Reprodução assistida

Regra do CNJ para registro de filhos viola intimidade de doadores de sêmen, diz Iasp

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21 de novembro de 2016, 14h33

O Provimento 52/2016 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta o registro de crianças geradas por reprodução assistida, está sendo questionado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) em parecer. Apesar de suprir uma lacuna legislativa, o dispositivo impõe a necessidade de pessoas nessa situação informarem a identidade do doador do sêmen.

Para o Iasp, isso afronta o direito à intimidade, tanto do doador quanto da pessoa que vai criar a criança gerada por reprodução assistida, além de dificultar o registro dos menores em algumas ocasiões, pois a identidade daquele que doa o material genético muitas vezes é desconhecida pelos pais da criança. “O fato é que o provimento pôs fim ao anonimato do doador de forma abrupta, atingindo situações passadas e futuras.”

“A exclusão do anonimato do doador vem de encontro não só das normas do Conselho Federal de Medicina, mas também dos Projetos de Lei 4.892/2012 e 115/2015, naquele apensado, mais conhecido por 'Estatuto da Reprodução Humana', que foi elaborado pela Comissão de Biotecnologia da OAB-SP, e que se aprovado manterá o anonimato do doador”, argumenta o instituto em parecer feito pela professora Débora Gozzo.

Segundo o Iasp, o provimento, apesar de garantir ao filho nascido por meios artificiais a possibilidade de saber sua origem biológica, impede a formação de um vínculo de parentesco entre doador e a criança. “Restam impedidos, portanto, por meio do Provimento, o exercício dos direitos aos alimentos bem como à sucessão, só para citar dois exemplos.”

A regra, continua a professora, também prejudica as clínicas de inseminação artificial, que podem ser processadas caso informem a identidade do doador, seja ele homem ou mulher. “O que se está vendo é que os diretores das clínicas estão sendo chamados a abrir mão do sigilo a que estão sujeitos pelas normas de seu órgão de Classe, por um Provimento do CNJ, que não tem força de lei.”

“Mudar as regras no meio do jogo é inadmissível”, diz o Iasp ao questionar também a competência do CNJ para atuar no tema. Segundo o presidente da entidade, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, houve invasão do campo legislativo no ato. Ele explica que o inciso I do artigo 22 da Constituição determina que só o legislativo pode tratar de tema de competência civil.

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Doadores de material genético ficam expostos com provimento do CNJ, diz Iasp.
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Diz ainda que, apesar de o CNJ ter competência para criar regras relacionadas aos registros públicos, “isto não lhe dá direito de estabelecer norma privativa de legislação da União”. “É uma situação delicadíssima”, afirma, destacando que o médico que não informar a identidade do doador, quebrando assim seu juramento profissional de confidencialidade, pode ser preso por desobediência. “Já houve situações em que o médico foi ameaçado de prisão.”

Na peça apresentada ao CNJ, o Iasp cita o exemplo inglês como uma alternativa ponderada sobre o assunto. A entidade conta que a Inglaterra alterou sua legislação há alguns anos para acabar com o anonimato do doador, mas fez isso por meio de lei e permitiu ao produtor do material genético, nos casos em que a reprodução já tivesse sido feita, que optasse pela revelação — ou não — de sua identidade. “Esta teria sido uma boa alternativa também para o Brasil”, diz o Iasp.

“Muito embora seja medida mais do que salutar a revelação da identidade do doador, a fim de que a pessoa tenha direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, garantindo-se, pois, integralmente a intangibilidade de sua dignidade, esta questão não pode ser objeto de um Provimento do Conselho Nacional de Justiça”, reforça a entidade.

Questão médica
O Conselho Federal de Medicina possui a Resolução 2.121/2015, que proíbe a quebra do anonimato do doador. Em seu item IV, o dispositivo, ao contrário do que determina o CNJ, proíbe que doadores e recebedores do material genético se conheçam. Para os casos em que é preciso o histórico médico do doador do material genético, o CFM já estabelece às clínicas a obrigação de manterem um registro permanente dados clínicos gerais, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

“Será mantido, obrigatoriamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a)”, determina o CFM na resolução.

Uso paralelo
Apesar da polêmica em relação ao anonimato do doador, o Provimento 52/2016 do CNJ foi usado como argumento para que duas mulheres pudessem colocar seus nomes no registro de seus gêmeos, gerados por reprodução assistida. O casal, casado há mais de cinco anos, foi ao cartório registrar as crianças, mas o tabelião se recusou.

O argumento usado foi a necessidade de uma ordem judicial para formalizar o ato, mesmo com o dispositivo deixando claro que o ato poderia ser feito. Na decisão, a juíza Jocelaine Teixeira, da 3ª Vara Cível da Comarca de Esteio (RS), argumentou que caso analisado se encaixa nas disposições do Provimento 52/2016 do CNJ.

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