Opinião

O mercado ilegal de tabaco é uma ameaça crescente à segurança nacional

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  • Paulo Samico

    é advogado de contencioso estratégico cível e regulatório pós-graduado em Direito Processual Civil e presta suporte jurídico para o planejamento estratégico corporativo.

12 de novembro de 2016, 5h10

A Organização Mundial da Saúde, através de seu tratado para o controle do consumo do tabaco, a Convenção Quadro para o Controle do tabaco, está reunida em uma Conferência na Índia para, além de debater tais medidas, discutir um Protocolo de Combate ao Mercado Ilegal de Tabaco. A chamada Conferência das Partes (COP), que já está em seu sétimo encontro, pretende por meio do Protocolo reforçar o compromisso dos países membros na cooperação com as organizações internacionais que lutam contra o mercado ilegal, um dos principais desafios da indústria do tabaco.

No Brasil, o assunto só agora parece realmente despertar a atenção do Governo Federal, embora seja um problema há tempos preocupante no país. De acordo com o Ministério Público Federal, o cigarro é o produto mais contrabandeado no Brasil. As agências de notícias das Polícias Federal e Rodoviária Federal atestam que a maioria das apreensões de produtos de origem ilegal ocorre na região Sul, considerada porta de entrada para o contrabando, por conta das fronteiras precariamente fiscalizadas com outros países da América Latina, especialmente o Paraguai.

Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União realizou em setembro de 2015 uma auditoria para avaliar a governança de políticas públicas no fortalecimento das faixas de fronteira, constatando que a falta de uma política nacional que integre os entes federativos com planos, objetivos claros e participação social “colabora diretamente para prejuízos da ordem de até R$ 100 bilhões ao ano”, nas palavras do relator do processo, ministro Augusto Nardes. O baixo grau de investimentos e a carência de recursos tornam as fronteiras vulneráveis. A fiscalização deficiente, somada à falta de atuação conjunta das autoridades, torna os limites territoriais brasileiros um ambiente propício para o cometimento dos mais variados crimes, em destaque o de contrabando.

Com cerca de 19 cidades em faixas fronteiriças, somente no estado do Rio Grande do Sul milhares de pessoas entram e saem do país diariamente sem nenhuma fiscalização. Segundo dados do Ministério da Integração Nacional, esses locais reúnem os índices econômicos e sociais mais baixos do estado. Logo, não por acaso, o mercado ilegal do tabaco no Brasil é um dos maiores do planeta. A Fazenda Nacional já estima que o valor total da dívida mantida por esse mercado com a União hoje supera R$ 17,3 bilhões e a maioria dos produtos são paraguaios, exportados para o Brasil de maneira ilegal, sem pagamento de impostos ou controle fitossanitário.

Inúmeras fábricas de cigarros clandestinas estão produzindo a pleno vapor em território nacional. É comum encontrar indícios de imitação de marcas nacionais registradas, em um verdadeiro esquema montado para sonegar tributos com a falsificação do selo da Receita Federal. O setor do tabaco é, ainda, marcado pela concorrência desleal praticada por fabricantes locais, que deliberadamente não pagam os tributos devidos, como meio de criar uma vantagem competitiva artificial e fraudulenta. Um levantamento feito para o ano de 2015 comprova que o mercado ilegal no Brasil já ocupa o espaço de 35% do setor.

Ao invés de propor uma solução estratégica para evitar a queda na arrecadação, o poder público aposta na velha tática do aumento de impostos. Em 2015, o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) contabilizou o recorde de R$ 2 trilhões em impostos pagos pelos brasileiros.

Quem perde com essa atitude nada consequencialista é a indústria legal. O aumento da carga tributária faz aumentar os custos de produção, o que impacta na quantidade de empregos diretos e indiretos, além de reduzir a competitividade nacional, fundamental em tempos de crise econômica.

Todavia, o principal perdedor é o Estado e a sociedade como um todo, que perdem devido ao crescimento do mercado ilegal e à criminalidade a ele associada.

Uma prova inconteste de que o aumento de tributos sobre o tabaco e derivados piora o cenário é o dado alarmante apresentado a seguir: de acordo com pesquisa nacional realizada pelo IBOPE Inteligência em 2015, o contrabando já representa 30% do mercado de cigarros no Brasil.

Fica, assim, uma dúvida: será que o incremento desses indicadores é mera coincidência ou o aumento de impostos traduz na própria causa do aumento do mercado ilegal?

Lutar contra o mercado ilegal requer um pouco mais das autoridades públicas brasileiras. É necessário maior engajamento do Governo em uma cooperação para frear o crescimento do comércio ilícito e seus derivados, mas atento aos efeitos negativos que medidas simplórias e pouco razoáveis, como o aumento exacerbado de tributos, podem gerar. Mesmo que ainda não haja número suficiente de países para fazer com que o Protocolo de Combate ao Mercado Ilegal de derivados do tabaco entre em vigor, o assunto está sendo debatido na COP, e a comitiva brasileira está lá. É, portanto, uma grande oportunidade para o Estado brasileiro se posicionar com a seriedade que o tema demanda, sem ideologias, sem preconceitos, sem soluções fáceis. Liderar o combate ao mercado ilegal pode fazer do Brasil referência na adoção de políticas públicas que sejam realmente efetivas no combate a esse problema.

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