Segunda Leitura

O requerimento do ex-presidente Lula à ONU e as ações penais no Brasil

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

13 de novembro de 2016, 9h22

Spacca
O ex-Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aos 28 de Julho de 2016, apresentou requerimento ao Setor de Petições, no Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, Suíça, afirmando terem sido violados os artigos do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR),[i] ao qual o Brasil aderiu e que foi aprovado pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo 311, de 2009.[ii]

A maioria absoluta dos brasileiros, inclusive da área jurídica, tem dificuldades em entender o que isto significa. O motivo é simples. Provavelmente, trata-se de um tipo de requerimento nunca antes utilizado por cidadãos brasileiros. Vejamos os fundamentos jurídicos.

O Brasil é Estado aderente à Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, promulgada no Brasil pelo Presidente da República através do Decreto 19.841, de 1945. Assim, como um dos Estados Partes, o Brasil firmou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

De acordo com o Considerando deste acordo de vontades, os Estados Partes do Pacto reconhecem a habilitação de um Comitê de Direitos Humanos para “receber e examinar, como se prevê no presente Protocolo, as comunicações provenientes de indivíduos que se considerem vítimas de uma violação dos direitos enunciados no Pacto”.

A busca da intervenção do Comitê de Direitos Humanos apresenta, todavia, alguns requisitos. É imprescindível que aquele que se considera vítima tenha esgotado todas as instâncias judiciais de seu País, que não tenha recorrido a outra instância internacional, que a denúncia não seja anônima ou com abuso de direito.

Pois bem, foi atento a estas exigências que o ex-Presidente Lula da Silva formulou seu pedido junto ao Escritório do Alto Comissariado, deixando desde logo, explícito, que: “Para cada abuso de poder que uma queixa aqui é feita, não há remédio conferido pela lei brasileira ou procedimento disponível em um prazo razoável e/ou eficaz”.

Os requerimentos na ONU podem ser feitos em inglês, francês, árabe, espanhol, chinês e russo, tendo o ex-Presidente optado pela língua inglesa.

O pedido traça um histórico sobre a operação “lava jato”, a corrupção no Brasil, as peculiaridades da legislação interna, onde o juiz que defere as medidas na fase de investigação é o mesmo que posteriormente julga a ação penal. O “requerente pede ao Comitê de Direitos Humanos para decidir sobre seis violações específicas da Convenção”, quais sejam:

Pedido 1: Artigo 9 (1) O ilegal mandado de condução coercitiva de 04 de março;  Pedido 2: Artigo 17: Publicação pelo juiz Moro de interceptações (a) autorizadas e (b) ilegais e não autorizadas; Pedido 3: Artigo 17: Interceptação telefônica do advogado do requerente; Pedido 4: Artigo 14(1) – O Direito a um Tribunal Imparcial; Pedido 5: Artigo 9: Suscetibilidade à Prisão Preventiva por Tempo Indeterminado; Pedido 6: Artigo 14(2): Violação de Direito de Presunção de Inocência.

Abaixo de cada item, dá as justificativas que, a seu ver, significam violação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, procurando evidenciar que o Poder Judiciário do Brasil não vem dando solução adequada ao problema.

O Comitê de Direitos Humanos, verificando não existirem causas de impedimento (v.g., ser anônima a denúncia), recebeu o pedido, comunicando, por carta datada de 25 de outubro próximo passado, o fato ao requerente, na pessoa de um dos advogados por ele constituídos.[iii] O passo seguinte é a comunicação do Comitê ao Estado Parte, no caso o Brasil, para que, no prazo de 6 (seis) meses,  forneça as explicações ou declarações que esclareçam a questão e indique as medidas que tenha tomado para remediar a situação (artigo 4º, item 2).

A tramitação deste processo é regulada pelo Regulamento do Comitê de Direitos Humanos.[iv]  O Comitê não é um Tribunal, mas sim um órgão composto por 18 pessoas eleitas na forma dos artigos 28 e 34 do Pacto. O processo será presidido por uma dessas pessoas. O Regulamento disciplina a produção de provas e a votação será um a um, decidindo por maioria simples, permitindo-se a declaração de voto vencido.

Se o pedido for julgado procedente, o Comitê designará um Relator especial para acompanhar a execução da decisão do Comitê no Brasil inclusive recomendando a tomada de medidas complementares que sejam consideradas necessárias.

Pois bem. Vistas de forma genérica, as regras deste procedimento quase-judicial, resta avaliar qual será o seu resultado. Isto, na verdade, é ignorado neste momento. Somente os que manejam as ações penais propostas contra o ex-Presidente, ou mesmo as investigações, podem adiantar uma opinião segura. De qualquer forma, algumas conclusões podem ser tiradas, ainda que sem nenhum exame do mérito.

A primeira delas é que o requerimento ao Alto Comissariado de Direitos Humanos tem por objetivo chamar a atenção do mundo para o que o ex-Presidente Lula da Silva considera uma perseguição política.

A segunda conclusão é que agora o Brasil, através de seu Ministério das Relações Exteriores e dos maiores especialistas na carreira diplomática, fará uma defesa contundente, visando demonstrar que há suporte para a investigação de crimes e que a competência de parte deles é do Juiz Federal Sérgio Moro (há ação penal no Distrito Federal).

A terceira conclusão é que, nos próximos meses, muitas coisas acontecerão e poderão acabar influenciando a decisão dos julgadores. Por exemplo, o jornal New Tork Times, que é o mais influente do mundo, noticiou ontem que “Brasil leva ouro em corrupção”[v]. Evidentemente, tal tipo de notícia, principalmente no exterior, trará resultados na avaliação final.

A quarta conclusão é que a alegação de perseguição política, inclusive representando ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, pode ser a justificativa para um pedido de asilo político na Embaixada de outro país, por exemplo, Uruguai ou  Cuba.

Aguardemos o transcorrer dos fatos.


[i] Petição, em: http://s.conjur.com.brhttps://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/lula-questiona-isencao-moro-acusacoes1.pdf, acesso em 11/11/2016.
[ii] http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2009/decretolegislativo-311-16-junho-2009-588912-publicacaooriginal-113605-pl.html, acesso em 11/11/2016.
[iii] http://download.uol.com.br/noticias/documentos/cartaonu.pdf, acesso em 11?11?2016.
[iv] http://hrlibrary.umn.edu/hrcommittee/spanish/Srules.html, acesso em 12/11/2016.
[v] http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/236449/New-York-Times-Brasil-leva-ouro-em-corrup%C3%A7%C3%A3o.htm

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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