Opinião

É preciso rediscutir, sem preconceitos, remuneração da magistratura

Autor

  • Milton Augusto de Brito Nobre

    é desembargador decano do TJ-PA; Membro do Conselho Nacional de Justiça (biênio 2009/2011) Presidente do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (Biênio 2013/2015) Professor Emérito da Universidade da Amazônia (UNAMA) e Professor Associado da UFPA.

30 de novembro de 2016, 7h25

Venho, há muito, mais exatamente desde o momento em que integrei o Conselho Nacional de Justiça (biênio 2009-2011), bradando quanto à necessidade de discutirmos, com seriedade, o atual modelo de remuneração da magistratura.

Parece-me claro — e só não enxerga quem não quer ver — que o vigente sistema remuneratório por subsídio não deu certo e contribuiu para o surgimento de algumas práticas de ética muito discutíveis, as quais, ao fim e ao cabo, servem apenas aos interessados em desqualificar a magistratura brasileira frente à opinião publica e provocam distorções em prejuízo da hierarquia salarial.

Com efeito, sendo o subsídio parcela única, a falta de atualização de valor para manter o seu poder aquisitivo irredutível, diante da corrosão inflacionária por anos seguidos, terminou conduzindo ao equivocado caminho da adição de vantagens, permanentes ou transitórias, algumas das quais concebidas como parcelas indenizatórias, provocando situações verdadeiramente absurdas como, por exemplo, um juiz em início de carreira receber estipêndio maior do que um desembargador ou um desembargador do que um ministro de tribunal superior e, até mesmo, do Supremo Tribunal Federal.

É certo que, para isso, também concorreu o escalonamento curto dos níveis das carreiras da magistratura, sobretudo no âmbito federal, e o fato do artigo 93, V, da Constituição haver determinado que a diferença de remuneração entre esses níveis não seria superior a 10% e nem inferior a 5%, levando a que este último percentual terminasse sendo a regra.

Ninguém sensato dirá que a inexistência de hierarquia salarial é algo correto e salutar em qualquer carreira. Cogitar-se, por exemplo, que um capitão possa perceber mais do que um coronel ou este mais do que um general é algo absurdo.

Certamente a esmagadora maioria dos magistrados não sustenta a manutenção dessa realidade e não se opõe a retirada desses penduricalhos que, embora originariamente criados para suprir a falta de reposição correta e anual do valor do subsídio, terminou gerando situações deploráveis, para dizer o menos. Contudo, uma solução para a complexidade decorrente da organização da magistratura em carreira, não será alcançada de forma correta com o emprego da simples técnica do cutlass.

É preciso, antes do mais, enfrentar a realidade de que nenhuma carreira bem organizada e hierarquizada de forma consistente no serviço público pode ser mantida sem um escalonamento remuneratório adequado, o que pressupõe estrita consideração de dois vetores: o da experiência, decorrente dos anos de exercício, vale dizer, a antiguidade na carreira; e o do mérito, aferido pelo nível de eficiência e qualidade no desempenho do cargo.

De outra banda, é essencial estudar em profundidade o valor proporcional e razoável para remunerar servidores públicos que exercem profissões de estado de fundamental importância para a manutenção do Estado Democrático de Direito, à garantia da vida republicana e à paz social, cuja atividade exercida interfere em grau elevado na liberdade, na honra e na propriedade das pessoas, bem ainda, e por isso mesmo, encontram-se sujeitas a impedimentos e restrições que ultrapassam a normatividade legal, chegando até mesmo ao ambiente das regras etiquetais.

Mas não só isso! É imprescindível romper com o lugar comum que se transformou a ideia de que a magistratura e o ministério público são espécies de profissões jurídicas, cuja remuneração deve ser paradigmática para todas as demais profissões que pressupõem a obtenção da graduação em Direito.

De fato, igualar remuneração entre carreiras diferentes, vinculando-as com o objetivo de reajuste, além de ofender o disposto no artigo 37, XIII, da Constituição da República, que veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal no serviço público, termina criando não apenas igualdade entre diferentes, o que é tecnicamente possível, mas identidades e mesmices artificiais.

Desarmar os espíritos para discutir em profundidade e sem paixões um assunto tão complexo quanto importante, implica em que todos afastem os preconceitos, deixem de lado opiniões fundadas em pré-compreensões e verticalizem o seu estudo. Não serão fórmulas mágicas, construídas sem uma séria compreensão da realidade, que irão nos levar a lugar diverso do que já alcançamos com a generalização do sistema de subsídio.

Os juízes, e posso dizer certamente os membros do Ministério Público, na sua esmagadora maioria, não querem ser os príncipes da República. Não defendem privilégios e nem supersalários. Querem perceber a justa e adequada recompensa salarial pelos serviços que prestam à nação, não raro sem condições condignas de trabalho, o que também ocorre com outros servidores públicos.

Todos os trabalhadores, no setor público e no setor privado, têm o lídimo direito de, com respeito às regras do jogo democrático, reivindicar o que entendem devido pelos serviços que prestam. E, embora seja certo que, quanto aos servidores públicos, a sociedade, por sustentar o ônus de suas remunerações, tenha igual direito de debater, criticar e estabelecer, através dos seus representantes no Parlamento, o valor que deve pagar pelos serviços que lhes são prestados, não pode permitir que se tire proveito da ocasião para, por interesses contrariados e nem sempre confessáveis, tentar desqualificar uma maioria de magistrados e membros do Ministério Público que trabalham seriamente e sem receber supersalários, cumprindo, com denodado esforço, a difícil tarefa de distribuir Justiça.

Os erros e mesmo abusos decorrentes do atual sistema remuneratório podem e devem ser corrigidos sem generalizações escandalizadoras com o nítido sentido de desprestigiar, pois isso não é republicano e desserve o Estado Democrático de Direito.

Autores

  • Brave

    é desembargador, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Pará (2005/07), professor Emérito da Universidade da Amazônia e associado I da UFPA, integrante do Conselho Nacional de Justiça no biênio 2009/2011.

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