Foco nas punições

10 medidas não atacam causas da corrupção no Brasil, dizem advogados

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21 de novembro de 2016, 17h09

As 10 medidas contra a corrupção – que são discutidas na Câmara dos Deputados no Projeto de Lei 4.850/2016 – não ajudarão a diminuir a prática desse crime no Brasil, pois não atacam as causas de sua prática. Essa é a opinião dos criminalistas Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Alberto Zacharias Toron e Miguel Pereira Neto.

Para os advogados, o que as medidas farão é endurecer penas sem estabelecer mecanismos de compensação dessa rigidez. Ou seja, as propostas não reduzirão o “assalto aos cofres públicos”, mas tornarão as vidas dos acusados muito mais difíceis do que já são.

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Mariz de Oliveira disse que as 10 medidas não diminuirão a corrupção
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Os três discutiram as sugestões do Ministério Público Federal na manhã desta segunda-feira (21/11), primeiro dia da IV Semana do Instituto dos Advogados de São Paulo, na capital paulista.

Na visão de Mariz de Oliveira, o Direito Penal não previne crimes, apenas pune aqueles que já o praticaram. Dessa forma, de nada adiantam as 10 medidas se nada for feito com relação ao sistema político e a forma com que ele lida com empresas e à ética brasileira — que, em sua visão, estimula a busca por levar vantagem em tudo.

“Parece que pode até haver crime, desde que haja cadeia, porque ninguém discute o verdadeiro combate, que seria às causas do crime”, disse o advogado.

Também nessa linha, Pereira Neto criticou a ideia de que aumentar penas ajuda a reduzir o crime. “A pacificação social não depende de punição, e, sim, de educação, diálogo social. Do jeito que foram redigidas, as 10 medidas contra a corrupção irão apenas aumentar o número de presos”.

Já Toron ressaltou que se a sociedade quiser aumentar as penas, é preciso aumentar fortalecer o direito de defesa e aumentar as garantias dos acusados. O problema é que as propostas do MPF vão no caminho contrário, e reduzem esses direitos — como a de dificultar que ocorra prescrição e a de autorizar o uso de provas ilícitas obtidas de “boa-fé”.

Segundo o criminalista, o processo penal, que deveria ter base objetiva, passou a se guiar pelo subjetivismo. Tal virada ocorreu quando os princípios passaram a ter mais peso para os juízes do que as normas legais. O problema é que as ponderações, feitas a pretexto de se aplicar os princípios, “acabam sendo usadas para arrombar a legalidade”, atacou.

Com isso, “vale tudo” na pretensa luta contra a criminalidade. “Voltamos ao modelo inquisitivo. Você prende, escracha, sufoca economicamente a pessoa. Só sobra pra ela fazer a confissão, via delação premiada”, avaliou Toron.

Guerra midiática
O MPF está ganhando “de lavada” a guerra midiática em torno das 10 medidas contra a corrupção, reconheceram os especialistas. Prova disso é a manifestação em defesa das propostas ocorrida nesse domingo (20/11) na Avenida Paulista, em São Paulo.

Mas essa vantagem ocorre porque os procuradores da República estão jogando sujo, avaliam. A população, conforme Pereira Neto, foi atraída para assinar o abaixo-assinado que virou o PL 4.850/2016 sem saber que essa pacote era um “projeto de poder repressivo”, que inclui várias alterações que não têm nada a ver com corrupção.

Para piorar a situação, a imprensa dá amplo destaque às 10 medidas e às ações do MPF, mas permanece quase silente com relação às críticas a essas propostas, disse Mariz de Oliveira.

ConJur
Toron acredita que a população e os políticos estejam percebendo os riscos das 10 medidas à democracia
ConJur

Mais otimista, Toron acredita que o jogo começou a virar. A seu ver, “os parlamentares estão se dando conta de que corremos o risco de ter um processo penal fascista”. Exemplo disso seria a retirada das restrições ao Habeas Corpus do projeto de lei.

Ainda assim, o criminalista repudia a “estratégia do medo” que vem sendo usada pelos procuradores, com argumentos do tipo “se as 10 medidas não forem aprovadas, todo o trabalho terá sido em vão” e “a ‘lava jato’ corre perigo”. Segundo ele, essa retórica está na base de todos os Estados totalitários do século XX.

E essa tática não só é desonesta, como é também mentirosa, destacou Mariz de Oliveira. Isso porque a “lava jato” foi e é extremamente eficaz sem que as 10 medidas contra a corrupção estivessem inseridas no ordenamento jurídico brasileiro.

Sujeito oculto
Os três advogados atacaram ferrenhamente autorização para que investigações criminais sejam abertas com base em denúncias anônimas. Com base nesse motivo, grandes operações policiais foram anuladas, como a “castelo de areia” e a “suíça”.

Toron citou retrospectiva de 2011 que escreveu na ConJur na qual afirmou que o Superior Tribunal de Justiça “marcou posição na defesa das garantias constitucionais e processuais” ao anular processos viciados. Assim, a sugestão dos procuradores da “lava jato”, para o advogado, visa evitar que esse problema se repita, e que os investigadores possam fazer apurações de forma ilegal.

Divulgação
Para Pereira Neto, a legalização da denúncia anônima daria margem a ilegalidades dos investigadores

Dessa forma, eles poderiam, por exemplo, grampear uma pessoa sem autorização judicial e abrir um inquérito com base em informações obtidas nesse diálogo. E tais provas não seriam anuladas, pois os policiais e integrantes do MP não precisariam informar de onde as obtiveram. Por tal razão Pereira Neto declarou que essa ideia “transformaria o processo penal numa caixa-preta”.

Debate acirrado
O mundo jurídico está rachado com relação às 10 medidas contra a corrupção. Para o chefe da força-tarefa da "lava jato em Curitiba, o procurador da República Deltan Dallagnol, elas são a chance de a acusação equilibrar o jogo com a defesa, que tem "muitos direitos".

O juiz responsável pela "lava jato" em Curitiba, Sergio Moro, também saiu em defesa das propostas. Em audiência na Câmara dos Deputados, ele pediu o apoio dos parlamentares às 10 Medidas. "Claro que essa casa tem a prerrogativa de debatê-lo, mas, nesse contexto, queremos que o Congresso faça sua parte e se junte a outras instituições no combate à corrupção."

Por outro lado, diversos profissionais criticaram as sugestões. O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse ser “absurda” a ideia de tornar aceitáveis provas ilícitas e declarou que limitar o HC só prejudicaria os cidadãos.

Na visão de Técio Lins e Silva, presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), as propostas são “desrespeitadoras de direitos”, e têm um “ranço de ódio contra o direito de defesa e a advocacia”. “[As medidas] São o prestígio do aumento do poder do Estado em detrimento do cidadão”.

Homenagem
Antes de começar a discorrer sobre as propostas do MPF, Toron homenageou a advogada Alexandra Lebelson Szafir, que era sua sócia no Toron, Torihara & Szafir Advogados e morreu no dia 4 de novembro.

Bastante emocionado, o criminalista lembrou da “enorme humanidade” de sua colega, que se preocupava mais com o estado de seus clientes do que com os honorários que iria receber. Ele ainda saudou a alegria de viver e o espírito de luta de Alexandra — que foi recordada com uma longa salva de palmas pelos presentes.

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