Contra a humanidade

STF nega extradição de argentino por crimes já prescritos pela lei brasileira

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10 de novembro de 2016, 18h33

O Plenário do Supremo Tribunal Federal indeferiu, nesta quarta-feira (9/11), o pedido de extradição do governo da Argentina contra um homem acusado de sequestrar e assassinar militantes políticos de esquerda entre 1973 e 1975.

O país vizinho sustentava que crimes de lesa-humanidade seriam imprescritíveis, de acordo com a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, de 1968. No entanto, a maioria dos ministros do STF afastou esse argumento, alegando que o Brasil não subscreveu o tratado em questão.

O caso começou a ser julgado em 6 de outubro deste ano, e já contava com seis votos pelo indeferimento e três pelo deferimento do pedido. Votaram na sessão desta quarta a ministra Cármen Lúcia, que, em voto-vista, manifestou-se pelo deferimento da extradição, e o ministro Celso de Mello, que acompanhou a maioria já formada pelo indeferimento do pleito.

Na Argentina, Salvador Siciliano é investigado pelos crimes de associação ilícita, sequestros cometidos com violência, ameaças e homicídios, correspondentes no Direito brasileiro aos crimes previstos nos artigos 288, parágrafo único (associação criminosa armada), 148 (sequestro e cárcere privado) e 121 (homicídio), todos do Código Penal.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Relator do caso, ministro Fachin votou pelo deferimento da extradição do argentino Salvador Siciliano.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

No início do julgamento, o relator do caso, ministro Edson Fachin, votou pelo deferimento da extradição, acolhendo o argumento de que os crimes dos quais o cidadão argentino é acusado são imprescritíveis sob a ótica da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1968, por terem sido considerados como de lesa-humanidade pelo governo de seu país. Esse entendimento foi acompanhado, na ocasião, pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Suspenso por pedido de vista do ministro Teori Zavascki, o caso voltou a julgamento duas semanas depois. Para o ministro, os crimes dos quais o cidadão argentino é acusado estão prescritos segundo a legislação brasileira, não se configurando, no caso, a dupla punibilidade, requisito essencial pela jurisprudência do STF para que seja autorizada a extradição. Teori ressaltou que não seria possível considerar os crimes de que Siciliano é acusado como imprescritíveis tendo como fundamento a Convenção da ONU sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra, pois, embora ela esteja aberta à adesão desde 1968, até hoje o Brasil não a subscreveu.

Carlos Humberto/SCO/STF
A divergência foi aberta pelo ministro Teori Zavascki.
Carlos Humberto/SCO/STF

Acompanharam o voto divergente a ministra Rosa Weber e os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Na mesma sessão, o ministro Ricardo Lewandowski votou pelo deferimento da extradição, acompanhando o relator.

Ao apresentar seu voto-vista, a ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator, por entender que nesse caso não se deve aplicar as normas sobre prescrição. Já o ministro Celso de Mello votou pelo indeferimento do pleito, por entender que os crimes estão prescritos de acordo com a lei brasileira, tendo em vista que o Brasil não subscreveu a convenção, não estando, portanto, vinculado a seus termos.

Ao final do julgamento, a ministra Rosa Weber decidiu alterar o voto anteriormente proferido, acompanhando o relator no sentido do deferimento da extradição, por entender que crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis por força de normas cogentes como as convenções internacionais.

Assim, por maioria de votos, o Plenário do STF indeferiu o pedido de extradição, determinando a imediata expedição de alvará de soltura em nome de Salvador Siciliano, se ele não estiver preso por outro motivo.

Criminosos da ditadura
Nos últimos anos, o Brasil extraditou argentinos e até um uruguaio envolvidos em crimes da ditadura no país vizinho. Em 2012, por unanimidade, a 2ª Turma da corte concedeu pedido para extraditar Cláudio Vallejos, acusado de tortura, homicídio, sequestro qualificado e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura militar argetina, época em que Vallejos era militar do Exército e atuava na Escola de Mecânica da Armada Argentina (Esma), conhecido centro clandestino de detenção durante a ditadura.

Um ano antes, o Plenário concedeu a extradição do major do Exército argentino Norberto Raul Tozzo, para ser julgado em seu país natal pela acusação de ter participado do Massacre de Margarita Belén, ocorrido em 13 de dezembro de 1976, na província do Chaco.

Já o major uruguaio Manuel Juan Cordeiro Piacentini, acusado do sequestro de um cidadão argentino em 1976, teve sua extradição aceita pelo Supremo em 2009. Piacentini foi integrante da Operação Condor, formada pelas ditaduras militares do Brasil, Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai, com o objetivo de caçar inimigos dos regimes naqueles países nos anos 1970 e 1980. É tida hoje como uma operação terrorista, secreta e multinacional. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

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