Opinião

Ações judiciais fabricadas penalizam Judiciário, empresas e advogados

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1 de outubro de 2016, 7h30

Há tempos o contencioso representa um desafio para o Judiciário brasileiro. Ano após ano, as ações se avolumam e o número de processos entrantes segue superando em muito o número de processos julgados. Os constantes esforços de todos os operadores do Direito e da Justiça para a reversão desse quadro trazem importantes soluções. Os mutirões no Judiciário, o fortalecimento dos órgãos administrativos e das agências reguladoras, a nova Lei de Arbitragem e o novo Código de Processo Civil com seus dispositivos voltados à conciliação e celeridade processual, são alguns dos resultados desses esforços. E certamente trarão frutos.

Mas infelizmente o quadro de assoberbamento do Judiciário está longe de mudar e a análise das causas passa por um exame multifatorial que não será abordado aqui, dada a sua dimensão e complexidade. O presente artigo buscará elucidar apenas uma das causas, que muito embora seja relativamente recente, traz preocupação diante do seu potencial danoso e do aumento vertiginoso da prática.

Trata-se das demandas fabricadas, assim definidas aquelas que são ajuizadas mediante manipulação ou alteração dos fatos que supostamente ensejaram o processo, ou até mesmo através do uso de fraudes. As práticas são diversas, e a cada dia os profissionais que atuam de forma inidônea trazem inovações. As modalidades de “fabricação” de demandas judiciais vão desde a prospecção indevida – onde um escritório ou advogado contrata “prospectores” para abordar pessoas nos órgãos de restrição de crédito e afins, mediante promessas de grande recompensa e sem cobrar quaisquer honorários inicialmente, mas somente ao final – até o uso de procurações e documentos falsificados. No primeiro caso trata-se de infração ética, punível pelo órgão de classe, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No segundo, a conduta constitui crime, e pode dar cadeia. Infelizmente, ainda são raros os casos onde o oportunista recebe a reprimenda. 

Mas esse cenário começa a mudar. O Rio de Janeiro atualmente desponta como um celeiro da prática, muito embora esta seja verificada em praticamente todos os estados da Federação. Em maio, um advogado foi preso dentro do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, suspeito de fraudar processos contra empresas aéreas. A prática consistia na apresentação da mesma nota fiscal de um relógio Rolex em vários processos onde os supostos autores alegavam terem tido a bagagem extraviada. Em junho, uma autora teve o pedido julgado improcedente e foi condenada a pagar as custas e honorários, além de ver seu patrono denunciado à OAB e ao Ministério Público.  Ela entrou com a mesma ação em juízos diferentes.

Casos assim, onde os mesmos documentos e mesmas partes são utilizados em diversos processos, pululam a cada dia. Ainda no Tribunal fluminense, um autor ajuizou, com o auxílio de seu advogado, 14 ações semelhantes, alterando a grafia dos sobrenomes. O advogado dele, por sua vez, movia outras cinco ações idênticas contra empresas diferentes, se valendo do mesmo modus operandi, angariando um total de R$ 70 mil, em curto espaço de tempo – mas desta vez como autor. E também atuava em outras ações "assistindo" diversos clientes com pedidos semelhantes.

Não se pode deixar de afirmar que parte da solução está nas mãos das maiores vítimas: as empresas e o Judiciário. As primeiras podem mitigar as ações fabricadas através do controle e assertividade no fornecimento tempestivo de subsídios para tratamento de suas ações. Vale lembrar que bons escritórios de advocacia têm mecanismos para identificar advogados e autores com grande número de ações contra determinada empresa. Já o Judiciário, ao conceder indenizações por danos morais sem critérios objetivos,  e por vezes em valores exorbitantes, acabou por fomentar essa prática. Com o novo CPC e a tendência de dar parâmetros às indenizações por dano moral, o cenário pode mudar.

Contudo, há ainda medidas simples que podem ser implementadas, mas ainda não o foram. Por exemplo, em grande parte dos sistemas informatizados dos Tribunais, pode-se cadastrar por várias vezes o nome de uma parte, com variações de sobrenome — como se fossem diferentes pessoas — utilizando-se o mesmo CPF. Vincular o cadastramento de pessoa física por CPF é uma medida simples, que impediria uma modalidade de fraude. O nome da parte seria obtido a partir do site da Receita Federal.

Não podemos esquecer as penalidades que devem ser aplicadas aos advogados e partes que fabricam e fraudam processos. Não só no âmbito do Judiciário, mas também junto à OAB, as penas para estes profissionais devem ser exemplares, para que verdadeiramente inibam a prática do ilícito.

Afinal, todos perdem com as ações fabricadas: o Judiciário, que fica cada vez mais abarrotado; as empresas, que acabam por aumentar seus custos e prejudicar seus provisionamentos; e por fim toda a classe de operadores do Direito, em especial os advogados, que veem manchado seu nobre ofício diante da prática espúria de alguns poucos colegas.

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