"Efeito lealdade"

Juízes da Suprema Corte dos EUA quase não discordam de quem os indicou, diz estudo

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18 de novembro de 2016, 6h17

Diante da extensão das propostas defendidas durante a campanha por Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, e da possibilidade de ele indicar três juízes para a Suprema Corte do país, o mundo passou a olhar com mais atenção que o normal para o tribunal. E, por isso, tem ganhado fama em círculos jurídicos do mundo inteiro um estudo da Universidade de Chicago, dos EUA, sobre a lealdade dos juízes da Suprema Corte aos presidentes.

Segundo o estudo, de autoria dos professores Lee Epstein e Eric Posner, a Suprema Corte costuma ser bastante fiel aos presidentes do país. Mas os juízes — ou justices, como são chamados — são especialmente leais aos presidentes que os indicaram. De acordo com o levantamento, a lealdade ao governo sobe em média mais de 10% quando o presidente que está no cargo foi o responsável pela indicação.

A pesquisa aponta que, em média, 60% dos votos dos membros do tribunal concordam com os presidentes. Mas quando o índice é em relação aos presidentes que indicaram os juízes, a média de concordância sobe para 66%. Em alguns casos, como o de Samuel Alito, indicado ao cargo por George W. Bush (tratado no estudo como Bush 2, para não confundir com George H. W. Bush, pai de Bush 2, tratado como Bush), a diferença é de 58,43% de lealdade com o governo para 75% dos votos proferidos a favor do governo quando Bush 2 estava no cargo.

O trabalho analisou todos os votos proferidos pelos membros da Suprema Corte entre 1937 e 2014. Nesse período, os EUA tiveram 13 presidentes, e o tribunal, 38 juízes.

Os autores discutem o que chamam de “efeito lealdade”, que é o nível de concordância que os juízes têm com os presidentes dos EUA. E eles descobriram que, embora exista uma conhecida lealdade do justice em relação ao partido do presidente que o indicou, a lealdade ao próprio presidente define mais a postura do julgador que posições ideológicas ou partidárias.

Por exemplo, o justice Stephen Breyer, indicado ao tribunal por Bill Clinton em 1994. Os autores afirmam que era esperado que o magistrado fosse mais leal a Clinton que a Bush 2. Mas o estudo também descobriu que Breyer concordou mais com Clinton que com Barack Obama, ainda que os dois sejam do mesmo partido. Breyer foi a favor do governo em 67,88% de seus voto enquanto Clinton era presidente. Com Obama, a cifra caiu para 48,81%.

Olhos atentos
Um estudo sobre o comportamento dos juízes da Suprema Corte dos EUA ganha especial importância no contexto que vive o país. Assim como o Brasil, os EUA tiveram eleições das mais polarizadas de sua história, com o agravante de que ambos os candidatos tiveram índices de rejeição recorde entre os eleitores. Pelo menos de acordo com as pesquisas divulgadas durante a campanha, que apontavam para a vitória de Hillary Clinton, a candidata democrata.

O fato de Donald Trump ter ganhado as eleições também contribui para as incertezas. Membro do Partido Republicano, ele foi eleito com uma plataforma especialmente conservadora e xenófoba e com um discurso de rejeição à política que exaltou diferenças raciais dos EUA.

E é Trump quem vai indicar um substituto a Antoni Scalia, notório conservador que morreu repentinamente em fevereiro, última indicação de Richar Nixon ao tribunal. Além da cadeira do ex-decano, mais três podem ficar vagas durante o mandato de Trump, as dos juízes Ruth Ginsburger (83 anos), de Anthony Kennedy (80 anos) e a de Stephen Breyer (78 anos).

A Suprema Corte dos EUA tem uma configuração bastante diferente do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Nos EUA, não há mandatos: o cargo é vitalício, e o ocupante deixa a cadeira quando quiser. Scalia, por exemplo, morreu justice. No tribunal norte-americano também há uma divisão ideológica mais clara. São nove integrantes do tribunal, quatro se identificam como liberais e três como conservadores. Além da vaga de Scalia, há o justice Anthony Kennedy, que se identifica como conservador, mas vota de acordo com suas convicções, não ideologia.

Dos três juízes que estão para se aposentar, dois são liberais. Portanto, Trump pode “desequilibrar” o placar a favor do Partido Republicano. Se as previsões se confirmarem, ele vai manter as quatro tradicionais cadeiras dos conservadores, mas substituir dois liberais por dois conservadores. E o “placar” ficaria seis a três.

Por partido
O estudo de Epstein e Posner ganha especial importância diante da descoberta de que os indicados por presidentes democratas são mais leais aos responsáveis por suas indicações que os republicanos.

De acordo com a pesquisa, a lealdade dos indicados por democratas é de 67,26%. Com os indicados por republicanos, o índice é de 64%. “Podemos apenas especular por que isso é assim”, afirmam os autores.

Uma possibilidade levantada por elas é o fato de republicanos “levarem mais a sério suas ideologias jurídicas”, e os presidentes republicanos escolhem com base em comprometimento ideológico ou fazem seus candidatos entenderem que o posicionamento político deve prevalecer sobre outras formas de tomar decisão.

“Já os democratas costumam procurar justices com base nos modelos de apoio político ou de constituency [de acordo com demandas políticas de momento, como um criminalista ou alguém que defenda os direitos das mulheres]”.

Portanto, pela amostragem mostrada pelo estudo, é bastante provável que Trump indique juristas aguerridos a suas posições para a Suprema Corte. Isso pode ser fundamental nas discussões que a Suprema Corte deve ter pela frente nos próximos anos.

Clique aqui para baixar o estudo, em inglês.

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