois da edição da Súmula 314/STJ: Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por 1 ano, findo o qual se inicia o prazo de prescrição quinquenal intercorrente. Em outras palavras, no nosso sentir não há foro de prosperidade para se distinguir a orientação adotada em execução fiscal e aquela prevista para se aplicar à execução civil. Não comungamos da ideia de que uma execução suspensa há 70 anos possa ser desarquivada para expropriar os bens do executado. Em suma, em prol da segurança jurídica, à evidência, viável a defesa da prescrição intercorrente’. Essa inovação trazida pelo novo CPC, a meu juízo, confere contornos mais precisos a questão, pois, em nosso sistema jurídico, a prescrição é a regra, a imprescritibilidade é a exceção. Desse modo, os casos de imprescritibilidade devem-se limitar aos expressamente previstos no ordenamento jurídico, não sendo adequado criar outras hipóteses de imprescritibilidade pela via da interpretação, como ocorre ao se afastar a possibilidade de declaração da prescrição intercorrente na execução.

É por esta razão que se propõe, desde já, uma revisão da jurisprudência desta Corte Superior, para revigorar o entendimento consolidado na Súmula 150/STF, aplicando esse entendimento ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Nesse passo, observa-se que o Código em vigor não estabeleceu prazo específico para a suspensão da execução.

A propósito, confira-se a redação dos artigos 791 e 793 do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 202, parágrafo único, do Código Civil, a prescrição interrompida recomeça a correr do último ato do processo. Como o Código de Processo Civil em vigor não estabeleceu prazo para a suspensão, cabe suprir a lacuna por meio da analogia, utilizando-se do prazo de 1 ano previsto no artigo 265, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil e artigo 40, parágrafo 2º, da Lei 6.830/80.

Caso o juízo tivesse fixado prazo para a suspensão, a prescrição seria contada do fim desse prazo, após o qual caberia à parte promover o andamento da execução. No caso concreto, consta no acórdão recorrido que o processo de execução foi suspenso, sine die, em 1999, a requerimento do credor, tendo ficado paralisado até 2012, quando os devedores peticionaram, requerendo a declaração da prescrição intercorrente. O prazo de prescrição começou a fluir em 2000, 1 ano após a suspensão, pelo prazo geral de 20 anos. Em 2003, com a entrada em vigor do novo Código Civil, recomeçou a contagem pelo prazo quinquenal, por se tratar de dívida líquida constante em instrumento particular, estando fulminada a pretensão em 2008 (cf. artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC). Correto, portanto, o entendimento do Tribunal de origem, que proclamou a prescrição intercorrente…”.

Diante dessa irrepreensível fundamentação, contendo inclusive precisa exegese do novo Código de Processo Civil, nada há a acrescentar no sentido de que o abandono do processo e a prescrição intercorrente são fenômenos que geram diferentes consequências no plano processual.

Configurado o abandono do processo, na fase de conhecimento, o juiz deverá determinar a intimação pessoal do autor, para, só então, se for o caso, proferir julgamento sem resolução do mérito (artigo 485, inciso III, do CPC). Na execução, pelo contrário, constatado o descaso prolongado do exequente, alcançado o lapso de prescrição intercorrente, torna-se despicienda qualquer providência ulterior para a imediata extinção do processo (artigo 924, inciso V, do CPC). Tal providência, contudo, esbarra na regra do artigo 10 do Código de Processo Civil, porque estaria vulnerado o contraditório.

Assim sendo, mais recentemente, já na vigência do estatuto processual, pelo menos dois acórdãos da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, prolatados no último mês de setembro, procuram equacionar o problema, de sorte a prestigiar, de um lado, a celeridade, e, de outro, a garantia da bilateralidade da audiência.

Com efeito, no julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.422.606-SP, da relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, restou decidido, por unanimidade, que: “Incide a prescrição intercorrente, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do artigo 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, o qual deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição. Conquanto seja imprescindível a intimação da parte, propiciando o exercício efetivo do contraditório quanto a eventuais causas obstativas da prescrição, o prazo prescricional não fica sujeito à previa intimação” (DJe 23.09.2016).

Nesse idêntico sentido, no julgamento do Recurso Especial n. 1.593.786-SC, relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ao examinar hipótese na qual a execução permaneceu suspensa por sete anos sem que o exequente tenha adotado qualquer providência para a localização de bens penhoráveis,  asseverou a 3ª Turma de que há, em tese, possibilidade “de se declarar de ofício a prescrição intercorrente no caso concreto, pois a pretensão de direito material prescreve em 3 anos. Desnecessidade de prévia intimação do exequente para dar andamento ao feito. Necessidade apenas de intimação do exequente, concedendo-lhe oportunidade de demonstrar causas interruptivas ou suspensivas da prescrição” (v. u., DJe 30.09.2016).

A prescrição intercorrente flui normalmente, sendo certo que a intimação do exequente visa a tão-somente propiciar-lhe manifestação acerca de eventual justificativa plausível de sua própria inércia.

Verifica-se, pois, que esta orientação encontra-se em absoluta sintonia com a tendência que já despontava nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e, mais recentemente, com a melhor interpretação do disposto no artigo 921, parágrafos 4º e 5º, do Código de Processo Civil em vigor.  

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