Intimidação da magistratura

Ajufe critica PL de abuso de autoridade e prerrogativa de foro

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18 de novembro de 2016, 20h51

A Associação dos Juízes Federais está preocupada com as movimentações do Legislativo relacionadas à sua atuação. Para a entidade, os projetos que buscam combater o abuso de autoridade (Projeto de Lei do Senado 280/2016) são ataques à magistratura em resposta às decisões que prenderam políticos e empresários.

"O projeto que tipifica como abuso de autoridade a mera interpretação da lei e que prevê a punição dos juízes por crimes de responsabilidade são tentativas claras de ferir a independência funcional dos magistrados, tendo como fim amedrontar os responsáveis pela condução de investigações notoriamente bem sucedidas, como a operação Lava Jato, Acrônimo, Zelotes, entre outras", diz a Ajufe em nota.

A entidade diz ainda que a atual crise vivida pelo Brasil só será resolvida com reformas profundas. "A partir do princípios republicanos, especialmente o de que todos são iguais perante a lei, princípio este incompatível com o foro por prerrogativa de função da forma como está hoje instituído."

Abuso de autoridade
A discussão sobre o projeto que criminaliza o abuso de autoridade por magistrados e membros do Ministério Público envolve, entre outros fatores, o corporativismo e a motivação política. Se de um lado a magistratura afirma, como fez a Ajufe, que medidas restritivas à atuação de julgadores são uma resposta às prisões de políticos, por outro há um discurso de classe para garantir privilégios.

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, a resistência ao PL que pune o abuso de autoridade é infundada. “Estão acima de qualquer questionamento? Quer dizer, os seus atos, os atos do juiz Moro, os atos dos demais juízes, os atos dos promotores, dos delegados.”

O ministro disse também que as firmações de que o PL comprometeria a operação “lava jato” são exageradas. “Essa lei não está voltada para ninguém especificamente. Ela foi feita em 2009, portanto, ela não podia prever a ‘lava jato’. Ninguém está acima da lei. O projeto é esse. É de pegar desde o guarda de trânsito ao presidente da República e permitir o enquadramento quando houver abuso.”

Já o juiz federal Sergio Moro, que foi alvo de uma denúncia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por abuso de autoridade nesta sexta-feira (18/11), critica o projeto. Segundo o julgador, se a iniciativa for aprovada com a redação atual, juízes, promotores e policiais ficariam intimidados, e isso dificultaria investigações contra políticos.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o juiz da operação “lava jato” disse que “o Direito não é matemática”, por isso não dá para dizer com precisão quando há ou não justa causa para a propositura da ação penal. Mas, se não houver, os ocupantes de tais cargos correm risco de terem que responder por abuso de autoridade, conforme o projeto, o que "amordaça" suas atividades, segundo Moro.

“Em princípio, isso possibilitaria que o denunciado entrasse com uma ação penal por abuso de autoridade contra o procurador, ou o promotor. Vamos supor: o juiz decreta uma prisão e, eventualmente, essa prisão é revogada, não porque o juiz abusou, mas porque o juiz errou na interpretação da lei. Isso de sujeitar o juiz a um processo criminal é o que a gente chama de crime de hermenêutica. Vai colocar autoridades encarregadas da aplicação da lei, juízes, polícia e Ministério Público numa situação em que possivelmente podem sofrer acusações, não por terem agido abusivamente, mas, sim, porque adotaram uma interpretação que eventualmente não prevaleceu nas instâncias recursais ou superiores”, afirmou.

Leia a nota da Ajufe:

Carta da Assembleia Geral da Ajufe

Nós, juízes federais reunidos em Assembleia Geral, vimos por meio desta manifestar nossa preocupação com os ataques que vêm sendo dirigidos ao Poder Judiciário, que se iniciaram, em especial após a atuação institucional de Magistrados em inquéritos policiais e ações penais cujos Indiciados e Réus possuem grande expressão política e/ou econômica, mas que, até há pouco em nosso País se esquivavam a responder pela prática por seus atos em contrariedade à lei e ao ordenamento jurídico em geral, beneficiando-se, dessa forma, de um ambiente de corrupção endêmica.

Ilícitos cometidos por integrantes de quaisquer dos três poderes devem ser rechaçados, investigados e punidos. Contudo, soa inoportuna, e até intimidatória, a proposta de projetos de lei buscando criminalizar a atuação dos juízes justamente quando a atuação do Judiciário tem sido mais efetiva no processamento dos feitos que têm por objeto atos de corrupção.

Nesse sentido, o projeto que tipifica como abuso de autoridade a mera interpretação da lei e que prevê a punição dos juízes por crimes de responsabilidade são tentativas claras de ferir a independência funcional dos magistrados, tendo como fim amedrontar os responsáveis pela condução de investigações notoriamente bem sucedidas, como a operação Lava Jato, Acrônimo, Zelotes, entre outras.

A atual crise institucional e financeira por que passa o nosso País somente será debelada se encarada como uma oportunidade para profundas reformas norteadas pelos princípios republicanos, especialmente o de que todos são iguais perante a lei, princípio este incompatível com o foro por prerrogativa de função da forma como está hoje instituído.

Os juízes federais do Brasil são conscientes de sua responsabilidade e papel no enfrentamento dessa crise e não se calarão diante das tentativas inidôneas de atingir as prerrogativas funcionais que asseguram à sociedade um Poder Judiciário independente e imparcial."

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