Opinião

LC 155/16 dá segurança às relações entre o investidor e startup

Autor

  • Arnaldo de Lima Borges Neto

    é bacharel em Direito pela UFPE e administrador de empresas pela FCAP/UPE. è especialista em Direito Comercial e mestrando em Direito Comercial pela Universidade de Lisboa. É pós-graduado em Direito Corporativo – LL.M IBMEC. É advogado e secretário das Comissões de Conciliação Mediação e Arbitragem e Sociedade de Advogados da OAB-PE.

13 de novembro de 2016, 9h40

Em 31 de outubro de 2016, foi publicada a Lei Complementar 155, que, dentre outras importantes alterações e inovações legislativas, ampliou o teto de faturamento bruto das empresas de pequeno porte (EPP) para R$ 4,8 milhões, em cada ano calendário, e incluiu os serviços de advocacia dentre as atividades profissionais enquadráveis no Simples, ao dar nova redação ao §5º – I, do art. 17 da Lei Complementar 123/06 (“XII – outras atividades do setor de serviços que tenham por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, desde que não sujeitas à tributação na forma dos Anexos III ou IV desta Lei Complementar”).

No que pese a vigência “protraída”, ou “escalonada”, dos efeitos de determinados dispositivos (art. 11, incisos I a III, da LC 155), é possível antever, de imediato, imensos benefícios do porvir legislativo. Além da excelente notícia aos profissionais da advocacia, que poderão contar com as benesses do tratamento tributário diferenciado, a nova legislação complementar trouxe interessante regulamentação para os chamados “investidores-anjos”, há tanto acalentada por empresários de start ups, na maioria das situações, empresas em fase inicial de atividades (mas não necessariamente!) e que se diferenciam por oferecer ao mercado um modelo de negócios repetível e escalável, num cenário de incertezas.

Para que as start ups possam se desenvolver, e dado o investimento mínimo realizado pelos empreendedores – por carência de recursos financeiros próprios -, é comum que recorram aos denominados investidores-anjos.

Assim, investidores-anjos são, resumidamente, pessoas físicas ou jurídicas dispostas a investir em determinado negócio embrionário, com grande potencial de crescimento, retorno financeiro e desenvolvimento, ou no ciclo inicial das atividades, geralmente chamadas de startups, mediante a realização de aporte financeiro na empresa em troca de, por exemplo, participação futura nos rendimentos ou parcela do capital social da empresa. É prática comum, também, que o investidor-anjo exerça o papel de conselheiro ou mentor dos (em regra) jovens empreendedores do negócio.

Apesar de as startups puderem adotar qualquer tipo societário, percebe-se a preferência pela opção de sociedades empresárias limitadas e, também, em razão direta da projeção de faturamento módico no início das atividades, pelo enquadramento como microempresas ou empresas de pequeno porte.

Logo, no modelo das startups, são os investidores-anjos os responsáveis por aconselhar os empreendedores, fazer recomendações, avaliar o negócio e realizar investimentos iniciais, ou aportes financeiros destinados à expansão do negócio.

Além dos riscos inerentes a todo empreendimento, um dos maiores desafios que os empreendedores enfrentam – ao lado da insegurança pessoal, do medo do fracasso e do comprometimento de seu patrimônio pessoal, da concorrência, da inexperiência, etc. – é a dificuldade em obter financiamento para “tirar as ideias do papel” e transformá-las em realidade.

Por vezes, o empreendedor possui a garra, a obstinação, a ideia/visão, a formatação do negócio (que pode ser um business plan ou mero esboço informal de algo relativamente viável e interessante), o know-how, a confiança em ter detectado um produto/serviço que supra uma lacuna no mercado e que atenda à necessidade dos clientes (potenciais), mas lhe falta o investimento inicial, ou complementar, para o pleno desenvolvimento da atividade empresarial.

É corriqueiro, em diversas situações, que os investidores-anjos realizem contratos de mútuos com a empresa, ou adquiram quotas (ações) da sociedade em troca de aporte ao capital social para desenvolvimento das atividades (como forma de investimento) ou, ainda, celebrem com a startup uma sociedade de conta de participação (SCP). É assim que ocorrem as transferências do chamado smart money, no jargão das startups.

Se, de um lado, há a sempre presente preocupação, por parte dos investidores, de proteger seu patrimônio em caso de insucesso da empresa “em gestação” (risco natural do investimento vs. objetivo de auferir o maior retorno possível), de outro, existe a necessidade de a startup conseguir investimentos para dar início, ou ampliar, seus negócios e atividades, de forma rápida, desburocratizada e sem a necessidade de prestar garantias típicas.

Nesse sentido, devem ser muito bem recebidos os novos dispositivos da Lei Complementar 123/06, com a redação que lhes foi dada pela LC 155/16 (arts. 61-A a 61-D), pois regram a relação entre o investidor-anjo e a microempresa e/ou a empresa de pequeno porte, no intuito fomentar “as atividades de inovação e os investimentos produtivos”, mediante “aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa”[1], com permissão expressa para o investimento ser realizado por pessoas físicas, jurídicas, inclusive fundos de investimentos[2].

Importa destacar, ainda, que os aportes financeiros não impedirão que a empresa opte pelo Simples Nacional (art. 61 – B).

