Olho do mercado

Empresas de restrição ao crédito querem que Cade imponha limites para concorrente

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9 de novembro de 2016, 6h15

O mercado de análise, restrição e concessão de crédito do Brasil pode mudar nesta quarta-feira (9/11). O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) irá dar ou não seu aval para a criação da Gestora de Inteligência de Crédito (GIC), empresa que pretende ser um bureau de crédito como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), Boa Vista e Serasa. O fato capaz de abalar as estruturas dessa área não é apenas a chegada de um concorrente, mas a origem desse competidor: trata-se de uma joint venture entre Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú, Bradesco e Santander.

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Para Afif Domingos, presidente do Sebrae, criação do bureau dos bancos é atentado contra a economia do país. Reprodução 

Pessoas ligadas ao processo afirmam ser quase certo que o Cade irá permitir o empreendimento. Resta saber se a aprovação virá com contrapartidas. As empresas que já atuam no ramo alegam que a falta de restrições pode gerar um monopólio no país.

O principal argumento é as mesmas empresas que darão o aval para o crédito serão as que  fornecem o dinheiro (bancos) em si é um “atentado contra a ordem econômica”, afirma o ex-ministro e ex-vice-governador Guilherme Afif Domingos.

Atual presidente do Sebrae, ele se posiciona veementemente contra a criação do GIC e vê o episódio como mais um sintoma de uma velho problema brasileiro. “O sistema financeiro do Brasil é um oligopólio estimulado pelo governo. Por isso, nós temos as taxas de juros exorbitantes e um sistema de concessão de empréstimo que não chega à ponta, na pessoa que quer empreender. Nos Estados Unidos, são oito mil bancos e muitos bureaus de crédito. Aqui são cinco bancos e eles vão também entrar para controlar essa nova área”, disse Afif em entrevista para a revista eletrônica Consultor Jurídico.

Afif aproveita para alfinetar e diz que a rapidez com que o Cade tocou o processo lhe causa “estranheza”.  

Negativo e positivo
O serviço de informações para concessão de crédito funciona em duas frentes. A mais famosa é a negativação. Por meio de cruzamento de dados colhidos com cartórios, instituições financeiras (incluindo bancos) e outras fontes, as empresas afirmam se a pessoa ou entidade é má pagadora. Quanto a esse aspecto, SPC e Serasa pedem que seja vetada a entrada do GIC no mercado.

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Para concorrentes, bancos terão privilégio grande ao controlarem toda a cadeia de crédito no Brasil. Reprodução 

Em entrevista à ConJur, O diretor de uma dessas empresas ressalta que os bancos têm muitas informações sobre a vida financeiras das pessoas e que poderão repassar esses dados apenas para o GIC, o que, segundo ele inviabilizaria a atividade dos concorrentes. “A proposta é que eles sejam obrigados a passar as mesmas informações para todo mundo e ao mesmo tempo”, diz o executivo.

A outra frente é a do cadastro positivo. Por meio também da análise de dados, essas empresas indicam se a pessoa é uma boa pagadora. O advogado de uma das companhias de análise de crédito conta que o receio é que os bancos usem sua capilaridade para preencher o seu cadastro e inviabilizar o dos concorrentes. “O gerente da cidade pequena vai poder, na prática, recomendar pro cliente aderir apenas ao GIC, a chance de isso ocorrer é gigante”. A proposta das empresas é que caso o cliente consinta em entrar para um cadastro, entre para todos.

Desforra da quarentena
Não seria a primeira vez que bancos participam do mercado de restrição ao crédito. A própria Serasa é uma iniciativa dos bancos que se iniciou em 1967. Em 2007, a operação foi vendida e as partes combinaram de passar um período de quarentena, afastados do mercado. E esse retorno tem incomodado. “Os bancos fizeram de tudo para não alavancar o cadastro positivo, porque estavam impedidos de atuar. Agora, vêm com tudo tentando dominar o mercado”, reclama Afif.

Expertise em gestão
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) é a entidade que tem respondido pela elaboração do GIC. Até a publicação desta reportagem, a entidade ainda não havia retornado aos pedidos de entrevista feitos pela ConJur.

No documento enviado ao Cade solicitando permissão para o empreendimento, o GIC afirmou que a empreitada auxiliaria na “redução da inadimplência e inclusão financeira e ao êxito de experiências internacionais similares a esta iniciativa. Além disso, os requerentes [bancos] esperam incorporar a expertise do setor bancário na gestão de informações oriundas do sistema financeiro, especialmente no que se refere à implementação de medidas para reforçar o rigor nos procedimentos para garantir a segurança de dados”.

Análises irreais
Os serviços de restrição ao crédito servem para, além dos bancos, empresários, lojistas e prestadores de serviço avaliarem para quem e como vender. A total falta de precisão das análise entregues ao mercado brasileiro é um problema para a economia já foi alvo de uma série de reportagens da ConJur. (Clique aqui, aqui, aqui, aqui e aqui para ler)

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Sede do Serasa: serviço foi criado por bancos e vendido tempos depois. Com fim da quarentena, vê seus antigos donos se tornando concorrentesReprodução  

Segundo os dados da Serasa, por exemplo, em 2013, a renda presumida do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso era de menos de dois salários mínimos, mesmo tendo ele sido professor, ministro, senador e presidente da República, com participação societária em duas empresas (FHC Consultoria Lectures e Goytacazes Participações).

A recomendação de crédito para a então presidente Dilma Rousseff era de, no máximo, R$ 2,1 mil. A reportagem mostrou uma série de incongruências nas análises feitas pelo bureau

Além disso, informou que na sanha de evitar calotes a qualquer custo, a Serasa usa, como um dos quesitos para calcular a restrição de crédito o fato de o consumidor ter ações na Justiça – sem a necessidade do trânsito em julgado.

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