Memória curta

Risco de esquecimento justifica testemunho antecipado, diz STJ

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30 de novembro de 2016, 8h09

O risco de esquecimento de fatos importantes ao processo justifica a antecipação de testemunho, conforme determina o artigo 366 do Código de Processo Penal. Essa possibilidade existe na atividade policial, pois o agente é submetido a eventos sucessivos que podem resultar em perda de memória específica sobre o fato apurado na ação penal.

Assim entendeu a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ao negar recurso em Habeas Corpus que tentava anular a oitiva antecipada de agentes de segurança pública. O caso foi afetado para julgamento na seção devido à relevância do tema.

No processo, um homem denunciado por tentativa de homicídio foi citado por edital, mas deixou de comparecer ao juízo. A juíza suspendeu o processo e o prazo de prescrição e determinou a oitiva antecipada dos policiais arrolados como testemunhas.

Contra essa última decisão, a defesa ingressou com HC argumentando inexistência de fundamentação concreta que justificasse a produção de prova antecipada, como exige a Súmula 455 do STJ.

No voto acompanhado pelo colegiado, o ministro Rogerio Schietti Cruz apresentou estudos científicos que demonstram que a memória é suscetível a falhas com o passar do tempo, estando sujeita a eventos como a convergência de lembranças verdadeiras com sugestões vindas de outras pessoas.

Por essa razão, disse o ministro, os estudiosos defendem a necessidade de assegurar o menor intervalo de tempo possível entre o fato delituoso e as declarações das vítimas e das testemunhas, “para que seja menor a possibilidade de haver esquecimento e contaminação de influências externas”.

Além disso, o ministro ressaltou a existência de circunstâncias que agravam as limitações habituais da mente humana, como no caso do trabalho feito pelos policiais. Nessas situações, “a testemunha corre sério risco de confundir fatos em decorrência da sobreposição de eventos, que, de corriqueiros e cotidianos, tendem a perder sua importância no registro mnemônico dos agentes da segurança”.

Apesar desses estudos científicos, o ministro assinalou que o STJ, por meio da Súmula 455, estabeleceu que o simples argumento de que as testemunhas poderiam esquecer detalhes com o passar do tempo não permitiria, por si só, a produção antecipada da prova, havendo a necessidade de fundamentação concreta da decisão de antecipação.

O relator defendeu a necessidade de interpretação criteriosa da súmula, pois, por natureza, a produção da prova testemunhal é urgente. “Considero que a fundamentação da decisão que determina a produção antecipada de provas pode limitar-se a destacar a probabilidade de que, não havendo outros meios de prova disponíveis, as testemunhas devem ser ouvidas com a possível urgência.”

No caso concreto analisado pela seção, por exemplo, o ministro destacou que a juíza de primeiro grau justificou a produção antecipada da prova pela exposição constante do agente de segurança pública a inúmeras situações de conflito. Já em segunda instância, ao analisar o pedido de Habeas Corpus, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal ressaltou que havia risco de perecimento da prova.

Rogerio Schietti Cruz destacou ainda que a jurisdição penal tem o dever de evitar que o acusado seja processado e julgado à revelia, mas não pode ter seus resultados comprometidos pela tardia atividade probatória.

“O processo penal […] permite ao Estado exercitar seu jus puniendi de modo civilizado e eficaz, devendo as regras pertinentes ser lidas e interpretadas sob dúplice vertente – proteção do acusado e proteção da sociedade —, sob pena de desequilibrarem-se os legítimos interesses e direitos envolvidos na persecução penal. É dizer, repudia-se tanto a excessiva intervenção estatal na esfera de liberdade individual (proibição de excesso), quanto a deficiente proteção estatal de que são titulares todos os integrantes do corpo social (proibição de proteção penal deficiente).”

O ministro também observou que “não se pode olvidar que a realização antecipada de provas não traz prejuízo para a defesa, visto que, além de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, caso o réu compareça ao processo futuramente, poderá requerer a produção das provas que julgar necessárias para a tese defensiva”.

“Desde que apresente argumentos idôneos, poderá até mesmo conseguir a repetição da prova produzida antecipadamente”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão.
RHC 64.086

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