A partir da vigência dos arts. 61-A a 61-D da LC 155/16, as relações entre o investidor-anjo e as microempresas e empresas de pequeno porte contarão com maior segurança jurídica. Ao investidor-anjo são assegurados, por exemplo, a preferência para aquisição de participação societária da empresa[3] e o direito de alienação de seu aporte de capital em igualdade de termos e condições com os que foram ofertados aos sócios da empresa, numa espécie de tag along.

Também será possível estabelecer, no “contrato de participação” (art. 61-A, §§1o, 8o e 9o), a transferência (cessão) dos aportes de capital para terceiros, mediante prévio consentimento dos sócios regulares, ou não, a depender do previsto contratualmente no instrumento de participação.

A relação jurídica entre investidor-anjo e empresa será materializada em instrumento denominado “contrato de participação”, celebrado pelo prazo máximo de 07 (sete) anos com fins específicos ao fomento e ao incentivo à inovação e investimentos produtivos (art. 61-A, §1). Por vaticinar que os investimentos são produtivos, parece que a mera especulação financeira é vedada nesse tipo de relação, além de não ser condizente com a natureza do negócio e objetivos das partes envolvidas.

Independentemente do prazo total de duração do investimento, a remuneração do investidor-anjo estará restrita ao período total de 05 (cinco) anos e será limitada a 50% (cinquenta por cento) dos resultados distribuídos a título de lucro pela sociedade, ao final de cada período (art. 61-A, §6o).

Nesta toada de ideias, parece que o legislador, em caso de celebração de contrato de participação com prazo superior a 05 (cinco) anos, desejou conferir um prazo de carência para a startup, antes de iniciar o pagamento dos investimentos, provavelmente imaginando que, quando mais longo o prazo total da contratação, maior o aporte de capital necessário e, portanto, maior o lapso temporal para pagamento do valor investido.

Mas não apenas as relações entre investidor-anjo e empresa são abrangidas pela regulamentação legal. Como forma de incentivar, com segurança, a prática de investimentos privados em startups, o legislador assegurou, ainda, especial proteção ao investidor-anjo, afastando a possibilidade de alcance de seu patrimônio em casos de desconsideração da personalidade jurídica da empresa ou recuperação judicial: “não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 [do Código Civil]” (art. 61-A, §4o).

Nesse ponto, parece que o legislador disse menos do que deveria, ou queria. A finalidade da proteção patrimonial do investidor-anjo é garantir, de forma plena, a aplicação do princípio da separação patrimonial e, ainda, deixar claro que o aporte de capital investido deve retornar ao investidor e não se confunde com o capital social da empresa. Assim, parece que a proteção em tela também abarcaria os casos de falência da sociedade empresária.

Provavelmente, até o início da vigência dos dispositivos aludidos, o Ministério da Fazenda expedirá regulamentação sobre a tributação da retirada do investimento feito pelos investidores-anjo, dando cumprimento à norma programática prevista no art. 61-A, §10.

De toda forma, as premissas básicas da relação entre investidor e empresa já foram determinadas: os investidores não participarão da administração da sociedade, nem terão direito a voto, e tampouco serão considerados sócios, posto que a sociedade será gerida exclusivamente pelos sócios regulares, sob suas responsabilidades; os valores do aporte de capital não serão considerados receitas da sociedade, para fins de enquadramento como microempresas e empresas de pequeno porte (art. 61-A, §§3o, 4o e 5o).

Por fim, insta salientar que o investidor-anjo somente poderá resgatar o valor do aporte financeiro, corrigido monetariamente por índice determinado pelos contratantes, após decorridos 02 (dois) anos da realização do investimento ou no prazo superior ao mínimo legal avençado no contrato de participação e, assim, seus haveres, caso não haja contratação em contrário, deverá obedecer os procedimentos previstos no art. 1.031 do Código Civil.

Do exposto, nota-se que o legislador, ciente da necessidade de efetivamente incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, e sabedor de que o habitat das microempresas e empresas de pequeno porte é significativamente responsável pelo desenvolvimento de produtos e serviços ousados, novos e de grande valor agregado, especialmente os do ramo de tecnologia da informação e comunicações, desejou impulsionar o fomento de atividades empresariais proporcionando segurança jurídica, celeridade e desburocratização nas relações havidas entre investidores e empreendedores, promovendo uma nova agenda empresarial.

Agora, resta aguardar a vigência da lei e verificar se o objetivo de impulsionar o crescimento e desenvolvimento das microempresas e empresas de pequeno porte, com o incremento das atividades de inovação e dos investimentos produtivos, contarão com boa recepção por parte dos investidores-anjo. Ao que tudo indica, a resposta será positiva!


[1] Art. 61-A, caput, da Lei Complementar 155/2016.

[2] Art. 61-A, §2o e art. 61-D, da Lei Complementar 155/2016.

[3] “Art. 61-C. Caso os sócios decidam pela venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjunta do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares.”

Autores

  • Brave

    é bacharel em Direito pela UFPE e administrador de empresas pela FCAP/UPE. è especialista em Direito Comercial e mestrando em Direito Comercial pela Universidade de Lisboa. É pós-graduado em Direito Corporativo – LL.M IBMEC. É advogado e secretário das Comissões de Conciliação, Mediação e Arbitragem e Sociedade de Advogados da OAB-PE.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!